As boas e más notícias

OPINIÃO22.04.202107:00

Devemos a Jurgen Klopp, Pep Guardiola ou James Milner a queda da Superliga. Infelizmente, mais a eles do que aos adeptos

FALEMOS das boas notícias. Não da queda da Superliga per si mas dos motivos  que levaram à  desistência dos clubes ingleses: a força dos adeptos e, ainda mais importante, o papel dos intervenientes, ou seja, treinadores e jogadores. Que fique para memória futura os nomes de Jurgen Klopp, James Milner, Jordan Henderson, Pep Guardiola e, num plano mais abaixo, Kevin de Bruyne ou Bruno Fernandes: treinadores e jogadores que se mostraram contra a decisão dos seus patrões em nome de um bem comum. A pátria que inventou o futebol como é hoje conhecido tinha de ser aquela que evitaria a sua implosão. Foi nas ruas contíguas aos estádios ingleses que assistimos a manifestações de contestação. Não o vimos nas ruas de Espanha ou de Itália. Foi numa flash interview da Premier League que um dos capitães do Liverpool, James Milner, depois de empatar com o Leeds, falou abertamente contra a Superliga. Não o fez numa resposta vaga, fê-lo de modo veemente, não se refugiou na cassete do «estou aqui é para jogar» nem se ouviu  do assessor do Liverpool a exigir «perguntas sobre o jogo, se faz favor», perante a insistência (obrigatória) sobre o tema por parte do repórter de serviço. Teremos, todos, de agradecer a esta gente que vive o futebol dentro dos relvados porque caso tivessem sido evasivos ou defensivos como Zinedine Zidane e Andrea Pirlo (e já agora como teria sido interessante ter ouvido as posições de Cristiano Ronaldo ou Lionel Messi, por exemplo...), provavelmente os donos dos big six não teriam sido tão rápidos a sair de cena. As manifestações lembram-nos que o futebol nasceu na terra batida e devolve-nos a ideia romântica de um desporto para o povo, mas a realidade mostra-nos que quem dirige os clubes vê os adeptos como simples consumidores e não participantes. E o mal não é dos clubes-empresa. Veja-se os casos de Real Madrid e Barcelona: continuam  representantes do velho modelo do associativismo, mas aos sócios nunca foi perguntada qualquer opinião.

FALEMOS agora das más notícias. Podem Florentino Pérez e Andrea Agnelli ter uma visão egoísta, megalómana ou simplesmente serem empresários a querer fazer evoluir um negócio (com toda a legitimidade) mas alguns dos argumentos apresentados pelo presidente do Real Madrid são válidos. Apontou Florentino Pérez o dedo à opacidade da UEFA e aí tem razão: a organização que veio defender maior igualdade deste desporto é aquela que tem permitido ao PSG fazer batota com o dinheiro do Catar, que não é mais do que doping financeiro - e como é curioso ver a posição dos parisienses na defesa da integridade das competições.
Outro dos pontos apontados pelo criador dos galácticos é a falta de interesse dos jogos de futebol entre os adeptos mais jovens (os adultos de amanhã). É uma situação preocupante, sem dúvida, quer nas provas europeias quer nas nacionais. Podia a UEFA aproveitar a onda e criar, a par das respetivas federações nacionais, mecanismos de solidariedade para as equipas nacionais que não participam nas provas europeias (uma percentagem dos ganhos da nova e ainda mais rica Champions) para mitigar as desigualdades e nivelar por cima todos os campeonatos, aumentando a qualidade; ao mesmo tempo, deveriam a UEFA e FIFA, em nome das tais gerações que são o nosso futuro, revolucionar a sua forma de comunicar, colocando os adeptos (e, porque não dizê-lo, os consumidores) muito mais dentro do jogo. Como fazê-lo é a pergunta do milhão de euros, mas é garantido que os jovens de hoje não gostam de ser intervenientes passivos do que quer que seja.
Aliar tudo isto e juntar ainda mais transparência às organizações e mais dinamismo ao jogo (cronometrá-lo, por exemplo) é um caminho que não deve ser descurado. Se há algo que a Superliga teve de positivo foi a necessidade de obrigar a refletir sobre o estado da arte. Esta iniciativa foi um delírio (pensado há muito tempo) mas seria hipócrita admitir que tudo está bem. Podem a UEFA e a FIFA cantar vitória agora, mas o alerta ficou: se a batota (dentro ou fora dos relvados) se mantiver, uma nova Superliga estará aí pronta para lutar contra os monopólios.