Duas transacções de outro mundo
Mudança de Anjo
O SL Benfica acaba de realizar numa única temporada, e com o mesmo jogador, não uma, mas duas transacções do outro mundo. E digo do outro mundo porque, não sendo tais operações plausíveis neste universo da realidade que nos cerca, tendencialmente vivida com racionalidade, só no mundo dos sonhos ou da fantasia poderiam tais coisas ter cabimento. A não ser que o inverso disto fosse devido à intercessão de São Judas Tadeu, de quem se diz ser o padroeiro das causas impossíveis. Mas não parece que tenha sido este o agente responsável pela montagem de tão espectacular obra-prima de engenharia. Facto é que aquilo que poderia parecer impossível se demonstrou realizável. Reporto-me, obviamente, à compra de Raul de Tomas por uns míseros 20 milhões de euros e à sua posterior e recente venda, quatro meses depois, pelo mesmo montante, o qual pode ainda ser acrescido de variantes que elevem o valor em causa até aos €22,5M. Seja como for, trata-se de verbas meramente simbólicas para a cotação de um atleta do qual, de tão bom que é, se pode apostar, sem risco, ser um verdadeiro anjo. Faça-se aqui um parênteses só para alertar que este anjo Tomás nada tem que ver com um outro Tomás, este Santo e não anjo, natural de Aquino, autor de uma célebre obra intitulada Suma Teológica e conhecido como Doutor Angélico ou Anjo das Escolas. Esclarecido isto, importa ainda acreditar que o grande poeta brasileiro Vinicius de Moraes, se por acaso tivesse tido a ventura de presenciar alguns dos incontáveis golos de RD Tomas, sobre ele escreveria este poema:
“O Anjo das Pernas Tortas
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento
Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés - um pé de vento!
Num só transporte, a multidão contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.”
O carrasco, ou a chave da superstição
Jogo esse que, aliás, começou, escandalosamente, seis minutos depois da hora. Mas tenho a mais absoluta certeza que se fosse a contar para a Champions tal não ocorreria.
A partida iniciou-se com apenas dois portugueses de cada lado. Sendo que, de entre estes, apenas um proveio das suas tão gabadas academias (Max, o guardião leonino).
Não consigo pronunciar-me sobre a equipa adversária sem repetir o óbvio: com excepção do Super- Bruno-Fernandes nenhum outro jogador sportinguista teria sequer a hipótese de lutar por um lugar na equipa do Dragão. Quanto a este, é de assinalar a confirmação definitiva de duas teses de há muito aqui perfilhadas: a equipa joga incomparavelmente melhor com Nakajima; e é ainda mais forte quando ao japonês se junta o colombiano Luis Díaz. De resto, já se sabe: não há feitiços no futebol, mas nos desafios com o Sporting, tal como contra o Chaves, o FC Porto entra logo a ganhar, desde que jogue Soares, pois é certo e sabido que este, de uma maneira ou de outra, com o pé ou de cabeça, acabará sempre por marcar pelo menos um golito.
Sobre as descidas dos elevadores
Não é apenas o futebol quem cultiva eufemismos e pleonasmos. Sucede o mesmo na linguagem comum do dia-a-dia. É, portanto, inteiramente apropriado dizer que certas carreiras são sempre no sentido ascendente, mesmo quando sejam feitas a descer, por vezes até mais do que um grau de cada vez. Afinal de contas, também não é impunemente que se chama elevador, ou ascensor àqueles aparelhos que sobem, sim senhor, fazendo jus ao seu nome, mas que também descem, caso em que tal nome não poderia ser mais falso, pois que não há descensores.