Adoro entrelinhas e blocos

OPINIÃO13.02.202305:30

Tim Sherwood diz que Porro é «tão mau que é inaceitável». Pagam-lhe à estupidez ou o treinador inglês é mesmo parvo?

ADORO ouvir ex-jogadores a comentar futebol. Adoro, sobretudo, aqueles que comentam dizendo, por exemplo, que «o árbitro nunca jogou à bola, porque se tivesse jogado não tomaria aquela decisão». Como se soubessem que o árbitro A, B ou C nunca jogou futebol. Como se fosse preciso ter sido jogador para se interpretar bem uma falta, uma volumetria ou um ataque prometedor. Ou se, para analisar um jogo, fosse necessário tirar (primeiro) um curso de física quântica em Harvard, seguido de dois ou três anos a ler o que escreveu Stephen Hawking para apurar noções de cosmologia, relatividade e racionalismo e aprender umas pitadinhas de latim. Só assim, depois de anos e anos de afincado estudo, alguém estaria apto para interpretar um 4x4x3, uma basculação ou um fora de jogo de posição.

OUTRA frase interessante vinda de alguns ex-jogadores é esta, quando estão reunidos mais de um a comentar: «Nós, que jogámos futebol, sabemos bem o que se faz, como se faz e por que se faz». É uma ideia. Por vezes, deixaram de jogar há várias décadas, mas, mesmo assim, falam como se só um ex-jogador pudesse comentar, com exatidão e inteligência, um mero jogo de futebol. Já ouvi grandíssimos ex-jogadores que, a comentar, eram e são banalíssimos. Tal como conheço grandes árbitros que a jogar à bola são igualmente banalíssimos. Claro que nem todos. Há ex-jogadores que percebem de futebol e sabem comunicar. Para bem comentar um jogo são necessárias apenas duas qualidades: perceber de futebol e saber comunicar. Simples, não é? 

DUAS características que, como facilmente se percebe, nem todos os ex-jogadores têm. Querem exemplo? Aqui vai: Eusébio percebia muito de futebol, mas não era mestre a comunicar às massas. E há quem seja mestre a comunicar e nada perceba de futebol. Outro exemplo? OK: Marcelo Rebelo de Sousa. Craque dos craques? José Mourinho. Percebe muito de futebol (metam muito nisto) e comunica de forma fantástica (metam fantástica nisto), embora nem sempre concordemos com ele. Ou Guardiola. Ou Gary Lineker. Ou Klopp. Talvez seja mesmo Lineker o melhor exemplo de ter sido jogador (aliás, grande) e comunicar como Maradona tocava numa bola. Mas nunca o ouvi dizer que o referee A, B ou C poderia ser melhor, «if he had played football». Por isso, fiquei pasmado com a afirmação do (ex?) treinador Tim Sherwood sobre o jogo de estreia de Pedro Porro: «Ele é tão mau que é inacreditável. O posicionamento é inaceitável». Sherwood  avaliou os primeiros 90 minutos de Porro no Tottenham quase como quem diz: «Well, Peter probably never have played football, because if he had...». Não faz sentido. Este é o caso mais habitual de um ex-jogador que pouco perceberá de futebol e de comunicação. Há imensos assim. 

AGORA, caro leitor, vou tirar um curso de física quântica em Harvard, seguido de dois ou três anos a ler o que Stephen Hawking escreveu sobre cosmologia, relatividade, racionalismo e latim, para entender como é que o Sporting de Amorim, mesmo jogando muitas vezes bem e quase sempre melhor do que o adversário, está a 15 pontos do Benfica, a  10 do FC Porto, a 8 do SC Braga e com o V. Guimarães apenas cinco atrás. Se mesmo assim não entender, vou tentar arranjar o número de telefone de Tim Sherwood e perguntar-lhe a razão. Se não conseguir o número, falo com um ex-jogador. Nada como isso para percebermos o que nos escapa relativamente a momentos ofensivos e defensivos, transições, profundidade, blocos, temporização e, sobretudo, entrelinhas. Adoro entrelinhas.