Garrett McNamara: «Não tenho medo da morte»
Norte-americano quer surfar mais 50 anos; sente-se protegido e sortudo; do legado que deixou nas ondas da Nazaré gostava de apagar a excessiva construção em terra e, por isso, «tentaria fazer tudo para que Walter Chicharro não ganhasse as eleições autárquicas»
Garrett McNamara esteve em Lisboa, no MAAT, para promoção da 3.ª temporada do documentário 100 Foot Wave, a exibir na plataforma Max (ex-HBO).
A Grande Onda da Nazaré, na tradução em português, escrito por Nicole McNamara, mulher de Garrett, era suposto ser um filme de hora e meia, pensado para um Óscar, mas acabou numa série que recebeu um Emmy.
«Tivemos muita sorte. Tínhamos bom conteúdo e escolheram fazer uma série. Viram uma boa história para continuar por anos e está a funcionar. A 3.ª temporada deve ir para o ar em setembro e a 4.ª está a ser filmada», contou.
Deixa a personagem que é real na tela e falou com a A BOLA sobre as ondas gigantes da Nazaré e a vila, sobre o corpo, espírito e a mente, abordou o tema da morte que não teme e deixou um aviso: continuará a surfar mais 50 anos.
«O surf no início era porque simplesmente adorava, depois tornou-se um emprego», recordou. «Surfava pela aceleração e porque era remunerado. Em 2007, ainda era o meu emprego, gostava, mas já não sentia essa aceleração», continuou McNamara.
O sentimento viria a mudar. «Depois da Nazaré e da primeira série na HBO atingi todos os meus objetivos. Estava finalmente contente com o surf, a carreira e poderia parar de surfar», reconheceu.
No entanto, não o fez. «Gosto tanto que continuarei até me sentir bem, ondas pequenas, grandes, monstruosas, irei surfar não pelo ego, orgulho, dinheiro ou fama, mas pelo prazer e para inspirar as pessoas de que tudo é possível», aclamou.
O Canhão da Nazaré já foi palco de graves acidentes de big riders em busca do sonho de bater o recorde mundial - a tal onda de 30 metros, ou 10 andares. Aconteceu com a brasileira Maya Gabeira (2013), o inglês Andrew Cotton (2017) ou o português Alex Botelho (2020, durante a etapa do circuito mundial de ondas grandes).
Há uma morte a registar: Márcio Freire, 47 anos, no início de 2023. «Estava na remada [sem ajuda do jet-ski], usava um colete fino, não sei o que o matou, mas pode até ter sido de ataque cardíaco», disse.
Surfista mais sortudo do mundo
As ondas em forma de parede gigante transformam-se a partir de certo tamanho a água em tijolo. Nesse elementar desafio à condição humana no qual um wipe out (tombo) pode estilhaçar ossos e músculos à semelhança de uma queda de um prédio de meia dúzia de andares, o sentimento da morte pode pairar no subconsciente.
«É muita sorte. Poderia morrer um par de gente todos os anos, mas Deus deve amar os surfistas. Não perdemos nenhum na Nazaré porque temos o equipamento mais seguro, estamos preparados e temos os condutores», reforçou.
Questionado sobre se tem medo do ser transformar num óbito, McNamara responde secamente. «Não tenho medo da morte. Talvez morra após um último dia de surf quando tiver 105 anos, ou melhor, 106. Tenho mais 50 anos de surf pela frente», sorriu o surfista norte-americano de 66 anos.
«Se me alimentar convenientemente, ver e ouvir coisas boas, a minha mente será perfeita, assim como o meu corpo e alma e isso determinará até quando irei surfar. Se escolher comer veneno, ver e ouvir lixo, destruo a mente», garantiu.
Dá um passo para a espiritualidade. Nas ondas «sinto o PCP: presença, conectado e protegido», descodificou. «Sinto algo maior que eu, 100% espiritual», atestou. «Não acreditava em espíritos e fantasmas, mas já vi com os meus olhos alguns nos últimos anos, logo, agora, acredito», confessou.
McNamara teve nas suas mãos a vida de CJ Macias, cunhado e irmão da mulher Nicole. «No jet-ski sentes mais responsabilidade em guiar alguém do que quando estás sozinho, sentes mais adrenalina quando estás a pôr alguém na onda», assumiu. «Coloca-os no lugar e eles escolhem o lado. Às vezes, pode ser culpa tua se os colocas no sítio errado», reconheceu.
Já se lesionou e já apanhou sustos. «Nunca estive dois minutos debaixo de água, só 30 segundos. Sou o surfista e ser humano mais sortudo do mundo até à data, mas qualquer um de nós pode ser. É uma questão de mindset», disparou.
A regulação nas idas para a água
Desde 2011, ano da resposta ao repetido email que tardara a responder, mas que «por causa da minha mulher, a verdadeira responsável, um dia organizou a minha caixa de correio e um mês depois estávamos na Nazaré», muito mudou dentro e fora de água.
Em certos dias épicos de inverno, o Canhão visto a partir do Farol do Forte de São Miguel Arcanjo mais parece um jardim-de-infância sem professor, conforme afirmou publicamente Sebastian Steudtner, alemão detentor da maior onda surfada e homologada (26,21 metros).
«Tentaria fazer tudo para que Walter Chicharro não ganhasse as eleições autárquicas»
«Deveria haver alguma regulação nas idas para a água. Trabalhei nisso muito e poucos aceitaram e ninguém quis por isso na lei. Felizmente temos um bom capitão que faz o melhor e garante que quem sai, sai devidamente equipado, mas, no entanto, há muita gente não qualificada a ir para a água», alertou.
Garrett reconhece ter colocado a Nazaré no mapa-mundo, mas do legado que deixou, se pudesse voltar atrás, mudaria o que se passou em terra, encosta da vila piscatória com vista para as ondas grandes. «Tentaria fazer tudo para que Walter Chicharro não ganhasse as eleições autárquicas. Arruinou tudo, a vila tornou-se monstruosa, teria parado a construção, tentaria manter o máximo possível o lado tradicional», finalizou à margem da apresentação da 3.ª temporada do documentário 100 Foot Wave, a Grande Onda da Nazaré, em português, a emitir na plataforma Max (ex-HBO).