Diogo Ribeiro e o acidente de mota que o deixou com o dedo desfeito
Foi em Coimbra que Diogo Ribeiro começou a nada. Também foi na cidade dos estudantes que aos 16 anos teve um acidente que lhe mudou a vida. Mas não desistiu do sonho, mesmo com um dedo desfeito
— Quando é que as piscinas de Coimbra começam a ser pequenas para ti?
— Aos 11/12 anos mudei de clube e comecei a treinar na piscina olímpica de Coimbra.
— Lembras-te de quando é que entraste na primeira prova a nadar?
— Foi logo aos 7 anos. Estava na pré-competição. Na altura chamava-se primeiro mergulho e segundo mergulho, mas eram provas de 25 metros…
— Depois, aos 16 anos, há outro episódio de que se fala que é quando tens um acidente de moto. Ias tu a conduzir ou à pendura?
— Ia eu a conduzir sozinho… Tinha acabado de regressar após ganhar uma medalha de prata, de ser vice-campeão Europeu de juniores, em Roma. No dia a seguir a voltar ia para o treino, para preparar o campeonato nacional dentro de duas semanas. Fui para o treino e, quando cheguei, reparei que me tinha esquecido dos calções para treinar. Então, voltei, porque ainda não tinha desfeito a mala da viagem e estavam lá os calções. Tive de voltar a casa e na viagem estava a tentar ultrapassar um carro e o carro não me deixava passar, estava ali a entrar em picardia, então fingi que ia para a esquerda e meti-me pela direita. Ele bateu-me na roda de trás da moto e lá fui eu a voar. Dei cambalhotas bati no chão, apaguei.
— Não te lembras de nada?
— Lembro-me de acordar no INEM e ir para o hospital. Com um penso no dedo, porque o meu dedo estava desfeito. Doía-me o corpo todo… A minha primeira reação foi a de me querer levantar dentro da ambulância e não conseguia. Ao primeiro movimento gritei logo, com dores nas costas. A minha sorte é que ia com os equipamentos todos de moto. Com protetor de coluna, com as luvas… Tudo! A luva rasgou e acabei a queimar no alcatrão. Por isso, se não fossem as proteções não estava mesmo aqui.
— Quanto tempo estiveste internado?
— Uma semana. Cinco dias.
— Quando é que curaste as mazelas desse acidente?
— Psicológicas ou físicas?
— Vamos às psicológicas primeiro.
— Em março de 2022. O acidente foi a 13 de julho de 2021 e em março de 2022 tive a minha primeira prova em que bati, outra vez, o recorde nacional. Menos de um ano depois.
— Aí sentiste que tudo passou?
— Senti que dependia de acreditar em mim. Vivi grande dilema psicológico quando estava a fazer fisioterapia. Doía-me o corpo todo e não conseguia confiar em ninguém para mexer em nada, porque as pessoas não sentiam o que eu estava a sentir. Estava um bocado com medo e foi um processo em que tive de confiar e acreditar em quem estava ao meu lado.
— Ficaste com mazelas no dedo indicador direito.
— Basicamente, fiquei com a unha, mas fiquei sem carne numa parte do dedo. Então, tiveram de puxar-me pele de outra parte do dedo para reconstruir a parte que não existia.
— De que forma esse problema no dedo afeta o teu desempenho?
— Tenho um dedo mais pequeno, sim. O treino dá sempre para trabalhar alguma coisa mais. É nisso que penso, é nisso que vou buscar a minha força. Sofri aquilo tudo e voltei outra vez cá acima… Se agora estou bem, tenho de aproveitar esse momento e perceber que não é só quando as coisas correm mal, como me aconteceu, que vou ter de criar a minha história de superação. Posso criar a minha história de superação mesmo quando estou bem.
— Dizias que esse acidente fez com que percebesses que não eras invencível. Agradeces, entre aspas, aquilo que passaste?
— Sim. Na altura até diziam que há males que vêm por bem. Até a minha mãe dizia isso. Quando bati o meu primeiro recorde nacional, percebi que se calhar aquilo aconteceu por um motivo e a minha mentalidade mudou em relação ao que era. Porque antes pensava que podia fazer qualquer coisa que me ia safar sempre. E acho que isso foi um bocado para me ajudar. Acho que foi algum sinal lá de cima a dizer que tinha de mudar a minha cabeça e o meu pensamento para chegar longe. E mudei. E quis muito. E trabalhei muito. E superei-me para poder chegar onde cheguei hoje. E agora não tenho recorde de Portugal, tenho um título do Mundo todo.
— Depois desse acidente, sais de Coimbra, vais para o Benfica, para Lisboa... Com a cabeça no lugar?
— Foi logo a seguir ao acidente que o Benfica me foi buscar. Foram a minha casa falar comigo ainda andava eu de muletas. Só tenho de agradecer ao Benfica porque eu estava mal e foi na altura em que estava mal que me foram buscar. Normalmente, não é assim que as coisas funcionam. Por isso, só tenho mesmo de agradecer ao Benfica por acreditar em mim e por saber que eu podia dar mais do que aquilo. Agora que cheguei aqui, só tenho de agradecer. Vou estar sempre com o coração e a cabeça com o Benfica, apesar de qualquer coisa que aconteça no futuro.
]... Já tive muitas chamadas dos EUA mas quero ficar em Portugal e no Benfica
— Ainda não quiseste ir para os Estados Unidos. Quiseste ficar cá porquê?
— Ui [pausa]... Já tive muitas chamadas dos Estados Unidos. Até mesmo quando tinha 16 anos. A partir dos 16 anos, quando ganhei a medalha de prata nos Europeus de juniores, comecei a receber convites. E sempre disse que não queria ir porque confiava bastante no processo que estava a fazer. Cheguei a falar nisso com a minha mãe e percebi que se eu não aguentava estar em Lisboa, como é que ia aguentar ir para outro país? Como ia aguentar ir para os Estados Unidos e estar lá sozinho e sem ninguém que falasse comigo em português. Não conhecia lá ninguém e isso também pesou… Depois foi ficar cá e confiar no processo, sabendo que vinha um treinador de fora que era um treinador conceituado [Albertinho]. Era um treinador que tinha já títulos mundiais, títulos de recorde do mundo e títulos olímpicos. E que tinha treinado nadadores bastante bons e que os tinha transformado numa máquina… Quis confiar nesse processo e quis que ele fizesse o mesmo comigo. E está a resultar.
— E agora? Pensas sair ou vais ficar por cá?
— Não. O que quero mais é ficar em Portugal e ficar no Benfica.
— É possível ser campeão cá, a treinar cá?
— É. Quando se quer muito, é.