Volta a Portugal A logística e o pelotão que o povo não vê
Se de madrugada ainda trabalham, manhã bem cedo o contentor/oficina do camião das equipas tem nos mecânicos das equipas verdadeiros ‘workaholic’s’, já a dar mangueiradas de água nos carros da comitiva: são os verdadeiros homens sem sono da Volta: dos que menos dormem, porque há sempre muito a fazer.
«São os homens invisíveis… e imprescindíveis. É uma vida de amor ao ciclismo, sempre disponíveis. Não falta o que fazer», diz a A BOLA Américo Silva, antigo às do pedal e diretor desportivo da Aviludo-Louletano-Loulé Concelho, uma das equipas que testemunhámos manhã cedo e já após a meia-noite ainda a afinar toda a máquina naquilo que o adepto não vê: o imenso trabalho que dá estar tudo a brilhar para os ídolos do selim e pedal lhes darem alegrias.
A formação algarvia, que, quis o acaso, ficasse no mesmo hotel da equipa de reportagem de A BOLA, elucida de forma eloquente quem pense que isto da Volta se faz com meia dúzia de tostões e uma perna às costas.
A lista de coisas para aviar em terra antes de se fazerem ao alcatrão (ou empedrado) é extensa, qual talão de caixa do supermercado.
Um camião/oficina, um autocarro, três carros de apoio («mais o quarto, do marketing»), 21 bicicletas - três por cada corredor (duas ‘normais’, uma de contrarrelógio) -, rodas, raios, boiões de água, óleos, selins. E muita água. «120 boiões por dia se preparam, para os 15 dias». E com a diferença que Américo Silva acentua.
«Não é com orçamentos anuais como a das estelares Ineos, a rondar os €50M/ano, ou €40M/ano, como a Jumbo-Visma. Em Portugal? Orçamentos de €250 mil/ano ou €300 mil já não é para todos». E nem quis abordar os ordenados, quando comparado com outros desportos e o sacrifício que envolvem: a mão que levou à testa e o menear negativamente a cabeça a recordar os €700M que Mbappé rejeitou por um ano no Al Hilal (Arábia Saudita) dispensam comentários da disparidade paradoxal no mundo do desporto.
Depois, é o pessoal. Sorriem enquanto dão no duro todo o dia a afinar tudo o que é para mexer. Lisuarte Martins (filho do antigo corredor José Martins) e João Ferreira são os dois da formação louletana, que traz ainda três massagistas: Iuri Jorge, Daniel Silva e João Roque.
Os que ninguém vê na estrada, mas são os alicerces onde se constrói o êxito na Volta, e que os corredores veneram e respeitam com a humildade devida dos humanos aos deuses. Os corredores são a fachada, mas atrás de si uma máquina oleada apoia.
«São 15 a 20 pessoas, no total. Vamos tentar ganhar etapas nesta primeira semana, e, em termos de geral individual, tentar apostar no Jesus Del Pino e no Vicente Garcia de Mateos [ambos espanhóis] para o ‘top 10’. E temos o Tomás Conte para os sprints, além do Daniel Viegas, um miúdo a quem devem tomar atenção: batia-se com o João Almeida.
Um camião equipado e preparado de raiz já adaptado para ciclismo, se novinho em folha, «chega aos €100 mil». Uns ‘calcantes’ próprios para o pedal, «isso ronda os €400 a €500 o par».
E para quem esta quinta-feira está num sítio e amanhã noutro bem distante, «não falta a máquina de lavar nem de secar roupa», diz-nos Américo Silva, hoje com 59 anos, a recordar a Volta de 1985.
«Quando a Volta passava no Alentejo, havia poucos hotéis e dormíamos… em casa das pessoas locais, aos grupos de dois e três», recorda o diretor desportivo dos algarvios, com a paixão de sempre. Como se quer.