A construção vai muito bem; veremos os alicerces

OPINIÃO22.10.202004:00

Cinco dias depois do Sporting-FC Porto volto ao tema para elogiar a equipa do Sporting e o seu treinador. Na verdade, não penso que tenhamos feito uma exibição com grande nota artística e técnica, menos ainda uma partida, como se costuma dizer, de encher o olho. Nada disso. Quem vir um jogo do campeonato inglês, ou alemão, ou mesmo francês, pode até ser levado a crer que se tratava de duas equipas banais. A exigência que colocamos no nosso futebol caseiro é cada vez menor; sobre esse aspeto, já  amanhã podemos discutir o que cada equipa portuguesa - FC Porto, Benfica e SC Braga - conseguiu, no panorama europeu.
Quanto ao jogo em si, penso que olhando o lado do Sporting se viu uma determinação que era rara em quase toda a época anterior. Pedro Gonçalves, Palhinha, Nuno Santos entraram bem; Porro, Nuno Mendes e Matheus Nunes fizeram um bom jogo; Vietto e Sporar deram o empate, depois de terem entrado aos 56’ e aos 77’ respetivamente e, na verdade, só Luís Neto destoou num festival de passes falhados, não tendo eu percebido por que motivo ficou de braço no ar depois de não conseguir intercetar a bola que Corona havia de aproveitar para o segundo golo do FC Porto. Sobre Jovane há que ter uma palavra: manifestamente aquele não é o seu lugar. A prova é que Sporar, mal o ocupou, deu uma objetividade ao ataque que lhe faltara até então. Foi aliás de um toque de calcanhar inesperado que resultou a defesa por instinto de Marchesín e a recarga de Vietto que colocou o jogo em 2-2. Jovane é um bom jogador, mas ou precisa de mais tempo para se adaptar ao lugar, ou - o que me parece mais provável - precisa de jogar numa ala. Claro que isso coloca problemas em relação a dois magníficos jogadores (que foram dos melhores), Nuno Santos e Pedro Gonçalves, mas esse problema é de Amorim e não meu, porque não sei resolvê-lo.
Ainda que o Sporting opte por vender Sporar, penso que ele pode fazer mais falta do que se tem julgado, e que é melhor do que tem demonstrado. Mas confio no treinador para essas avaliações. A equipa é modesta (custa metade do que a do FC Porto) mas tem sido trabalhadora e determinada. Está em construção, é um work in progress, como se começou a dizer recentemente, no mundo da gestão.

A intensidade

Aestafada questão do penálti, ou não penálti, de Zaidu sobre Pedro Gonçalves, a fechar a primeira parte do jogo, é um interessante debate sobre Direito e sobre Física. Porque em causa estão duas coisas: em primeiro lugar, se uma decisão que legalmente não deve ser tomada pode conduzir à descoberta da verdade (a parte do Direito); em segundo, qual a relação entre o fluxo de energia no tempo (intensidade) e a queda de um corpo.

Quanto à primeira questão, argumento que se o VAR não pode intervir numa decisão subjetiva, como aquela é - uma vez que a intensidade é decidida pelo árbitro em campo e por mais ninguém -, mesmo intervindo não pode repor a verdade, uma vez que a prova é obtida de forma não regulamentar. Ou seja, o penálti devia manter-se.

Na segunda questão, argumento ser impossível a um ser humano, mesmo que árbitro, mesmo que justo, aquilatar se a intensidade ou fluxo de energia num determinado tempo é suficiente para fazer deslocar um corpo até à queda. É preciso saber a potência da mão, ou agente que aplicou a potência, sobre o corpo; a estabilidade e resistência do corpo, e a área em que essa potência foi aplicada. Se a área for costas, joelho e pé (como algumas imagens fazem crer) é diferente de a área ser um pelo do braço (como outras levam a acreditar). Por isso, neste particular afirmo o seguinte: qualquer contacto que não tenha por objetivo jogar a bola (como ficou claro na jogada de Zaidu) não deve depender da intensidade, mas de outro aspeto subjetivo: a intenção. Ora, que intenção tem um jogador ao colocar a mão, o fio da mão, um dedo, o que seja, nas costas de um adversário que está à sua frente? Afagá-lo? Mostrar ternura? Talvez… mas mesmo nesses casos deve ser penálti.

E o VAR, sim, deve intervir em todos os casos, mesmo nos subjetivos, porque a subjetividade pode ser alterada perante algo mais concreto, como a objetividade. Indispensável para a análise destes lances, em meu entender, é o VAR pedir para o árbitro rever as imagens, como aconteceu em Alvalade. E isso sim poderá levar o árbitro de campo a mudar de opinião. De resto, é uma história mal contada do princípio ao fim.

Face a isto, andou bem Varandas em dizer o que disse no final do jogo? Não me parece e, com o devido respeito ao presidente do clube, diria que o presidente do Sporting Clube de Portugal não trata de assuntos destes em público. De minimis non curat praetor, diziam os latinos da Roma antiga. Ou seja, o pretor não trata de minudências. Há porta-vozes, delegados, chefes de departamento, o que seja, para dizer essas coisas. O presidente apenas pode demonstrar o seu descontentamento quando tem dados objetivos. Ou seja, não é para agradar à maralha, mas para fazer pedagogia. Arranjem quatro ou cinco penáltis semelhantes marcados a favor dos rivais (e existem de certeza) e deixem o presidente brilhar e mostrá-los para que todos descubram as diferenças. Dito assim, sem mais, arriscou-se à piada do presidente do FC Porto, que o manda de volta para a medicina. Algo a que é fácil responder a Pinto da Costa, que não deve ter lugar decente nenhum para onde ir, o que explica os seus 38 anos e 65 dias de presidência (marca que ultrapassa a de Salazar, que foi presidente do Conselho um pouco mais de 36 anos, ou a de Alberto João Jardim, que esteve no Governo da Madeira 37).

Ronaldo e o ministro

Tem continuado a troca de palavras entre Ronaldo e o ministro do Desporto italiano Vincenzo Spadafora. Embora o nome do ministro soe algo bélico, e sem saber qual a razão que pode ter, uma vez que não se refere ao regresso do capitão português a Itália, mas sim à sua saída quando, alegadamente, os jogadores da Juventus aguardavam notícias sobre testes, Spadafora pode ter razão em algo que é muito mais grave e prejudicial do que a multa a que Ronaldo, caso se prove que não cumpriu os regulamentos, está sujeito: disse ele que pelo evoluir dos números de contágios em Itália e na Europa, o mais certo é o campeonato não acabar.
Ontem, no conjunto da Europa, tinha-se atingido a marca de 927 mil (quase um milhão) no espaço de uma semana. Recorde-se que nos EUA se anda agora pela marca de meio milhão por semana e na Índia nos 750 mil. Isto para falar nos dois países mais afetados, o primeiro com menor população (330 milhões) e o segundo com bastante mais (1,3 mil milhões), face aos 440 milhões da União Europeia. De qualquer modo, a situação agrava-se e os indicadores que vinham progressivamente a ser positivos (o Santa Clara-Sporting neste sábado tem previstos mil adeptos no estádio), podem a qualquer momento inverter-se. E face a isso é preciso que haja um regulamento claro. Já aqui o escrevi, numa época mais otimista, mas parece-me agora totalmente realista que assim seja. Se for necessário interromper a I Liga, o que sucede? É como se não tivesse existido? Retoma-se mais tarde? Fica a contar a classificação no momento? São questões que têm de estar consensualizadas e decididas antes da eventualidade de tal ocorrer.