E agora, Benfica?
Apetece-me dizer que não estava preparado para ti, quando na verdade nunca quis outro Benfica senão este...
ESTAMOS a pouco mais de dois meses do final da época e, um pouco por todo o lado, encontro ainda ceticismo. É a doença daqueles que foram demasiadas vezes traídos pelas expectativas. A desconfiança apodera-se de nós quando a realidade parece boa demais para ser verdade ou porque nos habituámos a realidades demasiado duras, que se instalaram ao longo de anos, ao ponto de parecerem imutáveis. É por isso que todas as semanas, fruto de um stress pós-traumático assoberbante, acabamos todos a discutir os ausentes da convocatória como se nos faltasse tudo, a debater o Chiquinho como se ele não fosse um dos melhores sempre que joga, a antecipar dificuldades várias que nem os adversários se imaginam capazes de nos causar e a avisar que pode vir aí um resultado negativo em forma de dilúvio, ocorrência que felizmente vai teimando em não chegar.
TODAS as semanas, jogo a jogo, a equipa e o treinador contrariam o pessimismo e a desconfiança do adepto que, no fundo, só quer sentir que gostam tanto dele quanto ele gosta do Benfica. Mas isto é gente que não se tem limitado apenas a contrariar o pessimismo. É como se todos soubessem exatamente o lugar menos bom de onde vimos e para onde todos queremos ir. Poucas vezes me recordo de ver um Benfica que fizesse tanto sentido como este. O amor-próprio do benfiquista agradece o mimo.
DESENGANE-SE quem pensa que a coisa é miopia de benfiquista. Nestas coisas é sempre bom deixarmos o trabalho falar por nós. O resultado é que o mundo inteiro não fala de outra coisa. A cada hora que passa surge mais uma análise tática a este Benfica. A cada combinação entre Grimaldo e Ausrnes, mais um adepto convertido à sensação da época. A comunidade internacional de adeptos tem declarado a sua paixão com todo o entusiasmo dos benfiquistas e nenhum da nossa dúvida. O Benfica sempre foi a equipa favorita dos benfiquistas, mas só muito raramente foi a equipa favorita de meio mundo como é hoje. Se ouço mais um youtuber dizer que o Benfica deve ser visto como um discreto candidato a esta Liga dos Campeões, ainda me convenço de que isso é mesmo verdade.
MAS voltando ao ceticismo: este domingo tinha tudo para confirmar os nossos piores receios. Até os adeptos dos rivais devem ter ficado entusiasmados quando viram que não haveria Rafa. A visita aos Barreiros, tradicional- mente complicada, prometia ser o tal tropeção que viraria a época do avesso. A equipa comeu a relva, garantindo que só parava para festejar o primeiro golo, que parecia tardar em surgir, até não ser mais assim. Falhámos um penálti pelo caminho, mas o fantástico João Mário, que já levava arraiais de pancada no WhatsApp (incluindo meus), precisou de poucos minutos para nos calar a todos bem caladinhos. A assistência que não estava a sair foi parar aos pés de David Neres que já tinha falhado o golo de baliza aberta, mas depressa corrigiu. Tudo isto resulta da qualidade individual destes dois, mas é e tem sido muito mais do que isso. Não há eu nesta equipa. Só há nós. Pode parecer conversa de adepto embevecido e também o é, mas os sinais estão à vista de todos. Do entendimento entre os jogadores à solidariedade demonstrada, passando pelos níveis de concentração ou pela vontade constante de chegar à baliza adversária independentemente de já estarmos a ganhar, há uma monotonia neste frenesim que tem tornado o Benfica insuperável.
Eé assim que o ceticismo vai ruindo a cada jogo que passa, esmagado pela evidência de que não dá para pedir mais a estes jogadores: só que ganhem os próximos quinze jogos. Não estaria a ser fiel ao meu ceticismo se não confessasse que ainda não exclui a possibilidade de uma maldição que nos fará deitar tudo a perder, mas de uma coisa já estou certo nesta altura: não há jogador neste plantel que concorde comigo ou acredite nisso. E não há jogador neste plantel que tenha medo dos adversários. Isto, caro leitor, é um extraordinário acontecimento para a psique coletiva do Benfica.
AQUI chegado, faço tudo para viver o momento e desfrutar, como se diz na gíria. Mas não tem sido fácil. Por um lado penso que já só faltam quinze jogos para terminarmos com êxito uma época que tem tudo para ser inesquecível. Por outro lado, penso que já só faltam quinze jogos para esta época terminar e sermos confrontados com a finitude deste romance, com a possibilidade de a próxima época ser outra história, não sabemos qual, pode tudo voltar a correr menos bem e não gostava nada de me chatear com isto. Temo que ao ceticismo se possa suceder uma outra patologia, o sofrimento por antecipação.
QUANDO esse momento chega, revejo o vídeo que a equipa de redes sociais lançou há uns dias, em que Otamendi e João Mário dão a receita antes da segunda mão contra o Brugge: nós é que assumimos o controlo do jogo, ninguém vem aqui jogar, nós é que tomamos conta do jogo, todos em sentido, dar 120%, não desperdiçar nada, desfrutar da Liga dos Campeões, e cada um tem que dar o seu melhor. É o melhor poema que ouvi esta semana. Foi recitado antes de defrontarmos o Club Brugge, mas podia ter acontecido antes de qualquer outro jogo desta época. Veio do Nico e do João Mário, mas podia ter sido o Florentino, o António Silva, o Chiquinho, o Ausrnes, o João Neves, o Gilberto, ou o Musa. Venha quem vier, jogue quem jogar.
Émais ou menos da sabedoria popular que sozinhos vamos mais depressa mas juntos vamos mais longe. No entanto, penso que ninguém, nem nos seus melhores sonhos esperava uma equipa tão forte e coesa. E agora, Benfica? Até onde podes chegar? Apetece-me dizer que não estava preparado para ti, quando na verdade nunca quis outro Benfica senão este.