Di María, Schmidt e as armadilhas

Di María, Schmidt e as armadilhas

OPINIÃO27.06.202306:40

Os mais distraídos poderão pensar até que Di María foi raptado por Otamendi e obrigado a assinar pelo Benfica

OUVI atentamente uma tese segundo a qual Ángel Di María, sim, o argentino que ainda é objetivamente um dos melhores futebolistas da atualidade, campeão do mundo, um dos melhores na última época da Juventus, possuidor de atributos que fazem dele, mesmo que chegue a coxear, o melhor jogador da liga portuguesa, mas dizia, uma tese segundo a qual o argentino está a descer a montanha rumo ao Estádio da Luz. Registei com alguma perplexidade o comentário pouco feliz. Nessa mesma análise, é também referido que poucos conhecem o jogo como Di María, mas que ainda assim permanece a incógnita sobre como irá lidar com este novo enquadramento. De facto, os 15 anos de futebol europeu, o facto de ter ganho tudo e de ter sido sempre um dos melhores por onde passou não terão preparado este astro para essa arriscada incursão pelo desconhecido que é um contrato de 1 ano para jogar à bola em Portugal. Oremos por ele.
 

OS mais distraídos poderão pensar até que o jogador foi raptado por Otamendi e obrigado a assinar pelo Benfica, que finalmente reviu as suas táticas de negociação para conseguir fechar estes nomes de peso. Esta técnica de coação teria dado muito jeito com Cavani. Desengane-se quem pensa que as duas últimas épocas do Benfica na Europa, os elogios vindos do mundo inteiro, a atratividade do futebol praticado, as ideias do treinador que toda a gente vê dentro de campo, o aumento de notoriedade do clube, a saúde financeira, a ambição de quem o dirige, e o facto de este ter sido o primeiro clube de Di María na Europa, já agora num país a que ele sempre quis voltar, possam ser fatores que levem alguém, num estado lúcido, a tomar a decisão de jogar no Benfica. Impossível. O jogador atirou uma moeda ao ar e terá tido azar.
 

NÃO é a única tese que ganha fãs por estes dias. As redes sociais, sempre pródigas em análises imaginativas, têm sido alimento para a alma. Não me refiro aos fontanários que dizem tudo e o seu contrário entre o nascer e o pôr do sol. Esse quadro clínico terá de ficar para outro dia. Refiro-me a alguns tweets e posts que ameaçam já com a narrativa seguinte, segundo a qual estamos aqui perante uma situação de injustiça em que é impossível competir com a capacidade financeira do Benfica. Se a coisa ganha força, não me admirava que o futuro modelo de centralização de direitos televisivos fosse revisto para obrigar o Benfica a pagar em vez de receber. A justiça será resposta, e a competitividade garantida, quando o Benfica distribuir as suas receitas pelos restantes clubes.
 

Di María, 35 anos, regressa ao Benfica e vai assinar contrato de uma temporada

SITUAÇÕES como as chegadas de Di María ou a de Kokçu produziram alguns fenómenos merecedores de análise nesta silly season. Entre os adeptos que desqualificam a melhor contratação da liga portuguesa nos últimos não sei quantos anos, e os que atiram metaforicamente a toalha ao chão ainda antes de os clubes se apresentarem para a pré-época, há algumas ilações a tirar. A primeira é de que o Benfica está a trabalhar de forma atempada para preparar a próxima época e com isso parece incomodar os adversários. Piadas à parte, é um facto que pouco mais há para acompanhar neste defeso do que o investimento do Benfica na construção de uma equipa superior à anterior. Compreendo que seja entediante. A segunda ilação é de que ninguém deve cair na armadilha tonta de ser declarado vencedor antes sequer de a bola ter rolado. Já aí estivemos e caímos com estrondo. É a única ressaca que o McDrive não cura. É por isso tempo de colocar os pezinhos em solo firme. Daqui a poucos dias será tempo de recomeçar tudo como se fosse a primeira vez, com o entusiasmo furioso de quem quer revalidar o título na liga e, tão ou mais importante, conquistar tudo o que ficou para trás na época anterior, que foi muito e custa um pouco relembrar. O resto já ficou para trás.
 

MAS as armadilhas estão em toda a parte. Ainda hoje tropecei numa estatística seguramente congeminada por um adepto de outro clube. Ao que parece, a segunda e a terceira épocas de Roger Schmidt têm sido melhores do que a primeira. Não vi a notícia com muita atenção, não fosse o entusiasmo levar-me a partilhar aquilo com outros benfiquistas e criar uma cadeia de otimismo excessivo em torno de mão cheia de nada. Mas vi o suficiente para ficar logo alarmado: se a estatística é essa, o que acontece quando a primeira época do treinador em questão contraria a sua carreira e culmina num título nacional que lhe escapou quase sempre nos clubes por onde passou? Quererá isso dizer que a trajetória se inverte nas épocas seguintes? Ou significará antes que isto da estatística é coisa para nos ajudar a sobreviver a esta vaga de calor, e pouco mais? Vou optar pela leitura mais consensual: a segunda e a terceira épocas serão uma excelente oportunidade para levarmos tudo à frente - desde que evitemos as armadilhas.
 

HÁ uma coisa que descansa, no entanto. Pela primeira vez em algum tempo, os benfiquistas sentem que o clube está bem resolvido em matéria de treinador do futebol. Ninguém perde tempo a suspirar por quem já cá esteve, ou a sonhar com os que hão-de vir. É tranquilizador, e especialmente significativo quando pensamos na capacidade que Schmidt mostrou para aumentar o rendimento desportivo de grande parte dos atletas do plantel. Quem sabe se essa capacidade para potenciar o rendimento desportivo, a mesma que lhe garantiu a eleição como Treinador do Ano numa votação de treinadores e capitães da Liga portuguesa, permitirá um dia que o jogador do ano seja também um atleta da equipa que liderou o campeonato da primeira à última jornada. Chamem-me louco, mas acho que um homem pode sonhar.