Agora é que é! O futebol de volta (assim que puder ser)

OPINIÃO30.04.202003:00

Como é óbvio os clubes querem voltar à competição, os adeptos querem ver futebol, nem que seja na TV… mas nem tudo é tão simples como desejamos
A reunião entre o primeiro-ministro, o ministro da Economia, ministro da Educação, os secretários de Estado do Desporto e da Saúde, os líderes da Federação e da Liga e, ainda, os presidentes dos três maiores clubes, foi extraordinária a vários títulos. Para começar eram 11, como numa equipa de futebol, em que o Governo fornece cinco jogadores, a FPF 2 e a Liga, o Porto, o Benfica e o Sporting um cada. A formação inesquecível alinhava, pois, com Costa, Siza, Tiago Brandão, Rebelo, Sales, Fernando Gomes, Tiago Craveiro, Pedro Proença, e com o imbatível trio de ataque formado por Pinto da Costa, Vieira e Varandas.


Nada terá ficado ao acaso. Costa tem a maior experiência em apanhar bolas difíceis; Siza e Sales parecem dois laterais com competência, sendo que Siza, pela altura, também é bom nas transições; Brandão é discreto, dá-se pouco por ele, mas Costa não o dispensa como central de confiança; e Rebelo é magnífico a cortar para o lado. No meio campo, Gomes, Craveiro e Proença fazem o que podem para ligar o setor defensivo ao ofensivo e à frente sabemos que Pinto é venenoso, Vieira um sabichão cheio de truques e Varandas, o mais jovem, muito impulsivo. Enfim, temos equipa!


Para quê? Eis o mais complexo… porque não se sabe muito bem a que desporto concreto se dedicam estes 11 homens. Ou melhor, sabemos que seis deles são homens do futebol… e o ministro da Educação tem ar de dar uns toques. Mais difícil é escrever sobre o que falaram, ali em tão alta cimeira, que não falemos nós, simples soldados da causa futebolística, em qualquer chamada telefónica, porque nem conversas de café pode haver neste momento. E o que nós todos dizemos, sem exceção, corresponde inteiramente ao que ali nas altas esferas ficou decidido:


- É preciso retomar o mais rápido possível o futebol, mas tem de ser feito com inteira segurança para todos os seus protagonistas, razão pela qual a última palavra será sempre dos técnicos de saúde, nomeadamente da Direção-Geral da Saúde. E já se viu como o futebol ainda é tão machista… afinal a senhora que mais decidirá nem sequer foi à reunião, que só tinha homens…


Como a Dr.ª Graça Freitas não tem ar de aceitar lugares de destaque nas tribunas dos estádios (que, aliás, não vão ter público), nem camisolas do Ronaldo ou do João Félix, nem sequer autógrafos do Sr. Pinto da Costa, o mais certo é que seja insubornável e tenhamos mesmo de esperar pela sua douta palavra. E até lá que fazemos? Nada, salvo talvez contribuir para o esperado stress pós-traumático.


Hoje se verá


Há esperanças de que hoje, após a reunião do Conselho de Ministros, e após os ministros terem ouvidos todos os técnicos e mais alguns, terem analisado todas as curvas, mesmo as contraditórias, saiam diretivas para se saber em que condições e quando pode o futebol retomar. Haverá boas notícias? Talvez, mas devo recordar que mesmo as melhores notícias que hoje poderão existir, seriam consideradas péssimas há dois meses. Senão vejamos:

Há a hipótese de o futebol voltar, depois de quase três meses de interrupção, mas sem espectadores. E o público, já se sabe, é a alma do jogo. Já foi inventada uma aplicação que permite a quem está a ver televisão interferir com o jogo, como se estivesse no estádio. A geringonça (desculpem o termo não estar aplicado à política) tem a vantagem de permitir aos restantes telespetadores terem a ilusão de que há gente a gritar pela equipa, a gritar golo e fazer aqueles uuuuuhs quando é a rasar. Mas os jogadores não ouvirão.


Depois, parece que o mais certo é os jogos serem todos em poucos estádios. Ou seja, ninguém joga no seu estádio (de qualquer modo, penso que ao contrário do que se passará com os ginásios, não será obrigatório irem equipados de casa). Basta o facto de o campo ser neutro para desvirtuar as regras básicas do futebol. Depois, há que ver o que se passa na Liga 2. Também continua? E se não continua, o que acontecerá ao Nacional e ao Farense (e mesmo ao Feirense que ainda teria hipóteses)? Sobem à Liga, mesmo sem mais jogos? Ou não sobem? Mas se não sobem, o Aves e o Portimonense, que parecem razoavelmente condenados, não descem? A Liga passa a ter 20 equipas (o que seria um pesadelo maior ainda)?


Há também a hipótese de se jogar uma fase final. Nesse caso teriam de ser sete equipas (até ao Famalicão, 37 pontos, igual ao Guimarães e menos um do que o Rio Ave, todos com hipóteses de apanhar o Sporting e o Braga). Ou se for daí para baixo é para todos os que tiverem 30 pontos, que são o 8.º, o 9.º e o 10.º (Moreirense, Gil Vicente e Santa Clara). Nesse caso, o Boavista, apenas com menos um (29) ficaria prejudicado. Mas se entrar o Boavista, o Setúbal tem menos um do que os axadrezados… e já vamos em 12. Enfim, não é fácil!


E o campeão?


Apesar do exercício que aqui fiz a semana passada, demonstrando que matematicamente e com muito suspense envolvido, o Sporting podia ainda ser campeão, não perdi de todo a lucidez. E presumo que todos sabem que das 18 equipas da Liga, apenas Benfica e Porto podem aspirar a ser campeões este ano. Têm ambos jogos difíceis, desde logo na última jornada um Benfica-Sporting e um Braga-Porto, jogos de molde a definir o primeiro e segundo, mas também o terceiro e quarto. Isto é igual a decidir o mais importante em termos financeiros (e damos sempre de barato que outubro não traz outra onda de pandemia, como muitos temem): a entrada direta na Liga dos Campeões e, noutro plano, na Liga Europa. Depois dessa jornada emotiva, deveria haver ainda a Final da Taça de Portugal entre Benfica e Porto. Por muito que a opinião da FPF possa ser a de ter terminado a época, o certo é que não faria sentido por um único jogo (e havendo condições para jogar os do campeonato) ficarmos sem vencedor da Taça. Mais uma vez, não vejo condições para que tal jogo possa ser com público, pelo que terá mais características de enterro para quem perder do que de grande festa do futebol (sobretudo se for o mesmo que ficar em segundo no campeonato).


Há que acrescentar ainda, infelizmente (digo eu sem grande convicção, mas bastante desportivismo), que nem o vencedor da Taça nem o da Liga terão a festa, o entusiasmo e até a legitimidade dos vencedores de épocas normais.


Vistos todos os ângulos, é melhor isto do que nada. Aliás, já anseio pelo recomeço do futebol alemão para tentar ver um jogo de jeito. Já que o francês e o holandês não vão até ao fim e ainda nos falta saber o destino do inglês, italiano e espanhol (sobre este último, num editorial, o El País recomendava todas as cautelas do mundo, inclusive citando jogadores que não querem que a competição recomece), fiquemo-nos com a luta entre o Bayern, Dortmund, Leipzig e Mönchengladbach como compensação. Mais logo saberemos o que se vai passar por cá.