A escolha mais inteligente de Messi
O Barcelona prometia a Messi glória com risco e a Arábia Saudita dinheiro sem glória
DAS SUSPEITAS...
Épreciso ter muita classe e muita coragem para vestir a camisola número 9 de Real Madrid durante 14 anos com alma de 10. Esse desajuste contribuiu para uma desconfiança sobre Benzema que pairou no Bernabéu durante muito tempo. Alguns rejeitaram-no, outros não se entregaram a ele. Ao mestre da pausa, da imaginação e da técnica sedosa pediam ferocidade. Pediam, enfim, que não fosse Benzema. Mas Karim decifrou o futebol como um sábio decifra um manuscrito e a bola, que não é louca, sempre o procurou. Era o complemento de que Cristiano precisava, ao qual, com os seus movimentos e associações, oferecia os golos que não marcava. Uma sociedade muito produtiva, mas com um ator tão principal que era impossível não sentir-se secundário. Florentino sempre o admirou e protegeu, mas se Karim sobreviveu à pressão foi porque lhe sobrou personalidade.
... A JOGADOR ACLAMADO
Asaída de Cristiano ajudou-o a sentir-se com mais autoridade. E assumiu novas obrigações que foram um desafio para o seu talento. Passou de irmão mais novo a pai dos seus jovens companheiros. De ter de defender o seu jogo com palavras a ser defendido pelos números. Jogou e goleou. Jogou e fez jogar. Os críticos deduziram que era outro jogador. Não senhor, era o mesmo craque de sempre num contexto diferente e em plena maturidade. Acabou descontrolado, levantando a Champions dos milagres e recebendo uma indiscutível Bola de Ouro que premiou as suas conquistas, mas também a lealdade a um talento singular nem sempre compreendido. Esta semana disse-nos adeus com a calma de sempre, enquanto a história do Real Madrid lhe deu as boas-vindas pela porta grande.
PARTE O MELHOR ASENSIO
T AMBÉM parte Marco Asensio sem corresponder, dizem, às altíssimas expectativas. Acredito que o sistema não lhe deu abrigo e que não lhe deram tempo. Um jogador requintado, potente, harmonioso na condução de bola, preciso no passe e com um disparo certeiro e mortal. Uma espécie de timidez no seu jogo agravou-se com uma grave lesão no joelho. A falta de decisão para mostrar todo o seu potencial provocou um preconceito. E o preconceito não deixou ver que, esta temporada, o seu jogo mudou. Deixou de ser o jogador que recebia a bola, a soltava, sempre bem, e se desinteressava. Ligou-se ao jogo de uma forma mais colaborativa. Passando e acompanhando, passando e procurando o espaço vazio, passando e procurando posição para os seus remates letais. Fiquei com a sensação de que o clube semeou e, quando o fruto estava maduro (entrou na plenitude da sua carreira), esqueceu-se de o colher.
Messi, que celebra 36 anos no próximo dia 24, anunciou que vai jogar no Inter Miami, Estados Unidos
MESSI, O FUTEBOL, A VIDA
TAMBÉM Messi, que na imaginação do barcelonismo estava de volta, se afasta da Catalunha, de Espanha, da Europa. Na verdade, fechou o quiosque no Catar levantando uma Taça de campeão do mundo cinematográfica. Com alguns meses de atraso, deixou o grande futebol com todo o direito que lhe dão os 36 anos que se aproximam e uma trajetória impecável. O Barça prometia-lhe glória com risco e a Arábia Saudita dinheiro sem glória. A MLS é a escolha mais inteligente. Vão estender-lhe a passadeira vermelha porque só a presença dele fará disparar a popularidade da Liga. Desfrutará de um futebol exigente, mas compatível com a vida. Vão colocar o próximo Mundial no jardim da casa de Messi, o que ajudará a reforçar o sonho de jogá-lo. E permitirá que todos se despeçam do seu talento pouco a pouco sem que a camisola (não conheço alguém que odeie o Inter Miami) interfira. Parte Messi e, aquele que festeja, nada percebe de futebol. Nem da vida.