As cores

OPINIÃO19.03.202106:00

Os ‘três grandes’ têm o peso que têm. Não podem é ter o peso todo!

QUE continue o futebol português a ser visto a três cores já não é propriamente chocante e muito menos novidade, porque sendo os três principais clubes nacionais, FC Porto, Benfica e Sporting - pela ordem da classificação do último campeonato -, donos de esmagadora maioria dos adeptos, é incontornável o impacto maior, e quase único, de tudo o que lhes diz respeito.
Mas a questão parece-me ganhar um ar mais grave e sério quando em matéria de análise, debate, comentário, avaliação, reconhecimento, destaque, preocupação, justiça e verdade, também pareça que apenas conta o que toca no coração e na alma dos três principais clubes e de mais nenhum, seja do ponto de vista do que fazem ou deixam de fazer as respetivas equipas, do que jogam ou não jogam, do que são capazes ou não são capazes, seja do que alegadamente perdem ou ganham por causa dos erros de arbitragem ou da alegada maior ou menor influência nos chamados processos exteriores ao jogo, muito em particular no que diz respeito à disciplina e justiça do futebol.
Deve, pois, sublinhar-se essa maldita cegueira com que a maioria olha para o futebol português como se apenas fosse importante discutir FC Porto, o Benfica e Sporting, ignorando princípio e necessidade básica de criar cada vez melhores condições para que a Liga portuguesa possa vir a ser mais competitiva, mais equilibrada, financeiramente mais sustentada, seja pela centralização dos direitos televisivos, seja pela redução do número de clubes em competição, seja por regras e regulamentos mais claros, mais transparentes, que não sejam redutores e possam, também, ser mais eficazes, exigentes e mais duros do ponto de vista disciplinar, sem esquecer a organização e os instrumentos que os façam cumprir depressa e bem, e evitem o descrédito, a instabilidade, a polémica e a autêntica e indesejada confusão de processos como os recentes caso Rúben Amorim ou caso Palhinha - que oxalá sirvam, ao menos, para se rever ou alterar definitivamente o que torne tudo isto menos complexo e sobretudo menos sujeito ao vento estar a soprar de norte ou de sul… 
 

BEM mais difícil, em todo o caso, parece-me ser, como sempre, a mudança das mentalidades, e nada será, evidentemente, melhor enquanto continuarmos a ver o futebol basicamente a três cores, como se tudo o resto fosse, ou pouco importante, ou mesmo insignificante para a análise e para o debate.
Gostava, com franqueza, de ver se o lance da inacreditável grande penalidade assinalada sobre o avançado do SC Braga, Ricardo Horta, no jogo com o Famalicão da última segunda-feira, gostava de ver, dizia, se tivesse sido num jogo com um dos três grandes do futebol português. Cairia, certamente, o Carmo, a Trindade e a Torres dos Clérigos.
Sublinho, desta vez, a minha declaração de voto: parece-me ter-se tratado de um erro de arbitragem tão grave como incompreensível me pareceu que o árbitro do VAR não tenha sequer levantado a dúvida de modo a levar o árbitro de campo a ver, no estádio, as imagens no respetivo monitor. Se o tivesse feito, acredito que mudaria de opinião.
Com franqueza, não apenas não consigo entender como é possível que alguém possa ter visto alguma falta de Gustavo Assunção (jogador do Famalicão) sobre Ricardo Horta (jogador do SC Braga), como não consigo entender como foi o árbitro do VAR capaz de concluir estar o árbitro em campo absolutamente certo da sua decisão, isto tendo em conta que foi o árbitro, no campo, que assinalou a grande penalidade.
Bem sei que talvez não pudesse o árbitro do VAR reverter a decisão do árbitro do campo, eventualmente por considerar não ser clara e óbvia a ausência de falta (creio que é clara e óbvia a ausência de falta, mas pelos vistos não o foi para o árbitro do VAR, e, pelo protocolo, não sendo clara e óbvia a inexistência de falta, o árbitro do VAR deixa de poder dar ao árbitro de campo indicação de erro).
Mas todo o desenho do lance aconselhava, no mínimo, que o VAR levantasse a dúvida ao árbitro de campo. E não foi isso que sucedeu. No campo, o árbitro assinalou penálti, e no VAR, o árbitro concordou. Erro grave de um e de outro. Muito grave, aliás!
Se podemos admitir como falta para grande penalidade o ligeiro e quase impercetível toque de um jogador noutro, um leve raspão, o contacto de um fino cabelo ou um suave empurrão com a pontinha de um dedo, então o futebol tem, como o centenário jogo que conhecemos, os dias contados.
Já se marcam grandes penalidades porque os jogadores, simplesmente têm braços - e não por tentarem tirar proveito do uso dos braços… - e, como a partir de agora se pode perceber, já só falta passarmos a ver grandes penalidades assinaladas porque um jogador soprou, dentro da área, sobre o adversário. Não é esse, evidentemente, o futebol que queremos, e julgo que todos queremos um futebol com VAR e mais verdade.
A questão é: com que árbitros e com que VAR? Se é para ter VAR e o VAR não ser um auxílio, então mais vale apagar a luz. E fechar a porta!
 

FUI dos que considerei a equipa do Atlético de Madrid a ideal para o desenvolvimento de João Félix. Jogador especial e diferenciado, como julgo ser consensualmente reconhecido, João Félix tem muito do que precisa qualquer candidato a grande jogador internacional, do ponto de vista do talento e da técnica, a velocidade de pensamento e de execução, e aqueles toques extra que costumam designar-se por classe na forma como liga o jogo e como define as jogadas, e na inteligência dos movimentos em campo.
Ao deixar o Benfica logo após época e meia de evidente ascensão, pareceu-me que João Félix precisaria, por um lado, de encaixar numa equipa que jogasse no modelo de 4x4x2 - e esse era o lado mais óbvio da questão - e com um treinador que compreendesse que só potenciaria o esplendor do jovem Félix se lhe desse liberdade no apoio próximo do ponta de lança, um pouco como Bruno Lage fez, na Luz, quer jogando com ele no apoio direto a Haris Seferovic (que se tornou, com Félix, no melhor marcador da Liga portuguesa), quer, ainda, com Jonas, e esse treinador, para ajudar Félix, parecia-me que poderia ser Diego Simeone, e acreditei que Simeone seria capaz de pôr de lado alguma da sua visão ortodoxa do jogo (mais operário do que virtuoso, mais preocupado do que arriscado) e ver em João Félix realmente o jogador especial e diferenciado que ele é!
Já se percebeu, porém, ao fim de todo este mais do que suficiente tempo, que Simeone não abdicará do rigor do seu estilo e da sua opção, e não o fará por João Félix nem por nenhum outro jogador, e por isso é escusado esperarmos que Félix tenha no Atlético de Madrid o esplendor que todos prevemos ser capaz de ter pela qualidade com que joga, pela simplicidade dos movimentos, dos toques, das aberturas, das desmarcações, dos passes feitos com os pés mas que parecem ser feitos com as mãos, tal a destreza, o domínio e a precisão que chega a atingir.
Ainda esta semana, na véspera do Chelsea-Atlético de Madrid da Liga dos Campeões, foi o próprio defesa internacional alemão dos londrinos, Antonio Rudiger, a salientar o nome do jovem internacional português.
 «O João Félix é um grande jovem talento e e uma grande promessa. É um jogador diferente, que adoro ver. A técnica dele... Tem algo de especial», disse Rudiger, que parece, curiosamente, ter passado, também, algumas passas do Algarve com o anterior treinador do Chelsea, a antiga estrela Frank Lampard, e volta agora a consolidar um lugar na equipa com a chegada do treinador alemão Thomas Tuchel.
Quando se leem coisas como «Manchester City pensa em João Félix», parecem ganhar ainda mais sentido as análises que dão o jovem João como um jogador para outros voos e para outro tipo de equipa que não este dogmático Atl. Madrid, ainda o mais forte candidato a campeão da Liga espanhola desta época, mas quase sempre incapaz de mostrar um jogo de encantar ou um futebol de admirar.
Claro que João Félix tem vindo, nesta época e meia de Madrid, provavelmente a ganhar muitas outras qualidades no seu crescimento como jogador, e um dia que possa (e oxalá possa) trocar o Atlético de Simeone, porventura, até pelo Atlético de um outro mais arrojado, ousado, intuitivo e estimulante treinador, ou, no limite, por outra equipa, mais próximo do estilo de equipa e de jogo  que têm Barcelona, Manchester City ou mesmo Liverpool, para citar exemplos de algumas das equipas que mais encantam no futebol europeu, João Félix concluirá, certamente, estar nessa altura muito mais jogador, no conjunto de todas as qualificações que um grande jogador deve ter, do que, ainda assim, era quando chegou às mãos de Simeone.
O que já é difícil de acreditar é que consigam ser Simeone e este Atlético de Madrid o melhor quadro para vermos o melhor bailado de João Félix.
Não, não se trata do dinheiro que custou; trata-se do talento que que ele, claramente, tem. Que é muito!