Arteta está a chegar
O novo já nasceu e chama-se Arteta. O seu único problema é que o velho continua a renovar-se e chama-se Guardiola
Ofutebol evoluiu à velocidade de Pep Guardiola. Muitas das coisas que hoje são comuns, foram contribuições extraordinárias da fábrica de Pep. Como a obra teve grandes equipas da Europa como veículos (Barça, Bayern, City), a sua influência infiltrou-se por todo os cantos. Inclusivamente, quem faz o contrário do que ele propõe cita-o como se se tratasse do diabo. Uns e outros transformam-no na unidade de medida do futebol atual.
Se há treinadores que, desde lugares remotos, respondem a essa influência, o que não ocorrerá àqueles que beberam da sua fonte. Tudo para chegar a Mikel Arteta, que se formou ao seu lado. Partindo de Pep está a conseguir fazer do Arsenal uma equipa de autor. Se não tivesse visto o apaixonante City-Arsenal desta semana, teria definido o Arsenal como um City entusiasmado. Mas na quarta-feira o City igualou-lhe o entusiasmo e, só numa exibição, passou-lhe por cima. Isso não tira mérito a este Arsenal, em que se vê o treinador no método que estrutura a equipa e na frescura e na velocidade das suas ações dinâmicas. O Arsenal leva toda a temporada a tentar ganhar de uma maneira fanática, como se cada minuto fosse o último e, além disso, como se estivesse a perder. Os jogadores são jovens de dois tipos: os que querem prosperar porque são ambiciosos e os que querem vingar-se de uma experiência anterior que não foi plena. Por apetite ou por vingança, todos correm como esfomeados; por qualidade, todos são precisos em velocidade; porque o treinador é bom, todos estão convencidos.
«Partindo de Pep Guardiola, Arteta está a conseguir fazer do Arsenal uma equipa de autor», considera Jorge Valdano
Conta-se que Arteta esteve quase a ser destituído pelo menos em duas ocasiões quando os resultados eram dececionantes. Que grande novidade. Mas havia um plano, o plano requeria tempo e os dirigentes souberam entendê-lo. Dani Ceballos deu-me a pauta ao contar-me esta incrível história. No começo do ciclo de Arteta e a meio de um treino muito regrado, Ceballos tentou uma jogada que saltava um nível previsto do jogo. E fê-lo bem. Mas Mikel parou o treino e advertiu-o que ainda não era tempo disso. «A esse nível chegaremos mais à frente», disse-lhe. É por essa razão que Ceballos é o menos surpreendido por este salto competitivo que deu o Arsenal. Claramente já chegou ao nível superior. Parece-me incrível esse respeito ao plano, essa paciência para ir queimando etapas num âmbito onde os maus resultados queimam, em primeiro lugar, o treinador.
Será que quando acontecem coisas extraordinárias há, por trás, uma cabeça extraordinária? Estamos perante um treinador moderno. Moderno é uma palavra que nunca gostei de utilizar, mas o certo é que o futebol tornou-se mais complexo. A tecnologia disparou a evolução tática e os jogadores treinam-se à procura de certezas. Já ninguém vai para o campo ver o que acontece. Fazê-lo com gente jovem tem o benefício de favorecer a adaptação. São mais obedientes, têm a cabeça mais limpa e uma ambição maior. Aos jogadores de mais idade, antes de incutires-lhes uma nova ideia, há que ajudá-los a desaprender o que trazem de outras experiências.
Arteta faz parte de uma nova geração de treinadores que gostam que o jogo seja como eles pensaram que seria. Mas o apelo de seu futebol tem a ver com sua precisão técnica e ambição ofensiva. O Arsenal não especula, joga. Se Arteta for o próximo elo de Guardiola, o futuro do futebol pode estar tranquilo. O novo já nasceu e chama-se Arteta. O seu único problema é que o velho continua a renovar-se e chama-se Guardiola.