«Há por parte do IPDJ e do seu presidente uma atitude objetivamente persecutória relativamente a mim»

«Há por parte do IPDJ e do seu presidente uma atitude objetivamente persecutória relativamente a mim»

NATAÇÃO24.01.202408:53

PARTE 1 - Considerado culpado de um inquérito instaurado pelo IPDJ, concluído na passada semana, que obriga a assembleia geral da federação de natação à imediata destituição, o presidente da FPN_falou a A BOLA e diz que houve interesses políticos e pessoais para matar a sua reeleição na European Aquatics e possível candidatura ao COP.

Começo com uma pergunta que lhe fiz na passada quarta-feira, um dia após ter sabido do resultado do inquérito do IPDJ e ter tido a reunião com a direção da federação de natação, mas agora acrescento outra. Está surpreso com a decisão? E sente-se injustiçado pela conclusão do processo do IPDJ?

— Completamente! Acho que o processo do IPDJ é um processo persecutório, que envolve várias pessoas que tinham todo o interesse em que isto acontecesse no timing e na forma como aconteceu. O processo não permitiu, da forma como foi feito, o acesso a um direito de defesa que deveria estar previsto neste tipo de inquéritos por parte do instrutor. E posso dar um exemplo concreto. As testemunhas por mim arroladas foram notificadas no dia 22 de dezembro, numa sexta-feira. 23 e 24 era fim de semana e a 25 estava tudo fechado. 

Mais grave, na resposta por escrito, foi lá posto claramente no introito da declaração de cada um dos membros, que foram eles, as testemunhas, que solicitaram que o testemunho fosse por escrito, quando não é verdade.

Algumas das testemunhas só levantaram o processo no dia 26 de dezembro, primeiro dia útil a seguir ao Natal. Foi solicitado ao instrutor do processo um adiamento para a inquirição das testemunhas por mim arroladas. E o inquiridor disse que tinha que acabar impreterivelmente até dia 24 e que as testemunhas não tinham direito àquilo a que têm direito pelo Código de Processamento Administrativo, a 10 dias para dar resposta. Se quisessem responder, respondiam por escrito. Mais grave, na resposta por escrito, foi lá posto claramente no introito da declaração de cada um dos membros, que foram eles, as testemunhas, que solicitaram que o testemunho fosse por escrito, quando não é verdade. Aliás, posso dizer que das minhas seis testemunhas, três se recusaram a responder com base neste pretexto.

— Isso é uma parte do desenrolar do processo, mas não considera que por parte do IPDJ havia base legal para a decisão de exigir que a assembleia geral (AG) da federação o destitua numa sessão extraordinária a realizar em breve?

— Não. Não havia base legal para aquela decisão, porque aquilo que foi feito foi, para que as pessoas perceberem de uma forma clara e simples, uma doação à Federação Portuguesa de Natação de um registo de uma propriedade intelectual, de um programa desenvolvido para a prevenção do afogamento aquático. Para essa doação, teve que se fazer um registo da doação no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) e para garantir que nenhuma das partes, ou daqueles que eram detentores iniciais do registo da propriedade intelectual e a Federação Portuguesa de Natação, teriam quaisquer valores, vantagens económicas, financeiras e outras, antes e depois, teve que se redigir um contrato a dizer que doa-se, a título gratuito, a propriedade intelectual à federação para desenvolver este projeto.

Portanto, até aí se verifica que não houve qualquer benefício direto numa doação, antes pelo contrário, a FPN ficou detentora de um projeto que dá resposta àquilo que são competências constitucionais delegadas das federações, da promoção da prática, da prevenção do afogamento e da generalização da prática nos diversos sectores da sociedade.

Isto é um projeto que não surge no âmbito de uma federação, mas de uma tese de doutoramento.

—Mas não acha que ao fazer tal registo em seu nome, além dos outros três autores, e o ter até apresentado na Assembleia da República, possa levar as pessoas a acreditar que estava a tentar fazer um aproveitamento? Não teria o mesmo pensamento se tivesse acontecido com outros?

— Não! Pelo contrário. Isto é um projeto que não surge no âmbito de uma federação, mas de uma tese de doutoramento. Como sabe, sou Professor catedrático da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, juntamente com outros três autores. Dois professores: Aldo Costa, da Universidade da Beira Interior, e Jorge Campaniço, da minha universidade, e uma aluna em doutoramento, Raquel Marinho. Na sequência deste projeto, e quando a metodologia estava validada, pedagógica e cientificamente, decidimos, por uma questão da proteção do programa, registá-lo em nome da FPN. Quando vimos a virtualidade  do programa que podia ser implementado juntamente com a Universidade, com outras cinco federações - surf, canoagem, vela, triatlo e de salvamentos - decidimos implementar o programa da FPN. 

É exatamente este ponto, só a da transferência, que o IPDJ pega e diz que, como há um registo no INPI, mesmo de transferência, constitui negócio jurídico. Mesmo com o contrato que foi celebrado de doação, constitui um atropelo à incompatibilidade prevista no regime jurídico das situações futuras.

Qual é aqui o busílis? Muito pressionado, quer por elementos de dentro, quer de fora, que isto podia constituir algum tipo de conflito de interesses, que mais tarde no IPDJ veio a verificar-se que não havia nenhum conflito de interesses, fiz a transferência, aprovada em reunião de direção de 23 de maio de 2023, para a FPN. O que foi elogiado por todos, inclusive por aqueles que criticam e que fizeram a acusação junto do IPDJ, de que a transferência foi feita a pedido de... O que não seria, porque era essa a nossa intenção desde o início. É exatamente este ponto, só a da transferência, que o IPDJ pega e diz que, como há um registo no INPI, mesmo de transferência, constitui negócio jurídico. Mesmo com o contrato que foi celebrado de doação, constitui um atropelo à incompatibilidade prevista no regime jurídico das situações futuras. 

Não percebo a questão de substância, que é o IPDJ considerar que uma doação pressupõe um negócio jurídico que vai lesar a Federação Portuguesa de Natação. Mas não lesa, beneficia.

— Olhando-se para trás, foi um erro ter mudado esse registo para a Federação? 

— Não sei se foi um erro. A FPN chegou onde chegou à custa da ideia das pessoas. Do pensamento, da massa crítica das pessoas. Podia ter patenteado todas as minhas ideias. E não o fiz. E existem vários programas que podia ter patenteado. Vários programas que foram lançados. Só que não registei. Acho um absurdo, porque quem tem as ideias e tem o conceito, tem o direito constitucional e a obrigação dele próprio dizer: esta ideia foi minha. E registá-la. Não percebo a questão de substância, que é o IPDJ considerar que uma doação pressupõe um negócio jurídico que vai lesar a Federação Portuguesa de Natação. Mas não lesa, beneficia. Tudo isto beneficia.

E não é por acaso que a FPN, em 2012, era a 16.ª federação no país em termos de indicadores de prática e a 13.ª em termos de alto rendimento. E nos últimos cinco anos, consecutivamente, é a primeira em termos de desenvolvimento de prática desportiva e a segunda em termos de alto rendimento. Não é por acaso que a FPN, em 2012-2013, quando assumi o cargo, tinha um orçamento de 2,5 milhões euros, dos quais 97,5% dependiam do Estado, e agora tem um orçamento de 8 milhões, dos quais depende 35% do financiamento do Estado e do resto de receitas próprias. Porquê? Porque isto pressupõe iniciativa, ideias e proatividade. É isto que não consigo entender por parte do IPDJ.

Mais, e isso é que não consigo compreender, há tantos atropelos à lei que são feitos a nível das federações desportivas, filhos, filhas, familiares a trabalhar diretamente nas federações portuguesas…

— Mas quando fez a transferência da propriedade intelectual, não acabou por fazê-la devido às pressões que começavam a existir; tanto interiores, como são os delegados da assembleia da FPN, como exteriores, pessoas que não estão na federação ou sequer na modalidade?

— Não. A decisão da transferência foi tomada, por mim, em reunião com os cotitulares da propriedade intelectual, e mais uma pessoa que não fazia parte da titularidade do projeto, mas que esteve envolvida. A certa altura, dissemos: o programa é tão importante e tão interessante, que não nos vamos desgastar com questões associadas com eventuais conflitos de interesse que não existiam, com implementar programas que são da nossa propriedade intelectual na FPN e vamos limpar isto, transferindo tudo para a federação. Foi a decisão e comunicada em reunião de direção a 23 de maio de 2023, aprovada por unanimidade. Foi ainda comunicado ao INPI o registo no mesmo dia e passado uns dias recebemos o certificado definitivo da transferência para a FPN. Mais, e isso é que não consigo compreender, há tantos atropelos à lei que são feitos a nível das federações desportivas, filhos, filhas, familiares a trabalhar diretamente nas federações portuguesas…

— Quando diz isso, refere-se além do que aconteceu na federação de judo?

— Digo-o para além do que aconteceu na federação de judo.

Como presidente posso ter um contrato com a federação para receber uma verba que está prevista no regime jurídico, que são 10 salários mínimos. Mas não posso doar algo que é benéfico para o futuro da FPN porque constitui um contrato

— E o IPDJ sabe disso?

— Tinha a obrigação de saber. Filhos, filhas e familiares a trabalhar sob a responsabilidade de federações. Presidentes das federações, alguns deles a receber uma verba que está prevista no contrato. E este é que é o paradigma. Como presidente posso ter um contrato com a federação para receber uma verba que está prevista no regime jurídico, que são 10 salários mínimos. Mas não posso doar algo que é benéfico para o futuro da FPN porque constitui um contrato, um negócio jurídico, que à luz da lei é incompatível.

E  há outro paradoxo. Como é que o IPDJ, que é uma instituição reguladora e fiscalizadora, emite uma decisão que impede, em última análise, que a assembleia geral, que é o órgão estatutariamente que deve decidir as questões por parte da federação, tome uma decisão em consciência, porque a obriga: ou valida a recomendação do IPDJ ou desencadeia o processo de perda de estatuto de utilidade pública, sem qualquer tipo de recomendação.

Depois apresentam esta bomba atómica. Isto quer dizer, objetivamente, que há por parte do IPDJ, do seu presidente e das pessoas que o acompanham, uma atitude objetivamente persecutória, relativamente, não à FPN, mas à figura do seu presidente, António Silva.

— Que é uma bomba atómica...

— Qual é que deveria ser a função do IPDJ? ‘Vimos aqui uma irregularidade...’ E à luz de tudo, ano olímpico — mesmo que não fosse —, campeonatos do mundo e uma série de coisas importantes, tentem lá corrigir isto. E corrigido que está seguimos. Isto além do histórico de boas práticas da federação. Sempre colaborámos com o IPDJ, fomos alvos de não sei quantas auditorias, todas limpas, inequivocamente. Mas não, depois apresentam esta bomba atómica. Isto quer dizer, objetivamente, que há por parte do IPDJ, do seu presidente e das pessoas que o acompanham, uma atitude objetivamente persecutória, relativamente, não à FPN, mas à figura do seu presidente, António Silva.

— Era para aí que queria seguir. Alexandra Jorge, que é quem apresentou a queixa que originou o inquérito do IPDJ, garantiu-me que não tem ambições a cargos na federação ou de qualquer tipo. Durante muitos anos foi sua apoiante e até secretária da mesa da assembleia geral pela sua lista. Acredita que não tem essas ambições?

—  Não comento qualquer afirmação feita por essa senhora.

(Continua...)