Como um desqualificado acaba em campeão

OPINIÃO13.05.202107:00

Mais do que ganhar, o Sporting deu uma lição de humildade, de gestão, de liderança e de desportivismo. Se houve título merecido foi este

OSporting contratou um miúdo que tinha treinado o Casa Pia e, depois, o Braga, mas que não tinha o curso de treinador do nível IV, o que a respetiva Associação Nacional exige para que se possa estar à frente de uma equipa da Liga.
Devo dizer que a Associação tem toda a razão. Eu, por exemplo, se me apegar aos livros e às táticas e, de forma intelectual, compreender tudo o que vem nos manuais, apanhando uns 20 valores no exame final, estou apto para treinar o Manchester City ou o Real Madrid. É certo que não sei muito bem onde hei de colocar cada jogador, que me atrapalho todo a falar com eles; e que eles não me respeitam porque não tenho ideias sobre como delinear um livre. Mas isso são pormenores, tenho o curso.
Já Rúben Amorim, sem o curso completo, mostrou apenas a sua sorte. A estrelinha, que andava por ali. Sim, porque isto tudo, uma época em que à 32.ª jornada não perdeu nenhum jogo e fica Campeão Nacional antes de ir passear a classe ao campo do terceiro classificado, foi sorte. O Sporting teve sorte em todos os jogos. Podia ter tido Covid, ou o desgaste físico de ter de jogar a Champions, mas não! Teve sorte. Cada um é para o que nasce…
Além disso, o Sporting, como se sabe, foi beneficiado pela arbitragem. Talvez aqui esteja a exagerar um pouco. Digamos que foi menos prejudicado que os 12 pontos de que o Porto se queixa, ou dos inúmeros ataques de Covid e da falta de penáltis de que se queixa Jorge Jesus. Aqui no Sporting, meus caros, foi limpinho: nem Covid, salvo quando nem pudemos jogar por excesso de infetados, nem arbitragens manhosas, nem falta de penáltis, nem nada. Foi tudo uma estrelinha, uma enorme estrelinha que pairou toda a época sobre a cabeça dos jogadores, dos treinadores, dos dirigentes do Sporting. E até dos adeptos. A mim a dita estrela não me largava. No essencial foi isto: sorte! Quem não acredita, que veja um por um os 32 jogos do campeonato, sobretudo as 25 vitórias (mas também os sete empates) e vejam a sorte que tivemos e as arbitragens favoráveis.
Acaso no fim do visionamento não tenham reparado em estrelinha nenhuma, apenas em competência, rigor, vontade, esforço, dedicação, devoção e glória, talvez se deva ao facto de ser esta - e não estrelinha nenhuma - a verdade. Talvez Rúben não precise daquela Associação de Treinadores corporativa para nada. Talvez as apostas dos dirigentes e dos treinadores do clube tenham sido comedidas, mas certas.
 

Sporting carimbou o título à 32.ª jornada. E se não há campeões sem sorte, há muitos outros motivos para o leão ter acabado em festa

PÉS NA TERRA

OSporting jogou sempre de forma prática. É certo que teve momentos em que parecia abanar, mas lá aparecia alguém, e muitas vezes foi Coates, outras Adán, ou Palhinha, ou Pedro Gonçalves, ou Jovane, ou outro jogador, ou todos os jogadores, para resolver o assunto.
No dia 11 de fevereiro, ao comentar a deslocação ao Gil Vicente, dois dias antes, escrevi em título: «Ó capitão, meu capitão, o navio resistiu a mais um obstáculo.» A perder desde os 36 minutos, Coates marcou dois golos: aos 83’ e aos 91’. E referia já nesse texto: «Ó capitão, meu capitão, aos que andam por aí a dizer da estrelinha do Sporting não ligues muito, e diz aos teus colegas de balneário para não ligarem. Nunca ouvi falar de campeões sem estrelinha, mas nunca vi uma estrelinha dar a vitória a ninguém. O que a dá, está escrito quando entras no Estádio de Alvalade: Esforço, dedicação, devoção e glória - eis o Sporting.» E recordava o grande Nelson Rodrigues: «Para um time ser campeão não basta ter uma defesa intransponível, um meio de campo genial e um ataque assassino: é preciso ter sorte!» Não digo que não tenhamos tido sorte, mas todas as equipas têm. E vejo que aquilo a que se chama sorte é, na maioria dos casos, determinação. O Sporting esta época quis vencer, porque construiu uma equipa para vencer, com um treinador competente e condições que, embora com muito menos dinheiro, comparado com o dos rivais, foram propícias e bem programadas.
Outro ponto, é que o Sporting tinha uma equipa da formação, misturada com jogadores muito experientes, mas essencialmente formada por portugueses. Contra o Boavista, entraram sete em campo: Gonçalo Inácio, Nuno Mendes, João Mário, João Palhinha, Nuno Santos, Paulinho e Pedro Gonçalves. Só para comparar: o Benfica entrou com um, e o Porto, salvo erro, com três. O que significa isto? Zero de racismo ou nacionalismo, apenas quer dizer que aposto que os nossos sete portugueses custaram menos do que três estrangeiros do Benfica, por exemplo. E que, felizmente, se provou, que apesar da falta de fair-play financeiro que existe e persiste na Liga, não é o dinheiro que ganha campeonatos.
O Sporting soube este ano, ao contrário do anterior (não falo de 2018/2019, que nem começou com esta Direção, mas com a Comissão de Gestão), fazer as coisas bem feitas. Soube arrumar a casa. Soube aproveitar todo o dinheiro gasto. O que pagou por Rúben está mais do que justificado (e mais uma vez assumo que fui dos que o coloquei em causa, mas a Direção tem de compreender que a confiança se vai construindo lentamente e, já agora, que demora muito menos a destruí-la). A época anterior não foi auspiciosa, como aliás a nossa entrada na Liga Europa, que foi um desastre. Porém, desde então tem sido irrepreensível.
 

A FESTA… E O FUTURO

MUITA gente comentou não saber que havia tantos sportinguistas, tendo em conta o mar de gente e  m Lisboa e as aglomerações que, por todo o País e no estrangeiro, tiveram lugar. É verdade, somos muito e resilientes, como se viu. Capazes de aguentar 19 anos; capazes de virar o rumo quando ele vai errado; capazes de muita coisa boa.
Porém, há também os que são capazes de aspetos muito desagradáveis. Ontem não gostei de ver adeptos à pedrada à polícia (por mais razões de revolta que contra ela tivessem). Mas olhando mais de perto, acabam por ser sempre os mesmos, e acabam por fazer os justos pagar pelos pecadores.
Já muita gente lamentou a violência na festa. Junto-me a eles e às palavras do Presidente Marcelo: «Quem deve prevenir, não conseguiu prevenir.» É verdade, e nós como clube, como adeptos, como sportinguistas, temos uma parte dessa responsabilidade, que é também da Câmara de Lisboa e, sobretudo, da PSP.
Quem esperava os milhares e milhares de pessoas? Esse é um dos problemas; o outro, tem de ser visto numa perspetiva nossa. Embora a direção de Frederico Varandas tenha dado passos importantes na regularização das atividades das claques, temos de ter presente que o hooliganismo não pode ter lugar entre nós. Precisa de ser combatido com firmeza. Tanto mais que é comum ouvir-se (e bem pode ser verdade) que um dos trunfos do Sporting esta época, foi precisamente o facto de os estádios estarem vazios. Imagino jogos como o que atrás referi… sobretudo em Alvalade, onde algumas vezes estivemos a perder, ou empatados, até quase ao fim do jogo. Mesmo no encontro que nos deu o título, contra o Boavista, o conjunto de bolas desperdiçadas que pareciam golos feitos não levaria uma parte de alguns adeptos, que sabemos quem são, a manifestar-se de forma a prejudicar o clube e os seus jogadores?
Na próxima época, com recursos ainda limitados, teremos a Champions. É mais uma responsabilidade. E mais um motivo para tratarmos do problema da violência no futebol de forma assertiva e rigorosa.


LUZ

É o verdadeiro jogo fora - em casa do Benfica, já no próximo sábado. Como não me lembro de alguma vez irmos à Luz já como campeões, sem que o resultado interessasse mais do que a honra, espero que continuemos sem perder, sendo que ganhar até seria uma bela forma de comemorar, em campo, o título alcançado na terça-feira.