E chega o dia em que não sabemos o que lhes chamar...

OPINIÃO26.03.202003:00

UM senhor que é advogado e diz que é professor de Direito, que eu próprio vi aos pulos numa Assembleia Geral do Sporting a incentivar uma turba para insultar a mesa da AG; senhor esse que se auto-intitula grande sportinguista, escreveu o seguinte numa rede social (Twitter, na noite passada): «Percebemos que qualquer coisa está errada quando se elogia um reles miserável, que se socorre de um mandato autárquico (que nem sequer exerce) para deixar de cumprir as suas obrigações militares e que, em face da calamidade pública do Covid-19 se tenta armar em herói».

Se não estivesse já expulso por «usurpação de funções, criação de órgãos ilegais e convocatória de falsas assembleias gerais», os estatutos aprovados pelo presidente que este senhor apoiou indicavam que devia ser expulso agora. No artº. 26 n.º3 diz-se, claramente, que constitui infração disciplinar «injuriar, difamar e ofender os órgãos sociais do Clube ou qualquer dos seus membros, durante ou por causa do exercício das suas funções». Ou seja, o nosso ribombante sportinguista que para apresentar uma tese qualquer chama «reles miserável» ao presidente do clube (sendo, não esqueçamos, jurista e professor de Direito) diz bem sobre quem ele próprio é.

Socorro-me das palavras de Miguel Sousa Tavares, portista, meu amigo, companheiro de escrita (aqui e no Expresso) para caracterizar este tipo de pessoas: «Há gente que consegue mesmo ser pequenina até nos piores momentos». Com efeito, ontem mesmo neste jornal, Sousa Tavares revela, com base numa investigação da TVI a cujas conclusões teve acesso, que Frederico Varandas «voluntariou-se mesmo antes de saber que o Exército iria, de qualquer maneira, convocá-lo».

E ainda que assim não fosse...

MAS imaginemos que Frederico Varandas, sabendo que o Exército ia chamá-lo se tinha antecipado e feito o anúncio de que ia servir o país no Exército, como médico, uma vez que tem a patente de capitão. Poderíamos criticá-lo por esse simples facto, mas sinceramente, passar a considerá-lo um «reles miserável» é algo que só uma mente doentia pode conceber.

O mesmo se pode dizer das mentes brilhantes que entenderam que o facto de Varandas ir servir o país durante o Estado de Emergência, combatendo um pandemia mundial que ameaça tudo e todos, seria razão para se convocar eleições para 23 de abril (por acaso no auge da pandemia em Portugal, mas aquelas cabeças não pensam por aí além). Seria bonito!

Imaginemos que essa gente levava a deles avante. No pico da pandemia sairíamos de casa (independentemente da condição de cada um) e faríamos um fila para escolher o presidente do Sporting. Aliás, numa altura de provável caos nos hospitais, como país parado, com um número muito significativo de infetados e cada vez mais gente a morrer, essa deveria ser mesmo a nossa principal preocupação.

Pergunto-me se quem propõe coisas destas tem pais, filhos, cônjuges, amigos. Eles perceberão exatamente o que se passa, ou desde que Bruno de Carvalho os proibiu de ver televisão e ler jornais (salvo os do Sporting, mas agora os do Sporting também não podem ver), passeiam-se, ignorantes do que vai pelo mundo?
Não há palavras (sobretudo das que um jornal decente possa publicar) para descrever este tipo de atitude, este tipo de mentalidade, este tipo de agressividade. O que se passou no Sporting para ter pessoas assim? Era com gente desta formação que queriam comandar um clube? Transformá-lo e fazer o contrário do desígnio do desporto: não retirar de cada um o melhor que tem, mas sim o contrário.
É desesperante!

Futebol nem vê-lo

COMO aqui escrevi na semana passada, era manifestamente otimista pensar que o campeonato podia voltar no início de maio. Claro que isso hoje está afastado. Não há a mínima hipótese. E prolongar o campeonato (e os contratos) pelo Verão também não parece simples, nem boa ideia.

Vários momentos da História se viveram sob o signo de um dia de cada vez. É assim que temos de viver estes tempos. Não sabemos ao certo o que se vai passar. O que vai mudar no futebol e nos outros desportos - todos eles afetados - não fazemos ideia. Como sobreviverão financeiramente os clubes, sobretudo os que já têm dificuldades, é outra incógnita. Teremos férias no Verão? Ou nossos filhos e netos terão escola? As empresas quererão recuperar? Haverá leis especiais? Não sabemos absolutamente nada.

E mesmo assim, perante a avassaladora e justificada presença da pandemia nos noticiários nacionais (e de todo o mundo) houve duas notícias do desporto que romperam essa preocupação e despertaram a atenção: o caso, já aqui referido, de Varandas, e a OPA do Benfica. Sobre esta operação dispenso-me de escrever muito. Apenas o essencial: como quase toda a gente, sempre a achei estranha. A CMVM explicou-me essa estranheza - Vieira e o célebre rei dos frangos poderiam ter feito um belo negócio que, no fundo, seria pago pelo Benfica quando o clube comprasse a SAD com o dinheiro do aluguer do estádio… à SAD. Não são só bancos a fazer este tipo de operações manhosas. E, para ser totalmente honesto, também não é só o Benfica.

Só a brincar

PODEM pensar que estou maluco (e quem não está, por estes dias?) mas gostei de ver alguns jogos de PlayStation com que a Liga, e jogadores de equipas da Liga, representaram o campeonato verdadeiro. Gostei, particularmente do Sporting-Paços de Ferreira, onde Rafael Camacho, pelo meu clube, conseguiu uma igualdade a dois, após estar a perder 0-2 com o pacense João Amaral; e também vi com agrado o SC Braga a dar 3-1 ao Boavista, depois de começar a perder 1-0.

Curiosamente, estes jogos, realizados com grande desportivismo dos representantes de cada clube, funcionam lindamente em televisão (passando a imagem do site da Liga para a TV, ou vendo no canal Sporting o jogo do nosso clube). E, no geral, são melhores do que os jogos verdadeiros, em habilidade, posicionamento, certeza nos passes e espetáculo. Passado pouco tempo (é certo que os jogos duram apenas uns minutos), esquecemo-nos de que é uma simulação, de tal modo imita a realidade.

E assim vamos andando, com sentimentos estranhos, as ruas sem pessoas nem automóveis, a incerteza a dominar as nossas vidas e daqueles que amamos. Algo que põe o futebol em claríssimo segundo plano, ainda que - confesso - me faça uma enorme falta.