Benfica aposta em ganhar já
Serei romântico, mas continuo a pensar que a desigualdade é sempre cruel e a desigualdade no futebol acabará, mesmo, por vir a ser mortal
OBenfica parece ter decidido fazer um intervalo na sua filosofia de aposta na formação. Digamos que a sua ideia de uma fonte no Seixal a jorrar futuros ficará, esta época, em banho-maria, porque a aposta é ganhar já.
Há uma razão evidente e compreensível. Este é um ano especial para o futebol português, porque apenas o campeão terá acesso direto a uma Liga de Campeões que conhecerá uma nova era milionária, onde apenas entra a elite do futebol europeu. Quando o futebol, apenas para alguns clubes, fica mais rico, devemos ter como certo que o futebol, para a grande maioria, fica mais pobre. E isso é mau. Podem dizer-me que é a inevitabilidade dos novos tempos, que em todos os setores da vida nacional e internacional o mundo é cada vez mais dos poderosos, mas eu continuarei a pensar, de forma ingénua e romântica, que a desigualdade é sempre cruel e a desigualdade no futebol será mortal.
No entanto, não posso condenar todos aqueles que não podendo parar o vento com as mãos, tentam jogar o jogo como lhes é imposto. E, por isso, o Benfica sabe que, depois de ter sido campeão, com o Sporting em exaustivos trabalhos de reconstrução de uma equipa sólida e competente, com o FC Porto a remendar o melhor que pode e sabe as brechas da sua barragem financeira e com o SC Braga ainda em laborioso trabalho de crescimento sustentado, há uma oportunidade única de se distanciar da apagada e vil tristeza da realidade nacional e de se aproximar do clube dos faustosos, dos imponentes, dos inacessíveis.
Para os benfiquistas, obviamente que faz todo o sentido que Rui Costa ponha a formação e o Seixal entre parênteses e que meta todas as fichas numa equipa adulta, experimentada, psicologicamente preparada, capaz de satisfazer as ambições do imediato.
Para o futebol português não deixará de ser uma perspetiva perigosa, porque se o maior clube nacional - peço desculpa da afirmação ser tão perentória, mas é factual - acrescentar mais poder económico e mais poder desportivo, então, teremos aqui um problema sério de equidade competitiva. Como se resolve? Bom, penso que se acontecer o melhor dos cenários para Rui Costa, se torna inevitável que os concorrentes mais diretos do Benfica pensem mais brevemente do que desejariam numa solução de investimento externo, seja ele árabe, chinês, americano ou mongol. Seria, afinal, tornar mais rápido um movimento que mais cedo do que tarde irá triunfar, na linha da confirmação de que o futebol será sempre o espelho da sociedade, refletindo, por isso, as suas virtudes, os seus defeitos e, também, as suas taras.
É, pois, assim que pode fazer sentido o regresso de Di María e a renovação de Otamendi, ambos campeões do mundo pela Argentina, mas, ambos, com 35 anos.
Nesta linha de pensamento, calculo que Rui Costa também tente tudo ao seu alcance para não deixar sair alguns jogadores nucleares, mesmo que perca um bom negócio e também entendo que apesar de não dar um passo na renovação de Rafa, o seu treinador já tenha vindo dizer que, seja qual for o futuro contratual do jogador, vai contar com ele na próxima época, sabendo que Rafa não poderá deixar adulterar uma imagem de qualidade competitiva para ter pretendentes à altura da sua não pequena ambição salarial.
Dito isto, como alguém dizia, nunca vi um saco de dinheiro a marcar golos. Ou seja, o Benfica vai continuar a ter concorrência forte, sobretudo, no FC Porto e terá, portanto, de suar e de sofrer muito, durante toda a época, para conquistar o bicampeonato. Aliás, é nisso que o futebol é diferente: nem sempre o mais forte ganha.
DENTRO DA ÁREA
Há uma nova cadeira de sonho
André Villas-Boas fez uma súbita prova de vida afirmando-se como possível candidato à presidência do FC Porto, mesmo que tenha como concorrente o histórico líder Pinto da Costa. Houve tempo em que André se contentava com a cadeira de sonho de treinador, mas, agora, a sua ambição, aliás legítima, é a cadeira de sonho do poder no império do Dragão. Em tempos, os dois foram fortes aliados, grandes amigos, partilharam importantes conquistas. Agora, serão duros adversários, ou pior, acérrimos inimigos.
FORA DA ÁREA
A amnistia que me dava jeito
O governo quer amnistiar jovens dos 16 aos 30 anos que cometeram infrações ao código de estrada. Muitos constitucionalistas já vieram dizer que se trata de uma lei inconstitucional, porque discriminatória. Porquê, apenas, aquela faixa etária? O governo explicou: porque tem a ver com as jornadas de juventude. É um argumento pífio. A amnistia tem a ver diretamente com a visita do Papa e daí ser muito mais consistente o critério de uma amnistia que abrangesse infratores até aos 86 anos, a idade de Francisco. A mim, dava-me mais jeito.