Amorim é um génio? Ou eu sou relativamente parvo?

OPINIÃO05.03.202001:00

Ainda há oito dias, na última crónica que escrevi para A BOLA, estava sinceramente confiante de que ultrapassaríamos os turcos do Basaksehir e, depois, ganharíamos ao Famalicão. A realidade encarregou-se de desmentir o meu otimismo militante e, talvez, a minha ingenuidade latente. Perdemos ambos os jogos, perdemos a eliminatória, estamos a quatro pontos do Braga e voltámos à crise habitual.
Nos dois jogos, 1-4 após prolongamento, com os turcos, e 1-3 em Famalicão, a equipa jogou mal. Mas quero chamar a atenção para este ponto: não jogou mal porque tem jogadores péssimos que não podem dar mais. Se é certo que o plantel do Sporting não é fabuloso, nem sequer notável, e que apostas como Jesé e Bolasie ou foram desastrosas ou qualquer outra coisa que nem me atrevo a dizer, manda a verdade afirmar que temos jogadores cujo nível fica muito acima do Basaksehir e do Famalicão.
O que se passou foram dois jogos bem piores do que apenas mal jogados: foram dois jogos em que, ao contrário dos dois anteriores contra os mesmos turcos, em casa, e contra o Boavista, também em Alvalade, a equipa não teve a mínima vontade de vencer. Faltou aquilo a que se chama raça, determinação, superação. Porquê? Confesso aos leitores, mormente aos sportinguistas, que não faço a mínima ideia. Só me ocorreu que a todos aqueles jogadores o Sporting deve qualquer coisa: ou dinheiro, ou atenção, ou carinho, ou tudo junto.
As duas equipas que desde a última quinta-feira tivemos pela frente não são, de facto, melhores do que o Sporting. Não escrevo isto por clubite, mas com uma objetividade semelhante à de todos os comentadores, independentemente das suas preferências. O que se passa - ou, pelo menos se passa vezes de mais - é que a equipa de futebol sénior do Sporting não tem alma, nem chama, nem vontade, nem determinação - e menos ainda esforço e devoção. Parecem uma espécie de autómatos com pouca bateria. É terrível de se ver. É penoso! Fica abaixo de qualquer expectativa. Como é possível que uma equipa que tem a eliminatória na mão nos descontos, depois dos 90 minutos regulamentares, deixe um avançado (Visca) rematar sem oposição? Como é possível aos oito minutos em Famalicão estar a perder 2-0? Nomeadamente, sofrer o segundo golo, que resulta do desinteresse geral da defesa perante um ataque da equipa contrária? A culpa é da equipa? É do treinador? É de quem?

Hay gobierno?

Uma grande personagem criada pelo escritor brasileiro Érico Veríssimo, autor de O Tempo e o Vento nos anos 50 do século passado, foi o capitão Rodrigo. Este, chegado a uma terra, dizia a frase: «Buenas e me espalho; nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho». O capitão Rodrigo Cambará referia-se ao modo como empunharia a espada; com a lâmina para os grandes, e de prancha, ou com o lado da espada, para os pequenos. Logo depois perguntava, com aquele idioma próprio da fronteira do Brasil com o Paraguai: «Hay Gobierno», caso respondessem que sim, ele retorquia: «Então, estou contra!»
Tudo isto me vem à lembrança, não devido a estar contra um governo concreto, mas pela pergunta: «Hay gobierno?» Porque ela é pertinente no Sporting. O clube tem governo? Tem rumo? Sabe o que quer?
Não sei!
A contratação de Rúben Amorim é, para mim, uma das peças que consubstanciam a pergunta. Alguém pensou 10 minutos na coisa? Foi impulso? Foi negócio? Foi a pensar nos superiores interesses do Sporting?
Qualquer resposta me pode convencer. Ou porque Rúben é um génio e, sem contar com o trabalho de quem esteve antes dele, pôs o Braga a ganhar tudo (menos contra o Rangers) e fará o mesmo no Sporting (sendo que no nosso caso o Rangers nem interessa); ou beneficiou do que vinha de trás, e nesse caso tem muito para fazer da equipa do Sporting, que continuará como até aqui (a menos que ele seja o tal génio). Se for esta a hipótese, pouco ganha o Sporting e Rúben perde a aura com que chega.
A outra hipótese, que de forma alguma descarto, é a de eu ser relativamente parvo e não estar a perceber nada do que se passa, muito menos o brilhantismo que é um clube em fanicos financeiros dar milhões por um treinador que nem se levantar do banco pode porque, tal como Silas, não tem aquela habilitação meia idiota que se dá a treinadores desconhecidos, mas se nega aos que vingam na difícil selva do futebol.
Sinceramente, nunca vi em Silas um grande achado. Nem em Keizer, nem em nenhum treinador que ultimamente tenha passado pelo Sporting. Na viradeira, tempo em que D. Maria I afastou o Marquês de Pombal do poder, dizia-se «mal por mal, antes o Pombal». Acho que no Sporting com a mesma propriedade se podia dizer «rasteiro por rasteiro, antes o Peseiro». Mas ele foi posto a andar e, depois disso, apesar das duas Taças do ano passado, o Sporting nunca mais voltou a estar perto do Benfica e do Porto… e agora ainda temos de contar com o Braga.
E a direção do SCP, por mérito que tenha em muitos aspetos (não me canso de lembrar a questão das claques), tem de perceber uma coisa simples: não pode ser um espelho de Bruno de Carvalho, caso contrário fica muito parecida. Tal como o presidente expulso não pode nem sequer sonhar que o descontentamento generalizado dos sportinguistas lhe dá razão (porque não dá), assim Varandas não pode pensar que quem o contesta está a alinhar com Bruno (porque não está).

Profissionalismo e clubismo

Há muita gente a apontar o facto de Rúben Amorim ser benfiquista de gema e, por isso, não servir para o Sporting. Ora eu continuo a querer que o Sporting ganhe jogos, coisa que para um adepto como eu (como para a grande maioria dos adeptos, creio) é mais importante do que os bastidores do futebol. O facto de o treinador ser do Benfica não me impressiona se ele for, de facto, o indicado para este momento do clube. Jorge Jesus, grande sportinguista, fez brilharetes no Benfica que nunca fez no Sporting. E, agora, no Flamengo ainda faz mais. Se Rúben é um profissional é isso que conta. E mais nada! O facto de ser do Benfica desde pequenino não interferirá na sua competência como treinador. A menos que não preste como profissional; e aí estamos perante outra conversa.
Como já entenderam, não culpo qualquer arbitragem pelos maus resultados do Sporting, mas isso não me impede de ficar revoltado com dois penáltis a favor do Sporting, contra o Famalicão, perdoados por uma arbitragem que todos os especialistas (a começar pelo nosso Duarte Gomes) consideraram fraca. Não foi por isso que o Sporting perdeu, mas é obrigatório para quem pretende uma transparência absoluta no futebol, não só no jogo jogado, como nos bastidores, denunciar as falhas, os erros, as vigarices - caso existam. E sabe-se que existem.
O Sporting, através da sua direção atual acabou de dar um passo enorme - sendo que estava à beira do abismo, espero que não tenha sido dado nessa direção. Mas que truques faltarão para que ainda possamos ter esperança? Não nesta época, perdida de todo, mas num futuro qualquer? Em 2018 tivemos um momento de esperança, seria muito mau se o perdêssemos completamente. E o meu medo é que para lá caminhemos.