O basquetebol reinventa-se? - Parte 2 (artigo de António Pereira)

Espaço Universidade O basquetebol reinventa-se? - Parte 2 (artigo de António Pereira)

ESPAÇO UNIVERSIDADE28.03.202015:20

Na sequência do texto com o título “O basquetebol reinventa-se? Parte 1”, vamos proceder a uma análise mais detalhada sobre o basquetebol. A parte 2, terá uma incidência sobre a área competitiva, e a parte 3 sobre a formação.
 

No que diz respeito ao sector da competição, os problemas de competitividade e organização não são exclusivos da Liga Placard. No passado, lemos declarações de treinadores a queixarem-se da falta de compromisso por parte de atletas seniores nos escalões secundários e os problemas de competitividade e organização também estão presentes. Por outro o número lado o número de jovens que chegam à equipa sénior e capazes de entrar na rotação de minutos é muito escassa.
 

Para alguns destes problemas, uma das razões apontada é que o basquetebol português não oferece uma compensação remuneratória que justifique a dedicação a tempo inteiro. Como tal, a formação académica ou mesmo profissional está em primeiro lugar.

Mesmo não tendo sido perfeito, longe vão os tempos em que profissionalismo, contribuiu com resultados de relevância à seleção nacional masculina e às diversas equipas de clubes que disputavam as competições europeias. A impossibilidade de os jovens poderem ser profissionais leva a que os mais habilidosos ou mais necessitados procurem outras modalidades como resposta às suas ambições.
 

O desafio que se coloca é, depois de identificados os problemas relativos a cada competição, saber se podemos encontrar medidas que possibilitem termos competições atraentes para clubes, jogadores, patrocinadores, parceiros e capazes de atrair adeptos, dando uma nova atratividade às competições.
 

Num momento cheio de desafios e repleto de incertezas é conveniente fazermos uma reflexão sobre um conjunto de situações com que nos vamos deparar nos próximos meses, quase todas fora do controlo de quem organiza as nossas competições e que podem afetar o normal desenvolvimento da Liga Placard, Proliga, Liga Feminina e competições abaixo.
 

O problema causado pelo Covid-19 originou um enorme impacto na economia e nos modelos organizacionais das empresas, e também na gestão desportiva das diversas competições e clubes.
 

O basquetebol felizmente tem uma competição que é uma referência ao nível mundial na gestão desportiva e todo o basquetebol no mundo acaba por girar à volta das inúmeras decisões da NBA.
 

Nesta fase do desenvolvimento da pandemia, a época da NBA está suspensa e ninguém consegue dizer com segurança sobre se a época vai ter um fim ou se vai recomeçar, sendo que uma das hipóteses é prolongar a época durante o verão. Neste momento cancelar a época parece um cenário pouco provável, mas tudo depende da segurança que realmente vier a existir e os últimos números referenciados pelos diversos modelos são preocupantes.
 

Para além do términus desta época, uma das questões do momento é o início da próxima época da NBA e quando é que pode ter lugar. Diversos executivos têm exprimido a sua convicção de que alterar o começo da competição de outubro para meio de dezembro seria benéfico para a Liga. O CEO da equipa dos Atlanta Hawks, Steve Koonin, recentemente relançou o debate sobre as vantagens e Marc Cuban, proprietário dos Dallas Mavericks foi um dos que apoiou a ideia. Uma coisa é certa, a NBA debate-se com problemas de audiência, especialmente na fase inicial da competição, momento que coincide com um dos momentos mais fortes da NFL (Liga de Futebol Americano), e capacidade para atrair os adeptos mais jovens. Por outro lado, os horários dos jogos da costa oeste são considerados demasiado tardios para quem está na zona este do país, o que torna difícil esperar que os adeptos se mantenham acordados até tão tarde para ver os jogos. Jogos esses que por sinal muitas das vezes têm a presença de alguns dos melhores jogadores e equipas mais fortes da NBA.


Pode-se perguntar em que é que isto interfere com a Liga Placard?

Eu diria que interfere em muito, não no recrutamento direto, mas sim na calendarização do recrutamento. Se a NBA alterar a sua calendarização, todo o período de contratação de jogadores americanos será completamente diferente. É claro que as equipas podem não contratar jogadores americanos, mas estes são por natureza os jogadores que apresentam melhor relação preço/qualidade.

O cenário agrava-se se os jogadores universitários que ao fim do 4º ano acabam o ciclo universitário (os chamados seniores) poderem vir a usufruir de um ano suplementar ou de extensão do seu percurso desportivo, por via de a NCAA ter terminado a sua época antes da fase mais importante e mediática das equipas e de exposição dos jogadores perante adeptos, mas também das equipas da NBA. Esta situação levanta um problema real ao Basquetebol Português, visto que estes são os jogadores que as equipas portuguesas mais possibilidades têm em contratar.

Se estas alterações vão ser implementadas para a próxima época tudo depende do tempo que a pandemia durar e a sua extensão. Mas se a NBA vier a modificar o seu período competitivo, penso que a FIBA acabará por ter de ajustar a calendarização de diversas competições.

Um outro problema que se coloca é de não sabermos com rigor quando é que os jogadores estrangeiros poderão viajar e ter a certeza de que não estão infetados, reunindo assim condições de saúde para desenvolver a atividade e contacto social. Quando poderão realmente partir? será que terão de fazer quarentena quando chegarem a Portugal?
 

Além das dúvidas acerca da definição da melhor calendarização possível e do recrutamento, coloca-se igualmente o problema da sustentabilidade económica dos clubes.  
 

Anuncia-se uma recessão profunda, as empresas vão estar mais preocupadas com o voltar ao trabalho e começar a produzir seja produtos ou serviços, salvar o máximo de empregos possíveis e perceber como o mercado se comporta no reinício da atividade, do que eventualmente pensar em patrocínios desportivos.
 

Assim, o meu conselho é que as competições portuguesas comecem o mais tarde possível. Só tem vantagens. Dá tempo para os clubes se adaptarem a uma nova realidade e à FPB perceber em que ambiente organizacional vai ter condições para organizar as diversas competições.  

Quanto às equipas que poderão disputar a época de 2020/2021 nas diversas competições seniores principalmente Liga Placard, Liga Feminina e Proliga, deve-se ter em conta dois fatores:

1-      A sustentabilidade financeira do clube;

2-     Sustentabilidade de recursos humanos (número e qualidade de jogadores para poder competir com as outras equipas);
 

O desafio que temos pela frente não passa pelo mero direito de descida e subida de divisão, embora se deva respeitar o espírito dos regulamentos. Os tempos são outros e exigem novas abordagens.
 

Existe a necessidade de haver critérios de presença em cada competição mais rigorosos e de fácil verificação, para evitar que a competição tenha uma imagem negativa e não seja competitiva. O número de equipas participantes deve ter em consideração a validação desses fatores, tendo sempre em mente que é preciso ter uma competição que seja uma mais valia para todos.
 

Qual a visão que temos para cada nível competitivo? Qual o seu propósito? Como é que vamos comunicar com os adeptos? Que tipo de relação vamos ser capazes de criar com eles? Que tipo de parcerias vamos conseguir desenvolver? Como é que esperamos que nos apoiem e como é que podemos apoiar? No fundo temos de elaborar um plano estratégico por competição.
 

Não podemos deixar de querer ter competições equilibradas, competitivas e que atraiam adeptos sem termos em conta igualmente as normas de segurança, dando claras indicação de que é seguro ver um jogo ao vivo.
 

Com este enquadramento desportivo, económico e social, começar o mais tarde possível só pode trazer vantagens aos clubes, à competição e aos adeptos.

Ter audácia para reinventar o basquetebol português deve ser expresso em quatro objetivos:

- Aumentar o número de jogadores portugueses com impacto nas principais competições que as equipas disputam;

- Melhorar a nossa posição nos rankings da FIBA, ao longo da próxima década, (sim, não é erro: década!);

- O aparecimento de novos valores deve corresponder a uma estratégia de comunicação que permita que estes sejam facilmente identificáveis pelos adeptos e público em geral, vindo a ser referências dos seus clubes, da seleção nacional, do basquetebol em geral, no fundo a construção da imagem do ídolo de que o basquetebol tanto carece;

- Ao mesmo tempo diminuir a forte dependência dos jogadores estrangeiros na produção das equipas das diversas competições masculinas e femininas;

Neste cenário será que a FPB tem vontade de reinventar o basquetebol português ou perderá a oportunidade que o momento (infelizmente) oferece?

António Pereira é um ex-jogador e ex-treinador de basquetebol, tendo desenvolvido a função de scouting durante vários anos. É licenciado em Comunicação Organizacional com as especialidades de Comunicação de Marketing e Comunicação de Relações Públicas, Mestre em Marketing e Comunicação e escreve sobre Gestão do Desporto, Marketing e Comunicação do Desporto no blog https://apbasketball.blogspot.com/ , https://ideiasparaobasquetebol.blogspot.com/ entre outros.