«Bem-vindo ao inferno»

OPINIÃO24.02.202305:30

Ao iniciar esta relação num dia 14 de fevereiro estava condenado a viver uma história de amor

«BEM-VINDO ao inferno». Foi com estas palavras que, há 28 anos, o então editor João Bonzinho, hoje diretor de A BOLA, me deu as boas vindas no primeiro dia de trabalho.  Ainda pensei ser espirituoso, citando Mark Twain: «Algumas pessoas que me dizem que eu vou para o inferno e elas vão para o céu, de alguma maneira deixam-me feliz por não estarmos a ir para o mesmo lugar». Em boa hora me contive, acredito. O humor é uma estrada estreita, coberta de gelo fino, muito dada a aparatosos acidentes.

Semanas antes tinha imprimido uma resma de currículos e bati a todas as portas. Curiosamente, deixei A BOLA para o fim e só bati à porta por descargo de consciência. Na minha cabeça, não havia hipótese de A Bíblia do Desporto aceitar um candidato a jornalista, sem qualquer experiência. Para surpresa minha, foi A BOLA a aceitar-me… Hoje, não sei se por romantismo, se apenas por pura vaidade de ser olhado como uma raridade, dá-me gozo imaginar que o meu primeiro emprego pode ser simultaneamente o último.  

São 28 anos de muitos sonhos realizados, mas há um que que ficará sempre por cumprir: nunca saberei se Carlos Pinhão iria gostar de mim, ele que, entre tantos outros monstros sagrados de A BOLA e do jornalismo, era o meu favorito.

Anos mais tarde, ao ver-me em stress por causa de um serviço, um jornalista sénior de A BOLA fez-me um aviso, de forma pausada, quase solene: «Jovem, isto é apenas um modo de vida…»

Substituiu as reticências pelo silêncio suspenso para que eu percebesse que a frase ficara a meio. De facto, há frases que provocam maior impacto quando insinuadas em vez de pronunciadas.

Hoje não posso subscrever que «isto é apenas um modo de vida». Não, isto é a minha vida. Isto é quem sou.

Jornalista de A BOLA. Se digo jornalista e acrescento de A BOLA, estas cinco letras não são a resposta à pergunta «onde» mas um acrescento à questão «quem». Por isso, o meu desafio diário não é o que posso dar a A BOLA, mas o que posso ser em A BOLA.

Sou uma relação de 28 anos. Que se iniciou em 1995. Num dia 14 de fevereiro. Desde cedo se tornou claro para mim que quem começa uma relação no Dia dos Namorados está condenado a viver uma história de amor.