Opinião de Diogo Luís A paz podre no Benfica
'Mercado de valores' é o espaço de opinião semanal de Diogo Luís
Num clube de futebol, os resultados desportivos podem camuflar muita coisa ou podem acentuar a depressão. Os recentes episódios ocorridos no Benfica demonstram a falta de compromisso, lealdade e união entre os diferentes setores do clube.
Resumo do mandato
Rui Costa utiliza muitas vezes a seguinte frase: «Podemos falhar nos jogadores mas não nos critérios.» Esta frase serve, na perfeição, para analisar o atual mandato do presidente encarnado. Quando Rui Costa assumiu o Benfica, o que é que todos esperavam? Os sócios pensaram que o ex-jogador teria a capacidade de criar uma dinâmica diferente, através de uma maior transparência, com o foco no rendimento desportivo e não no negócio, fortalecendo a ética e os valores de sempre do Benfica, retirando vícios e maus comportamentos que vinham de trás e fazendo um corte com o passado. Foi por isso que 84 por cento dos sócios votaram em Rui Costa. Passados três anos e três meses a realidade é bem diferente da perspetivada.
O Benfica não só não ficou mais transparente, como apresenta contas que se não estão descontroladas para lá caminham. Desportivamente, as decisões não têm rumo ou lógica. Vendem-se milhões, gastam-se milhões, aumentam-se os custos, não se tem rendimento e perdem-se recursos. A dívida líquida duplicou em apenas cinco anos! No lado empresarial, tudo continua como quando Rui Costa entrou, ou melhor, tudo continua igual, mas para pior. Não há fiscalização nem controlo interno. Os fornecimentos e serviços externos continuam a cavalgar a onda, sem grandes explicações.
O universo Benfica é composto por 12 empresas que se ligam entre si e que fazem com que seja muito complexo analisar as contas de uma forma séria e ágil. A cultura organizacional continua a degradar-se a olhos vistos. A comprovar tudo isto estão as saídas de várias pessoas de diferentes áreas, como elementos do scouting, Pedro Mil Homens no Seixal, ou o ex diretor jurídico Gustavo Silva.
Mais uma saída
Depois da inexplicável demorada tomada de decisão da saída de Miguel Moreira e Domingos Soares de Oliveira, Rui Costa escolheu, finalmente, o seu conselho de administração. Luís Mendes e Lourenço Pereira Coelho eram os homens certos. Passados apenas alguns meses demitiram-se. De seguida, Jaime Antunes assumiu a pasta financeira, por alguns meses, até à entrada, em janeiro, de Nuno Catarino. Há dois dias percebemos que Jaime Antunes também bateu com a porta. Isto depois de Fernando Seara se ter demitido em plena Assembleia Geral!
Será que todos saíram porque não concordam com o rumo que o Benfica está a seguir? Será que tentaram implementar mudanças e não tiveram a força necessária? Será que não querem ficar ligados a algo que se poderá vir a descobrir? Será que, por exemplo, Jaime Antunes pretende ser candidato a presidente e pense mais em si do que na estabilidade do clube? Será que cada um pensa mais em si próprio do que no compromisso que deveria ter com a instituição? Ou será que não acreditam no seu líder?
Parafraseando Rui Costa e analisando a evolução do Benfica, o que me parece é que na parte empresarial Rui Costa falhou nas escolhas (estrutura à sua volta) e também falhou nos critérios (expetativas criadas).
A cultura do eu, eu e eu
Uma das estratégias de Pinto da Costa no FC Porto era conotar como antiportistas quem o criticasse, a si e à sua gestão. No Benfica está a passar-se o mesmo: quem critica não é do clube. Isto é uma forma de tentar manipular os adeptos. A crítica tem o condão de colocar em causa, de fazer pensar e de obrigar a melhorar. A crítica não permite que os líderes se acomodem aos cargos. Mais interessante ainda foi a forma como, no final do jogo com a Juventus, Rui Costa referiu que existem muitas pessoas que querem tirar proveito de situações que se passam no Benfica.
As perguntas que se impõem são: quem é que cria ruído no Benfica? Quem é que permitiu que 20 adeptos entrassem na garagem para tentar falar com jogadores e treinadores? Neste caso Rui Costa disse que o parque é público. Se assim é, por que é que os jornalistas tiveram de ficar fora do parque de estacionamento? Quem é que falou com 20 adeptos e pôs em causa a direção e os jogadores? Quem é que saiu da tribuna enfurecido quando o Casa Pia marcou o terceiro golo? Qual a imagem que Rui Costa quis passar aos adeptos quando abandonou a tribuna em Rio Maior? Quem é que ficou na primeira fila a ouvir o seu treinador a tentar justificar-se de um áudio que saiu para a praça pública, sem se colocar ao seu lado? Quem é que, passados apenas três dias, tirou proveito da vitória em Turim para dizer que a união demonstrada dentro do campo veio provar que estava tudo bem?
De todo este «embaraço», como lhe chamou Rui Costa, que se viveu no universo benfiquista eu tiro duas conclusões. A primeira é que se fala do Benfica porque o clube encarnado dá tiros nos próprios pés e dá motivos para que isso aconteça. A segunda, é que dentro do Benfica a cultura do eu prevalece sobre o nós. O comportamento de Rui Costa na tribuna do Casa Pia, na conferência de imprensa de explicação do áudio e no fim do jogo com a Juventus demonstra, claramente, que o seu objetivo foi o de pensar numa forma de se proteger a si e não aos seus, sendo esta uma forma de estar transversal a toda a organização Benfica.
Bruno Lage
No áudio que foi tornado público, Bruno Lage disse muitas coisas que os adeptos gostaram de ouvir. Concordo apenas no ponto em que refere que pode vir outro e outro e outro que vai tudo continuar na mesma. Não concordo com Lage quando este diz que foi falar com adeptos para defender a equipa. Ninguém defende a equipa quando rasga os seus jogadores (quando disse por exemplo: «Não sabem dar três toques seguidos.») ou quando critica a sua administração (quando disse: «Tenho de pôr jogadores que custaram 20 milhões para não desvalorizarem.»).
Então, por que motivo o treinador encarnado fez isto e porque é que no final do jogo de Turim voltou a ser artificial na forma como se aproximou dos adeptos do Benfica? Parece-me que a resposta é óbvia: Bruno Lage está a perceber as semelhanças entre o que lhe aconteceu há quatro anos e agora. Se há quatro anos não deu luta, desta vez está a ser diferente. O que ele está a tentar ganhar é o apoio dos adeptos, de forma a que a decisão de um possível despedimento seja mais difícil de tomar. Adicionalmente, ao criticar jogadores e direção no áudio, está a colocá-los a todos no mesmo patamar, o que significa que este comportamento poderá fazer com que, em caso de resultados negativos, não seja só o treinador a estar em causa, mas sim a administração e os jogadores.
A valorizar: Seleção Nacional de andebol
Orgulho pelo percurso, pela paixão, pela qualidade, pela união e pela crença demonstradas até hoje no Mundial de andebol. Fizeram-nos sonhar e ainda podemos alcançar o terceiro lugar. Fantástico!