A aprendizagem de Roger Schmidt
É cada vez mais difícil adjetivar o espetáculo de cada vez que o FC Porto joga e Sérgio Conceição ou Luís Gonçalves não estão suspensos
Àmedida que se aproxima o final do campeonato e o desejado regresso do Benfica aos títulos, verifico com agrado que aquele futebol do Benfica cheio de fúria e intenção está de volta para os últimos jogos. Não vou mentir. Numa altura em que a equipa parecia presa por pontas, dei por mim a desejar apenas que treinador e jogadores soubessem somar os pontos necessários para chegar ao título, mesmo que o brilhantismo ou a vertigem do futebol se tivessem evaporado. Se esta reta final é feita de finais, então pedia-se o espírito adequado a tal. Mais do que deslumbrar, vencer.
É bom constatar que o treinador do Benfica tinha outras ideias e as soube pôr em prática, mostrando duas coisas fundamentais: por um lado, que a sua ideia de jogo e a afamada teimosia não são inflexíveis; por outro, que é possível afinal ir ao banco de suplentes buscar opções com impacto positivo no jogo da equipa. É certo que as mudanças no onze não foram muitas, mas os seus efeitos foram tremendos. Um par de semanas bastou para vermos que, da mesma forma que o Benfica tem reaprendido algumas coisas com Roger Schmidt, o alemão também tem aprendido algo com a realidade de um clube maior que Portugal, como ele hoje bem sabe, a quem se pede nada mais nada menos que vença tudo, ou que dê tudo para lá chegar. É mais um pequeno capítulo na história de um treinador que continua a mostrar os ingredientes para fazer história no Benfica.
«Roger Schmidt continua a mostrar os ingredientes para fazer história no Benfica», defende Vasco Mendonça
O CLUBE DA MINHA VIDA
«TEMOS de pensar no que é importante e, na realidade, o importante é ganhar o campeonato».
É assim mesmo. Parece uma coisa que o miúdo João Neves diria com a maior convicção depois de quase duas horas a correr atrás da bola como se a sua vida e a de milhões dependessem disso. Mas não. Foi mesmo o Grimaldo quem disse isto. Os anos passam e já ninguém se deixa levar por juras de amor eterno nem por juras de amor nenhum, excepção feita aos que nasceram Benfica e se fizeram pelo caminho. Mas ainda custa um bocadinho ser traído, mesmo que com a mais absoluta normalidade. Grimaldo passou sete épocas no clube ou, como o próprio diz, passou aqui toda a sua carreira, «os bons e os maus momentos». Se alguém pedir aos benfiquistas que exercitem a memória, todos se lembrarão de alguns desses bons momentos. Felizmente foram muitos e mostraram um jogador muitas vezes fundamental, não apenas nas qualidades individuais mas também na capacidade de elevar o rendimento dos colegas. Vencemos mais vezes por causa do Grimaldo.
O problema são os maus momentos, recordados por muitos benfiquistas mesmo que não lhes peçam para exercitar a memória. Por muito intelecto que se cultive na análise do jogo ou no próprio entendimento do adepto, isto é uma coisa que vive muitíssimo mais do coração do que da razão. Grimaldo até pode estar a ter melhor época da sua carreira e ter sido decisivo para o ressurgimento do Benfica ao melhor nível, mas parece ter-se esquecido daquilo que já deveria saber há sete épocas: o Benfica é muito maior do que qualquer jogador, por muito bom que este seja, e é nisso que os adeptos pensam todos os dias quando acordam. A primeira coisa que fazem é ver as capas dos desportivos, consultar as redes sociais, e espreitar os grupos de WhatsApp onde o benfiquismo nunca dorme.
Que Grimaldo tenha escolhido uma dessas manhãs, exatamente na segunda-feira de uma semana em que o Benfica pode fechar as contas do campeonato e voltar aos títulos quase quatro anos depois, chega a ser chocante, por muito que alguns maus momentos do jogador ao longo dos anos pudessem prenunciar um comportamento menos digno. Dizia assim o futuro jogador do Leverkusen, no dia 9 de maio: «Dizer se fico ou não é tão importante como o Benfica ser campeão.» Não sei o que mudou em sete dias para tamanha insensatez e falta de respeito, mas sei que, sete épocas depois, o Grimaldo não parece ter chegado a perceber o Benfica. É espantoso e um bocadinho triste, porque não são muitos os jogadores que passam sete anos das suas vidas connosco. Numa época em que soma 52 jogos, 15 assistências e sete golos, este jogador que tinha tudo para permanecer no coração dos adeptos escolheu ser esquecido ou lembrado pelos motivos errados. Não sei se é imaturidade, se é um feitio menos recomendável, ou simplesmente burrice, Grimaldo. Há coisas que não consigo mesmo perceber.
Compreendo o pragmatismo e a preocupação de quem defende que o jogador deve ser utilizado nos dois jogos que faltam, independentemente do seu comportamento, mas preferia que não fosse assim.
QUANDO O PIOR EXEMPLO VEM DE CIMA
TORNA-SE cada vez mais difícil adjectivar o espetáculo a que temos assistido de cada vez que o Futebol Clube do Porto joga e Sérgio Conceição ou Luís Gonçalves não se encontram suspensos. E escusam de vir com a triste e previsível conversa de que eu ou os restantes adeptos fechamos os olhos a episódios semelhantes no nosso clube. Eu abomino este tipo de comportamento seja em que clube for, incluindo no meu. A postura de permanente intimidação e provocação a árbitros, dirigentes, jogadores ou treinadores, não deve ter lugar no Benfica e muitas vezes foi por mim criticada. Não deve ter lugar no Sporting, nem no Sporting de Braga, nem no Vitória de Guimarães, nem no Arouca, como não deveria ter lugar no FC Porto, e por aí adiante.
Isto não é sobre um ou outro clube, e também não trata de diminuir a capacidade competitiva do FC Porto, que aliás já venceu muitas vezes sem recorrer a este expediente. Se critico esta postura, é porque entendo que não tem lugar no futebol, porque entendo que corrói a modalidade, porque torna tudo isto um espectáculo embaraçoso que não vai levar mais gente aos estádios e do qual muitos se irão inevitavelmente afastar, do qual muitas vezes eu próprio só quero distância. É alarmante que esta postura continue a ser quase ignorada ou, pior, confundida com atributos que habitualmente distinguem o papel do desporto na sociedade ou na formação dos jovens. As ideias de raça ou a demonstração do que é ser do norte, gente que não desarma, para citar o treinador do FC Porto, foram instrumentalizadas pelo próprio para justificar o seu comportamento.
Eu conheço muita gente do norte e não acredito em divisões artificiais e estúpidas. O comportamento de Sérgio Conceição e de Luís Gonçalves não é «ser do norte». É ser outra coisa qualquer. Não deixemos que a postura de permanente hostilidade e agressão se confunda com o código genético de milhões de pessoas que representam tanta coisa diametralmente oposta àquilo que alguns insistem em exibir quando o resultado de um jogo de futebol não é o que eles gostariam que fosse. Isso não é ser do norte. É ter uma triste relação com a derrota e até mesmo com a vitória. E também não é ter raça. Ter raça é deixar tudo dentro de campo e não envergonhar o futebol fora dele. Mas o que mais impressiona é que Sérgio Conceição, por tudo o que já venceu enquanto jogador e treinador, sabe perfeitamente tudo isto que acabei de dizer, e escolhe ignorar. Entendeu que este é o caminho a seguir. Será bom que os restantes decisores do futebol não abram alas.