«Maratona olímpica de Paris tem 17 km completamente absurdos»
António Sousa, treinador de Samuel Barata, está no Quénia e projeta para A BOLA a prova de 10 de agosto
António Sousa é o treinador de Samuel Barata e está com o atleta na altitude do Quénia a preparar a maratona olímpica de Paris, a 10 de agosto. «Existiam várias hipóteses de locais para realizar o estágio final de preparação, inclusive um convite da Puma dos Estados Unidos para nos juntarmos ao grupo em Park City [em Utah, em Salt Lake City], mas tendo em consideração diversas variáveis, como altitude, clima, viagem, percursos, grupo de treino, etc, resolvemos optar pelo local onde tínhamos realizado a preparação final antes da Maratona de Valência», explicou a A BOLA.
António Sousa detalhou os últimos dois meses de trabalho de Samuel Barata: «Não tem sido a preparação perfeita, pois raramente são, teve alguns altos e baixos. Depois de um período inicial em Font Romeu, com uma altitude mais baixa, onde aproveitámos para incrementar o volume e criar a base para as fases seguintes, seguiu-se uma fase mais intensa em St. Moritz, que passou pela obtenção de um recorde pessoal nos 10 000m [27.48,62 m em Londres, a 8 de maio; sexto de sempre depois de António Pinto, Fernando Mamede, Carlos Lopes, Domingos e Dionísio Castro], mais condizente com o valor real do Samuel. Contudo, esse indicador muito positivo que validaria o trabalho que estávamos a desenvolver, intensificou algumas mazelas que o atleta vinha referenciando nos treinos e que levaram à desistência na meia-maratona dos Campeonatos da Europa e uma “paragem” de aproximadamente três semanas».
A paragem implicou ter de lidar mentalmente com o insucesso. «Verificou-se, igualmente, enorme perda de confiança e desânimo por ver gorada uma enorme possibilidade de alcançar um resultado de grande relevância na carreira do Samuel e na minha também. Felizmente a lesão parece-me controlada e estamos novamente a treinar sem grandes limitações. Estes incidentes fazem parte de processos de preparação tão intensos e temos de saber lidar com estas contrariedades, desenvolver ferramentas para mais facilmente ultrapassarmos estas situações e seguir em frente com os nossos objetivos», esclareceu António Sousa.
O treinador de Samuel Barata aborda os desejos para a maratona olímpica de 10 de agosto: «O Samuel, tem 2.07.35 h, que é a 3.ª melhor marca portuguesa de todos os tempos, sendo que uma delas foi recorde do Mundo, mais corretamente a melhor marca do Mundo porque na altura ainda não havia recorde do Mundo, e a outra foi recorde da Europa, mas o Samuel é o 53.º de um ranking de 84 participantes nesta maratona olímpica. E dessa lista fazem parte vários dos melhores maratonistas do mundo da atualidade. É importante termos essa noção. O Carlos Lopes quando foi campeão olímpico tinha pior marca e menos experiência na maratona do que tem atualmente o Samuel, mas a realidade de hoje é muito diferente de há 40 anos. É outro atletismo, com uma densidade de resultados de alto nível impressionante».
António Sousa projetou ainda o futuro do meio-fundo e fundo nacionais. «Com o novo sistema de qualificação para as grandes competições – Campeonatos da Europa e do Mundo e Jogos Olímpicos – fazer as marcas de qualificação será extremamente difícil. Só 12 portugueses o conseguiram para esta edição dos Jogos. A partir do próximo ano, na grande maioria das provas do meio-fundo e fundo, só o recorde nacional garantirá a participação dos atletas portugueses», projetou.
A maratona olímpica de Paris não terá um percurso fácil. «É o mais desafiante que tenho conhecimento e já vi muitos. Esta maratona tem o objetivo de atribuir o título mais importante na carreira de um atleta e deveria, no meu ponto de vista, refletir o que se tem passado neste ciclo olímpico. Este percurso, para além dos tuneis típicos de Paris, tem 17km, entre os 15km e os 32km, completamente absurdos, numa maratona feita em condições completamente diferentes do que é normal, tornando muito mais aleatório o resultado final do que uma maratona realizada num percurso de características semelhantes às que são disputadas todos os anos nas principais cidades do Mundo, o que pode ser positivo para atletas como o Samuel, que não tem a “obrigação” de ir no grupo da frente», diz António Sousa.
Algumas das ideias de Samuel Barata:
Quais são, então, as melhores estratégias para enfrentar este enorme desafio? Segundo o treinador de Samuel Barata, são as seguintes: «Uma preparação tendo em consideração as dificuldades impostas pelo percurso. Uma adaptação ao previsível calor e humidade de Paris em Agosto e dar uma importância acrescida aos abastecimentos e ao controlo da temperatura corporal durante a prova, para tentar chegar o melhor possível aos últimos 10km, que prevejo muito penosos para muitos participantes. Em relação à estratégia de corrida, o Samuel tem-se dado bem com o plano de não respeitar o plano, de correr livre, gerindo as sensações, mas diz-nos a experiência que, para esta maratona, o plano deve ser especialmente conservador na primeira parte, correr “mais com a cabeça e menos com o coração”, mas deverá ir sendo ajustado em função das incidências da corrida. Para que o atleta possa, durante a corrida, fazer as melhores opções temos estudado os vários cenários possíveis», conclui, desde o Quénia, em conversa com A BOLA.