«Criámos o memorial ‘Tirop’s Angels’ para evitar mais mortes de mulheres no Quénia»
Joan Chelimo, amiga de Agnes Tirop, assassinada pelo marido em 2021, lançou um movimento em sua honra. «A violência acontece todos os dias com mulheres que não sabem o que fazer», lamenta
Agnes Jebet Tirop era uma das maiores esperanças do atletismo feminino do Quénia quando em 2021, em Iten, a dez dias de completar 26 anos, foi esfaqueada até à morte pelo marido, Emmanuel Rotich. Agnes era campeã africana de corta-mato, ganhara a medalha de bronze nos 10 000 metros dos Mundiais de 2017 e 2019 e fora 4.ª classificada nos 5000 m dos Jogos Olímpicos de 2020. A 12 de setembro de 2021, bateu o recorde do mundo dos 10 km em estrada em corrida apenas para mulheres. Trinta e um dia depois estava morta.
Joan Chelimo, amiga de Agnes Tirop e vencedora das meia-maratonas de Praga, Berlim e Boston, decidiu, então, criar um memorial em sua honra. «De forma a que ninguém se esqueça do que se passou com ela, do que tantas vezes se passa no Quénia e daquilo que se passará um pouco por todo o mundo; as agressões de maridos às suas esposas», diz Joan Chelimo a A BOLA.
«Agnes era uma querida, estava sempre a sorrir. Era calada, mas muito simpática. Treinávamos juntas em Iten e a nossa amizade foi crescendo. Em 2021, quando foi assassinada, não consegui correr durante uma semana. Não acreditava que ela estava morta. Só acreditei quando fui a casa dela e a vi deitada no chão», recorda Joan a A BOLA.
«Conversei com muitos amigos e amigas e todos diziam o mesmo: temos de estar alerta. Isto não pode continuar. A violência no Quénia acontece todos os dias com várias mulheres, mulheres que não sabem para onde se virar ou como escapar. Senti que precisávamos de criar algo forte para recordar a Agnes e para garantir que a morte dela levasse a alguma mudança significativa. E criámos os Tirop’s Angels», acrescenta a maratonista de 2h18.04, tempo feito em 2022.
«O nome diz quase tudo», explica Joan. «Viemos em paz e queremos levar paz às mulheres do Quénia. Quando começámos, a maioria dos homens pensava que era um movimento contra eles e contra o casamento. Nada disso. O nosso objetivo é orientar e educar a próxima geração de rapazes e raparigas. Queremos, no fundo, celebrar a vida da Agnes e queremos que as atletas tenham acesso a locais seguros para que, caso sejam violadas, ainda possam treinar e sentir-se seguras. Queremos educar as mulheres sobre os seus direitos porque muitas não os conhecem. A tragédia de Agnes poderia ter sido evitada se ela se sentisse capaz de falar. Queremos criar uma plataforma onde, se as mulheres estiverem a passar por alguma coisa nas suas vidas, possam falar connosco e compartilhar o que está a acontecer. Quando ela morreu, eu esperava que os atletas do sexo masculino no Quénia, especialmente aqueles com uma grande visibilidade internacional, expressassem a sua tristeza e recorressem às redes sociais, apelando ao fim de tal violência. Mas houve silêncio», esclarece, ao nosso jornal.