10 reflexões sobre o 10 do 10
Sei bem da sua lendária visão de jogo, presidente. Não hesite. Chute à baliza por todos nós
A eleição mais participada de sempre no Benfica é importante por muitos motivos. Não o é apenas pela nova liderança que tomou posse às 5 da madrugada de domingo, dia 10 do mês 10. Creio que aquilo que se passou no sábado é um pouco maior, por muito que o futebol seja muitas vezes o momento que vivemos. Parece-me que é uma eleição que nos diz muito sobre aquilo que o Benfica é hoje, sobre a sua identidade, e sobre o que a escolha de 40.115 sócios pode significar para o futuro do clube. Partilho 10 observações que me ajudam a olhar em frente.
1. A PIOR COISA QUE PODIA TER ACONTECIDO AO BENFICA NESTAS ELEIÇÕES ERA QUE O CLUBE MANTIVESSE UMA DIVISÃO PROFUNDA NO SEU ELEITORADO
Por muito que eu próprio tenha manifestado dúvidas acerca das duas listas que se apresentaram a votos, a verdade é que o clube dificilmente teria beneficiado de um resultado eleitoral que deixasse no ar a ideia de uma cisão insanável entre duas facções com igual representação. Felizmente os sócios foram claros: querem união em torno de Rui Costa, muito provavelmente estão fartos de ver o clube transformado num produto mediático demasiado apetecível (sempre que se encontra em guerra), e, bem feitas as contas, não poderiam ter tornado esse sentimento mais claro. Não significa isto que o novo presidente deva entender a vitória de sábado como carta branca para uma governação menos zelosa ou reconhecedora de diferentes sensibilidades e propostas no clube. Rui Costa fará muitíssimo bem em representar 100 por cento dos benfiquistas e em compreender, na gestão do clube e da SAD, que muitos dos votos que lhe foram confiados no sábado são os mesmos que há um ano terão sido destinados a outro candidato.
2. ESTA ELEIÇÃO SÓ PODE ORGULHAR OS BENFIQUISTAS
Não é apenas o recorde nacional ou o facto de ter sido a segunda eleição mais participada de sempre na história de clubes desportivos. É também por ter sido um ato eleitoral cuja integridade foi salvaguardada por todos os envolvidos. Atualizei o site mais de 100 vezes ao longo do dia e nunca deixei de me surpreender. Há muitas formas de constatar a grandeza de uma instituição, mas poucas tão dignas quanto a participação associativa.
3. A VITÓRIA DE RUI COSTA É UMA VALIDAÇÃO ESMAGADORA DO SEU LUGAR ATUAL NA HISTÓRIA DO CLUBE
Já todos sabíamos que Rui Costa é um símbolo incontornável do clube, mas a vitória de sábado veio consagrar uma ideia mais poderosa. Certo, todos conhecemos o charme exercido por um ex-atleta acarinhado por adeptos e sócios, mas a escolha de dia 10 é mais do que isso. Rui Costa é alguém a quem hoje temos de reconhecer uma enorme capacidade de mobilização. O números de votantes não permite outra leitura. Sim, os sócios continuarão apaixonados pelo ídolo que vestiu a camisola 10, mas este voto tem outras motivações: o curto mas bem sucedido período em que exerceu o cargo de presidente permitiu construir uma imagem de estabilidade em tempo recorde. A maioria dos sócios não quer um Benfica sem Rui Costa. Se a isso juntarmos uma avaliação positiva das propostas que foram apresentadas, e provavelmente da equipa que acompanha o candidato, vemos o quão esclarecedora foi a vitória deste sábado. Rui Costa surge hoje aos olhos dos sócios como alguém que teve muitas oportunidades de salvaguardar o estatuto de ídolo e de se resguardar, mas que, chegado a esta encruzilhada na vida do clube, mostrou-se disponível para o jogo mais difícil da sua vida, como o próprio afirmou. Aplaudo a sua coragem. Que seja capaz de o vencer.
4. O VOTO DE SÁBADO É A CRENÇA NUM SONHO PERSONIFICADO EM RUI COSTA
Uma coisa é a realidade, a outra é o sonho. Qualquer campanha de candidatura à presidência de um clube de futebol depende destas duas dimensões: por um lado, tem de traduzir uma apreciação da realidade fácil de compreender e repetir na cabeça de pelo menos mais de 50 por cento dos eleitores; por outro, tem de saber comunicar um sonho que convoque todos esses eleitores e mais alguns, porque na verdade todos queremos um Benfica vencedor e de volta às glórias de tempos bem idos, como referiu muito oportunamente o ex-presidente Manuel Vilarinho. A vitória frente ao Barcelona foi o tónico de que Rui Costa precisava. Deixou que a euforia dessa noite falasse sozinha e no dia seguinte disse o essencial: que precisamos de ganhar muitos mais jogos como este. Ao fazê-lo, Rui Costa mostrou um contraste importante com o passado. Soube comunicar o sonho de uma forma responsável, e com isso conseguiu que mais gente saudosa de um Benfica grande voltasse a sonhar.
5. JÁ AFIRMEI ALGUMAS VEZES NOS ÚLTIMOS ANOS QUE O BENFICA DEVIA OLHAR-SE AO ESPELHO. DESTA VEZ É A OPOSIÇÃO QUE O DEVE FAZER
Esta eleição opôs duas ideias muito diferentes de Benfica. Seria mais confortável para todos os que se situam na oposição - e aqui não falo apenas do movimento Servir o Benfica - dizerem que a esmagadora maioria dos benfiquistas se limitou a considerar Rui Costa mais bem preparado para o cargo de presidente, mas não me parece que seja só isso. A votação de sábado diz-nos que, hoje, os sócios parecem rejeitar que Rui Costa e Luís Filipe Vieira sejam duas faces da mesma moeda, ou então que vivem muito melhor com isso do que a oposição desejaria. Os sócios não acreditam que tenha existido cumplicidade culposa de Rui Costa em relação a Luís Filipe Vieira, ou então vivem muito melhor com isso do que a oposição desejaria. Os sócios não acreditam que o clube esteja à deriva em termos de planeamento desportivo. E os sócios também não vêem em Rui Costa o tal candidato ou dirigente do Benfica de quem por vezes se disse ser fraco de espírito. Pelos vistos os sócios do Benfica vêem exatamente o contrário. Talvez os sócios só queiram mesmo um clube que entra em campo ou nos pavilhões para levar tudo à frente e sintam que Rui Costa nos aproxima disso. Temos ouvido dizer muitas vezes que os sócios são os verdadeiros donos do clube, e eu não podia concordar mais com essa afirmação. A eleição de sábado foi por isso um banho de realidade que deve obrigar à reflexão de muita gente e a um silêncio construtivo nos próximos tempos.
6. O BENFICA É MUITAS COISAS IMUTÁVEIS MAS TAMBÉM PODE SER DESTE TEMPO
O que é o Benfica hoje? Ao longo dos últimos anos, em especial durante este período mais conturbado, muitos benfiquistas têm procurado elencar os traços identitários do Benfica, cultivando sempre uma ideia de regresso ao passado. Na impossibilidade de voltarmos ao que já fomos, apetece perguntar que clube podemos realmente ser hoje. Esta eleição é uma oportunidade para se discutir, de forma construtiva, em prol do clube e em conjunto com a nova Direção, que lugar deve ser esse. Sem desrespeito pelo passado, devemos perguntar como é possível honrar o Benfica dos seus fundadores, o Benfica de 1904, o Benfica de Maio de 61, o Benfica de tantos ídolos inesquecíveis, e ainda assim tornar o Benfica um clube deste tempo. Por muito que a identidade do Benfica seja para mim, verdadeiramente, uma só coisa - ganhar - o mundo em que o nosso clube se insere parece discordar. Não é só planeamento desportivo e não deve ser consequência de uma visão empresarial. Como podemos ser, aos olhos dos outros, aquilo que nós benfiquistas vemos: um clube sem igual no mundo. Há desafios enormes pela frente para que consigamos honrar os ases que nos honraram o passado.
7. A MUDANÇA PODE TER COMEÇADO NO SÁBADO, MAS A RENOVAÇÃO DO BENFICA NÃO ESTÁ COMPLETA
As suas primeiras palavras como presidente estiveram à altura do cargo. Rui Costa falou da realização de um sonho de menino, reconheceu a enorme responsabilidade, e prometeu ser o presidente de todos os benfiquistas. Penso que isso começa por não considerar esta eleição como um ponto de chegada, mas sim uma oportunidade extraordinária para implementar ideias transformadoras no clube, se possível protagonizadas por pessoas diferentes ou traduzidas em formas de estar diferentes.
8. RUI COSTA MERECE AGORA O APOIO DE TODOS OS BENFIQUISTAS, MESMO OS MAIS CRÍTICOS
Os desafios que o Benfica tem pela frente esta época e no seu futuro próximo pedem, mais do que críticas distanciadas e divorciadas do clube, um contributo ativo de todos os que puderem participar na construção de um Benfica melhor, e não contra a atual Direção. Quero acreditar também que as páginas negras do envolvimento do Benfica nos temas judiciais já terão sido ultrapassadas. Penso que ninguém teria a irresponsabilidade de deixar que assim não fosse. E parece-me que Rui Costa está disponível para fazer desta presidência um exercício mais plural, mais atento, e mais colaborativo. Todos os que participarem nesse diálogo serão agentes do virar de página que tanto tem sido reivindicado. Se não for agora, quando será?
9. É MUITO MAIS FÁCIL SER TREINADOR DE BANCADA DO QUE SER CANDIDATO
Este ciclo de duas eleições em 12 meses foi muito duro para o clube e para os sócios, mas não foi menos exigente do que para todos aqueles que se candidataram. É muito fácil opinar agora sobre a prestação menos feliz de Francisco Benitez - é tão fácil que até este humilde cronista do jornal A Bola o fez há uns dias - mas é muito difícil ser candidato a presidente do Sport Lisboa e Benfica. Requer grande coragem e capacidade de lidar com o escrutínio das pessoas que mais valorizamos para lá da nossa família e amigos: os nossos consócios. Quero expressar o meu sincero agradecimento a todos os vencidos que foram a jogo e travaram o combate democrático: João Noronha Lopes e Rui Gomes da Silva em 2020, Francisco Benitez em 2021. O Benfica e os sócios devem estar grato a todos eles.
10. DEFENDER A DEMOCRACIA SERÁ SEMPRE DEFENDER O BENFICA
Termino com aquilo que espero ser, de uma vez por todas, o passado do Benfica. O ex-presidente Luís Filipe Vieira, a quem não faltaram oportunidades e microfones nos últimos meses para se manifestar publicamente, decidiu que o dia de uma eleição democraticamente respeitável era a melhor ocasião para afirmar que há democracia a mais no Benfica e, pasmem-se, que o seu trabalho no clube ainda não terminou. Rui Costa, que aqui parabenizo e a quem desejo as maiores felicidades (que provavelmente serão as minhas), tem aqui uma baliza escancarada para se distanciar desta relação com o clube e com os seus adeptos. O clube já tem donos. Rui Costa só tem que se tornar dono absoluto do seu destino. Sei bem da sua lendária visão de jogo, Presidente. Não hesite. Chute à baliza por todos nós.