É bom que se faça barulho, mas é melhor que se jogue
Quem pensar que no fim do jogo em Famalicão eu estaria menos irritado do que Frederico Varandas ou qualquer sportinguista, engana-se muito. Acontece que tenho ideia de que o presidente do Sporting não deveria mostrar essa irritação. Mais: acho que ele, apesar da razão que tem, não deve discutir se os critérios do Sporting são os mesmos do que os utilizados para o Benfica ou Porto, e fê-lo pela segunda vez. O que o presidente do Sporting Clube de Portugal deve fazer, sendo ele próprio, como o clube, exemplar nesta selva que é o futebol, é exigir regras claras e coerentes. De outra forma, corre o risco de parecer um Calimero a queixar-se da forma como nos tratam.
Ora, meu caro presidente, não somos Calimeros, nem queremos tratamentos de favor, como eventualmente têm outros clubes. Eu sei que a sua ideia é esta, mas deve expressá-la melhor. Nós queremos justiça e formas de julgar equitativas. Em Famalicão com o Sporting, em Alvalade com o Porto, e onde quer que joguemos.
Por isso não devemos agir como se toda a arbitragem fosse um coio de gatunos, ou como se o mundo e o Conselho de Arbitragem estivessem contra nós. Somos superiores a isso, não somos? Por isso, o que fizemos de melhor (não sei de quem a ideia e de quem a execução) foi um pequeno filme que circulou e mostrou - praticamente sem comentários - a incompetência (é a palavra menos grave que me ocorre) de alguém que tem critérios duplos e que acaba a prejudicar grandemente uma equipa. Por exemplo, se toque ligeiro de Coates no guarda-redes chega para invalidar um golo, que o árbitro começa por validar, por que razão um toque (admitamos que tão ligeiro como o de Coates) não tem intensidade para que se marque penálti? Repare-se que o juiz da partida era o mesmo e, das duas vezes, começou por agir de forma que era favorável às pretensões do Sporting - marcou penálti contra o Porto e expulsou Zaidu com um segundo amarelo, por carga contra Pote, e validou o golo de Coates. O VAR, das duas vezes contradisse as decisões do juiz de campo e fê-lo reverter as decisões em matéria que é claramente subjetiva (a intensidade). Duas vezes o desautorizou em duas jogadas-chave. O que pergunto é: os árbitros que desempenharam as funções de VAR (Hélder Malheiro, contra o Porto, e Artur Soares Dias, em Famalicão) acham que Luís Godinho não sabe ver bem, nomeadamente quando a coisa é a favor do Sporting? E Luís Godinho verga-se sempre à interpretação do VAR, assim como a maioria dos comentadores de arbitragem? Mais do que estarem todos mancomunados contra nós, parece-me terem todos conceitos muito discutíveis (e às vezes muito maleáveis) sobre o assunto.
A velha intensidade
A questão da intensidade é uma das mais interessantes. Do meu ponto de vista, mais do que a intensidade, interessaria saber se o contacto com um adversário resulta da normalidade dos movimentos da jogada ou se visam apenas atrapalhar. Zaidu nas costas de Pote não tem nada que pôr as mãos; está atrás dele, apenas visa atrapalhá-lo, com intensidade ou sem ela. Já Coates (pode ser enviesado, admito-o sempre), me parece que toca o guarda-redes famalicense quando ambos vêm a descer do salto que deram na direção da bola. Esta, caprichosamente, bate na moleirinha do uruguaio e entra na baliza. Em boa verdade nem me parece que Coates tenha cabeceado, nem que o guarda-redes tenha sido impedido de apanhar a bola. Foi o que se pode chamar uma sucessão de imprevistos. E, ao contrário da jogada de Zaidu, o contacto (fora da pequena área) é perfeitamente acidental, como o são diversos contactos. Aí sim, a intensidade pode ser um fator a ter em conta porque, mesmo involuntário, o contacto mais intenso pode colocar a integridade física do adversário em risco, ou pode impedi-lo de jogar a bola.
Já, por exemplo, um empurrão a João Mário, em plena área, não foi visto nem pelo árbitro de campo, nem pelo VAR. Extraordinário! Os comentadores deram todos por isso e alguns (Duarte Gomes, por exemplo) acharam que era penálti, mas outros, porventura mais experientes, viram logo que nada havia a assinalar, porque João Mário ia em desequilíbrio. Aprendi assim que um jogador, que vá a desequilibrar-se, pode levar uma coça porque, de qualquer modo, já não conta.
Já que estou em maré de refilar, deixem-me dizer quanto me irrita a frase dos comentadores de arbitragem «aceita-se a decisão». Percebo a prudência, mas eu quero saber o que cada um deles teria feito naquela situação, e não se acham o decisor um excelente chefe de família, ou um tipo porreiro para os copos.
A semana passada escrevi aqui nesta página que já se preocupavam connosco, quando apontavam que a bola de um golo de Pote tinha resvalado do pé para o cotovelo, pelo que era ilegal. Nunca consegui ver esse fenómeno, mas se tanta gente viu, tenho de aceitar (em Fátima muita gente viu o Sol a bailar e eu acredito que tenham visto, não acredito é que o Sol tenha bailado). Adiante; escrevi esta frase e continuei assim: «(…) qualquer pormenor, a tangente que a bola eventualmente fará a um pelo do braço de um jogador do Sporting, servirá para muita discussão. A arbitragem será mais dura ainda, os outros clubes mais agressivos, os outros treinadores mais atentos a erros, falhas e défices da nossa equipa. Enfim, isto de ir à frente tem os seus custos, não só psicológicos, que esses Rúben Amorim e a equipa parecem saber lidar bem com eles, mas em todas as frentes.» Este último sábado já começámos a ver como eles caem sobre o Sporting. E não vai ficar por aqui. Até o velho Conselho de Arbitragem, que demora mais a pronunciar-se sobre qualquer assunto do que uma tartaruga a atravessar um campo de futebol, veio pressurosamente dizer que o golo de Coates, que teria dado a vitória ao Sporting, tinha sido bem anulado, não fosse alguém achar o contrário. E a Associação dos Árbitros decidiu fazer queixa. Ok! Já aqui escrevi que não se deve reagir a quente, mas uma associação que representa árbitros não deve reagir, ponto final. Nem a frio nem a nada.
Vamos todos
No meio de tudo isto, com o nosso azar, a canga da arbitragem sobre nós, e com a sorte dos competidores mais diretos (Benfica e Porto) que só não empataram os seus jogos porque a sorte esteve com eles no último minuto, como connosco o azar, ou melhor o VAR, continuamos isolados à frente do campeonato. É bom, mas traz os dissabores que já referi. Entre eles, o super-ultra-mega-híper-escrutínio dos nossos. Um jogador apanha um amarelo em menos de um fósforo, e dois em menos de nada. Claro que se for um jogador fundamental para a equipa, tem mais possibilidades ainda de o apanhar. Por isso mesmo fiquei muito contente com a reação de Pedro Gonçalves (Pote) ao facto de ter sido expulso. Ele entendeu que, independentemente da justiça do ato, precisa de ter cuidados que outros não têm. E não é só ele, naturalmente, já se viu que Nuno Santos ou Porro, para não falar dos outros oito que estão normalmente em campo, e ainda dos que estão no banco, necessitam do mesmo cuidado. Em especial, o treinador, que apesar de ter centenas de jogos aconteceu-lhe ser expulso apenas duas vezes. Sempre ao serviço do Sporting; e pelo mesmo árbitro.
Como disse Rúben Amorim, para onde vai um, vamos todos. É esse o espírito, seguir em frente sabendo que é difícil manter a calma, mesmo face a injustiças. No fundo, a velha frase dos velhos marinheiros: «Boa cara ao mau tempo.»