A semana de muitas e diversas estranhezas

OPINIÃO12.03.202003:00

A primeira estranheza, totalmente justificada, é termos os jogos à porta fechada no próximo fim de semana. A ideia de que mais vale prevenir do que remediar nunca foi tão própria e, embora remédios seja coisa que não há para o Covid-19, sabe-se que uma das formas de expandir a pandemia disseminando a doença é a existência de aglomerações. Estiveram bem o Governo e as autoridades do futebol, por muito que custe aos adeptos e às SAD.

A evolução do coronavírus é, aliás, uma das grandes incógnitas que temos pela frente. Como vai desenvolver-se a pandemia? Permitirá os Jogos Olímpicos? E o Europeu de Futebol? O fim dos campeonatos? Num instante tudo muda, e por muitos projetos, inúmeras previsões e diversos planos que os homens façam surge, de vez em quando, algo totalmente imprevisto que os deita fora. Se, em Itália, já se pensa numa fase final diferente para a primeira divisão daquele país, não podemos prever como será em Espanha, em França e em Portugal. O que fazer se uma equipa inteira ficar infetada (sabendo-se da rapidez e facilidade de contágio desta estirpe)? Ou se forem os árbitros? O que têm os regulamentos previstos? Penso que nada. Nunca havíamos sido postos perante um acontecimento destes. E, como ontem José Manuel Delgado escreveu, face à ameaça, o espaço mediático que ocupa o nosso desporto não passa de ridículas e pequenas Guerras do Alecrim e da Manjerona, título da sátira escrita em 1737 por António José da Silva, por alcunha O Judeu, por ser essa a sua origem. Não só são ridículas, como também destrutivas. Mas, como devemos ver sempre algo de positivo mesmo nos males que nos acontecem, espero que se espalhe essa consciência de que somos seres vulneráveis, que um pequeno nada, invisível mas insidioso como é este vírus, pode bem com os nossos planos e previsões, regulamentos, discussões, birras e demagogias.

Segunda coisa estranha

O facto de o Ministério Público chegar à conclusão de que não há provas para que o demitido e expulso presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, possa ser considerado autor moral do assalto é, obviamente, uma posição legítima. Extrapolar essa posição legítima para um regresso imediato do ex-presidente aos comandos de Alvalade, é uma demagogia intensa.

Vamos por partes. Na altura em que foi demitido numa AG legalmente convocada e constituída para o efeito, nunca da acusação constou que Bruno de Carvalho fosse autor moral de Alcochete (no sentido jurídico da expressão). Claro que houve e há sócios que pensam ter sido ele moralmente responsável pelo ataque, ao fazer as publicações no Facebook que fez e ao reagir como reagiu. Mas isso é diferente de ser o instigador. Acresce que quando foi suspenso em nenhum item se aduziu que tal sanção estivesse relacionada com os acontecimentos de Alcochete. Na verdade, os dirigentes do Sporting que sobravam (a grande maioria dos órgãos sociais tinha-se demitido), foram acusados essencialmente de obstaculizar a AG de 23 de junho, legalmente convocada para a destituição do que restava do Conselho Diretivo; usurpação de funções; criação de órgãos não previstos estatutariamente e uso indevido dos meios do clube. Estas acusações, todas aceites em AG determinaram a suspensão. A expulsão levou em conta estas ações, bem como as tidas nas vésperas, durante a AG e posteriormente à AG. Não houve, nem teria de haver, uma vez que corria na Justiça um processo, qualquer ligação entre a decisão soberana do Sporting, tomada por 71% dos votos, e as decisões soberanas do tribunal. Esta é a verdade, escrita aqui por quem organizou parte destes processos. Confundir os dois processos, como numa recente entrevista Inácio fez, é não entender nada do que se passou.

Para Bruno de Carvalho voltar a dirigente do Sporting precisa de uma AG que o reintegre por dois terços dos votos (art.º 30, alínea c dos Estatutos) e de esperar cinco anos ininterruptos como sócio para se poder candidatar (art.º 20, n.º3).

Esta é a lei, boa ou má. Mas para a mudar são precisos 75% dos votos (art.º 67, n.º1). E tudo o que se disser diferente não passa de fantasia e imaginação que apenas serve para desestabilizar.

Este difícil caminho foi o escolhido pelo próprio pretendente, pois foi sob o seu impulso que as últimas alterações aos Estatutos foram aprovadas, a 17 de fevereiro de 2018.

Terceira coisa estranha

Não me lembro de um jogo tão estranho como o de estreia de Rúben Amorim no Sporting. Não que o treinador tivesse alguma culpa. Acredito que ele tenha dado o melhor, mas ninguém podia prever que, ao fim de 20 minutos estivesse a jogar contra nove, organizados como uma muralha defensiva, o que aliás se compreende da parte do Desportivo das Aves.

Mas a estranheza começou logo pelos adeptos do costume a pedir a demissão de Varandas. Caros sócios, aqueles que podem estar bem-intencionados, a melhor forma de aguentar Varandas, acreditem, é juntarem-se a uns fanáticos das claques para exigir a sua demissão. Depois, quando Maria José Valério, recuperada de uma doença, surgiu no estádio, foi profusamente assobiada pelos do costume (ou mesmo mais) por dizer que apoiava o Presidente. Ora, nem apoiar o presidente é crime, nem uma senhora com a idade, o estatuto e o sportinguismo de Maria José Valério merece tal coisa. Seguem-se assobios ao guarda-redes Max quando ele teve uma falha que podia comprometer o Sporting e que o avançado do Aves só por manifesto mau jeito falhou o golo. Aqui o ponto é estarmos permanentemente a jogar fora quando jogamos em Alvalade. Se os jogos à porta fechada continuarem (como tudo indica) vai ser um descanso para o presidente e a direção. E para os jogadores, que obviamente se ressentem deste ambiente.

Sobre o jogo, devo dizer que gostei da reação do novo treinador. Assumiu que o Sporting jogou mal e chamou a si as culpas, mesmo após ganhar 2-0. Muito bem! Também a promoção de três jovens (Diogo Almeida, guarda-redes, e Chico Lamba e Gonçalo Inácio, defesas centrais) para treinarem com a equipa principal me pareceu um excelente princípio. Veremos em Guimarães, onde o facto de não haver aquela aguerrida e, por vezes, mal comportada claque vimaranense joga um pouco a nosso favor.