Bons sinais na pré-época
O Benfica está agora na sua segunda pré-época e, com maior ou menor competência, mantém quase todos os objetivos desportivos intactos
A SSISTIA este fim-de-semana ao jogo entre o RB Leipzig e o Bayern quando o comentador inglês explicou que as equipas revelavam ainda os tiques de quem está em pré-época à procura do seu melhor ritmo. Fez-se luz. Tenho visto muitos jogos de futebol depois do Mundial, mas foi a primeira vez, talvez por distração minha, que ouvi alguém dizer isto com tanta naturalidade. É verdade que a paragem foi mais longa na Alemanha do que em outros países, em especial se considerarmos a singularidade portuguesa, em que não se chegou a interromper todas as competições - e, suspeito, com isso se prejudicou os números de audiência da Taça da Liga. Mas a tal referência à pré-época deu-me algum conforto, como decerto dará a alguns benfiquistas, porque talvez seja mesmo disso que se trata. Também o Benfica está agora na sua segunda pré-época e, com maior ou menor competência, mantém quase todos os objetivos desportivos intactos.
Não foi só por distração que não reparei nisso. Foi também a ansiedade. As dúvidas acerca de como regressaria o Benfica após o Mundial talvez me tenham toldado a visão e impedido de ver que, na verdade, estávamos prestes a iniciar uma segunda pré-época e que isso requeria alguma paciência e serenidade, nem sempre possível quando uma pessoa é habituada pelos jogadores a uma vitória confortável a seguir à outra, repetida dezenas de vezes. É a velha máxima do copo meio cheio ou meio vazio. Vista assim, como uma pré-época que parece estar a terminar, o resto da época parece mais risonho. É como se tudo voltasse aos poucos a fazer sentido.
E talvez seja mesmo isso. A equipa jogou em Ponta Delgada com uma vontade de dominar os acontecimentos que não se tinha visto de forma tão clara em jogos anteriores, marcando cedo nas primeiras ocasiões de que dispôs e nunca abrandando o suficiente para dar ao adversário ocasiões para sonhar. Mas não foi só isso. Houve uma diferença fundamental, essa sim resultante do defeso que ninguém pediu, mas que todos acompanhámos enquanto roíamos as unhas. Voltámos a ter o Enzo Fernández da pressão alta, da visão helicóptero e do passe teleguiado, a ocupar cada recanto do relvado como se procurasse algum objeto perdido. Há que agradecer à direção e aos funcionários do clube que tornaram isto possível e ao Chelsea por não parecer disposto a gastar tanto dinheiro quanto seria necessário e, por ter, aparentemente, alguns dos piores negociadores que vimos nos últimos anos.
A imprensa inglesa, talvez percebendo que o defeso está a chegar ao fim e poucas são as dúvidas que permanecem no seu mercado, fala agora numa suposta nova investida do Chelsea. O Twitter fervilha com novas previsões. Nas últimas horas já soube que o jogador pediu novamente para sair, que afinal continua contrariado e que a exibição em Ponta Delgada terá sido afinal uma demonstração de raiva. Das duas uma: ou os ingleses conseguiram finalmente os 120 milhões de que diziam dispor há umas semanas, ou contrataram negociadores de tal maneira engenhosos que vão levar o jogador sem ninguém dar por isso. Isso ou estamos perante um folhetim feito para entreter a malta, e assim será.
Eu, que por sinal não fui dos que mais se opuseram à venda do jogador, em especial depois de este ter faltado a um treino, acho que se conseguiu recuperar de forma surpreendentemente rápida a confiança no rapaz, que parece agora apostado em terminar aquilo que o trouxe até ao Benfica. Depois de tudo o que se passou nas últimas semanas, depois daquela reconciliação que comoveu o mundo e nos convenceu por breves segundos que um jogador a apontar para o relvado como quem diz que vai ficar aqui não é apenas um jogador a adiar 4 meses a sua saída, depois de tudo o que passámos, diria que merecemos o direito a ver o rapaz jogar à bola de encarnado até final da época. Os ingleses que guardem os 120 milhões num depósito a prazo, para não desvalorizar. Falamos em Junho.
Como se a alegria de ver a espécie-de-meia-equipa personificada por Enzo de volta ao relvado, o final da pré-época ainda nos trouxe mais um reforço, e este é daqueles que alegra para lá dos golos. Perguntem a qualquer benfiquista que tenha vivido intensamente o clube nos últimos anos o que é que ele mais gostava de ver no Benfica e, arrisco dizer, a maioria irá enumerar os jogadores formados no Seixal que abandonaram, um a um, o emblema do seu coração, muitos deles sem terem tido tempo suficiente para cumprirem o desígnio de se tornarem ídolos aqui.
Nem de propósito. Foi justamente Gonçalo Guedes, regressado há menos de uma semana e já a marcar novamente pelo seu clube de sempre, quem há uns anos protagonizou uma fotografia ilustrativa da estranha relação do então presidente do Benfica com o clube a que presidia. Toda a gente se lembra disto. Era Gonçalo Guedes, ladeado por Luís Filipe Vieira e Jorge Mendes, enquanto o presidente do Benfica, e não o jogador, exibia uma camisola do Paris Saint-Germain com o apelido Guedes nas costas. A imagem causa confusão. Não percebemos quem ali é do Benfica para além do Gonçalo, quem é do Paris Saint-Germain (creio que ninguém) e quem só estava ali pelo dinheiro (bom, toda a gente). Não sei se o Gonçalo Guedes vai ficar no Benfica para além deste período de empréstimo e não sei se a aposta nele vai ser tudo aquilo que o plantel precisa. Os primeiros sinais parecem dizer claramente que veio para ajudar. Mas, acima de tudo, é bom ver um presidente do Benfica que não trata os desejos dos adeptos como uma espécie de capricho infantil, mas antes como uma vontade que deve ser cumprida. Quem nos viu e quem nos vê. Bela pré-época esta.