De volta à realidade, em busca do sonho

OPINIÃO10.01.202305:30

???No Benfica, nem tudo foi bom, mas foi uma boa semana: Enzo voltou do reino dos vendidos e dois adversários diretos na Liga perderam pontos

UMA vitória confortável em vésperas de receber um rival, uma resposta competente à derrota em Braga, e dois adversários diretos a perderem pontos na luta pelo primeiro lugar. Como se isso não bastasse, até o jovem Enzo Fernández voltou do reino dos vendidos e parece agora apostado em dedicar novamente o seu amor ao Benfica, pelo menos até à próxima proposta ou até ao próximo defeso. Nem tudo foi bom, mas foi uma boa semana. 

Não será novidade para ninguém se eu disser que o grande responsável por esta semana essencialmente tranquila foi, mais uma vez, Roger Schmidt. Espero que nenhum dos responsáveis de comunicação do Benfica leve a peito se eu defender que o Benfica tem no seu treinador o maior ativo comunicacional desde há muito. Aliás, não me lembro de ver alguém no Benfica que reunisse este conjunto de competências tão úteis à gestão desportiva e à defesa dos interesses do clube. Há poucos dias ouvia um amigo dizer que não deveria caber a Roger Schmidt o fornecimento das respostas e esclarecimentos necessários em relação a episódios como os da telenovela argentina que nos manteve agarrados aos desportivos durante as últimas semanas.  

Mas foi Roger Schmidt, precisamente, quem, com a serenidade que o caracteriza, explicou tudo o que era preciso saber sobre este caso, conseguindo em poucos minutos aquilo que muita gente não consegue ao longo de anos, mesmo com formação nalgumas das mais exigentes organizações militares do mundo. Ao técnico alemão bastou a antevisão do Benfica-Portimonense para apresentar a explicação detalhada de como se deve desarmar uma bomba, identificando os terroristas responsáveis pelo ataque e, não menos importante, libertar o refém de na- cionalidade argentina que por esta altura já padecia da síndrome de Estocolmo. Parte de mim suspira pelo próximo enredo muito complicado na vida do Benfica, para ver Roger Schmidt desatar-lhe os nós como se fosse fácil. Por outro, temo que tantas exibições de qualidade quer na direção da equipa, quer na comunicação levem um Chelsea qualquer a bater os agora proverbiais 120 milhões, desta vez para levar o treinador. O leitor não viu, mas garanto que bati na madeira três vezes depois de escrever isto. 
 

Roger Schmidt, na gestão do caso Enzo Fernández, confirmou que não é apenas um treinador muito bom. Há muitos anos que o Benfica não tinha ativo comunicacional como este alemão


É muito fácil uma pessoa entusiasmar-se com estes brilharetes de Roger Schmidt, especialmente se logo a seguir o Benfica alargar a vantagem pontual no topo da Liga. É tão fácil que convém, agora, regressar à terra. Assim sendo, vou socorrer-me de factos pa- ra nos acordar a todos de alguns excessos de euforia: o Benfica tem apenas uma vitória nos últimos 4 jogos disputados. Sofreu duas derrotas frente a equipas de maior gabarito e foi eliminado da Taça da Liga por uma excelente equipa, é verdade, mas ainda assim da divisão abaixo. A equipa marcou só dois golos e sofreu cinco, exibindo algumas lacunas defensivas no jogo de Braga que noutras épocas nos teriam atirado ao tapete. Também é verdade que entrou sempre em campo sem alguns jogadores importantes, da mesma forma que não podemos negar que se apresentou com a maioria dos habituais titulares em cada um destes jogos. Em relação aos factos, esta- mos conversados. 

Não confundam isto com qualquer espécie de mau agoiro. Sim, é sempre divertido ver dois rivais perderem pontos quando ainda há dias o seu futebol estonteante era elogiado como se se preparassem para tomar de assalto a liderança do futebol nacional, talvez do futebol europeu. E, sim, não só o futebol deve ser vivido momento a momento como não tenho qualquer autoridade para castrar a felicidade resultante de ver os adeptos dos nossos rivais em sofrimen- to. É salutar que assim seja. Além disso, há mais factos para lá dos últimos 4 jogos, quase todos positivos e entusiasmantes. Só ganhámos um nos últimos quatro jogos, mas só perdemos dois nos últimos trinta e picos. No entanto, porventursa por já ter conhecido algumas vezes o amargo sabor do excesso de bazófia, sinto-me na obrigação de nos devolver à realidade, pelo menos enquanto a realidade não chegar a maio com o resultado que todos os benfiquistas anseiam. 

Ao dia de hoje, nada, mas mesmo absolutamente nada está ganho. A primeira volta da Liga ainda não terminou sequer. A equipa esteve melhor frente ao Portimonense, mas tem tido alguns problemas de finalização e precisa de retomar o ritmo de meses anteriores. Felizmente, parece-me, pouco do que é essencial mudou, apesar do tumulto enorme criado pelo caso com o campeão mundial pela Argentina. Existem reforços a caminho - Aursnes é cada vez mais importante, e Rafa, Neres e Enzo voltarão à equipa no próximo domingo. Chegou, pois, o momento ideal para eliminar quaisquer receios de que a equipa não sobrevivesse ao período pós-Mundial. Logo, está na hora de arrancar de vez e não olhar mais para trás: na liga, na Taça de Portugal, na Liga dos Campeões, seja onde for. 

Esta equipa contém uma enorme promessa alimentada ao longo da primeira metade da época. Há que a cumprir verdadeiramente. Nenhum troféu será ganho se a vitória sorrir no domingo, mas a recuperação da dinâmica de vitória começa ali. Não preciso de explicar o que significaria, nesta fase da temporada, uma nova série de 28 jogos sem perder. É fazer as contas. Que a equipa faça o que lhe compete na Póvoa e seja muito pouco meiga com o próximo adversário na Liga, mostrando, como já fez tantas vezes esta época, que não tem tempo a perder e que a única coisa que importa é devolver o Benfica ao seu destino natural: vencer. Rapazes: de- volvam-nos à realidade! Vão atrás do sonho com a mesma fome dos que puxam por vocês.