«Somos o gelo nas emoções»
Paulo Renato, presidente da Associação de Delegados de Futebol. Foto: D.R.

«Somos o gelo nas emoções»

NACIONAL23.11.202310:00

Paulo Renato, presidente da Associação Nacional de Delegados de Futebol (ANDF) faz o balanço de um ano de atividade e conta como são as funções daqueles agentes desportivos que trabalham na sombra para que tudo corra bem. Não foge à atualidade e comenta o arquivamento do caso dos ‘vouchers’, uma situação «empolada»

— Como nasceu e foi executada a criação da Associação Nacional de Delegados de Futebol (ANDF)?

— Houve um movimento entre os delegados no início do primeiro mandato de Pedro Proença como presidente da Liga. Havia algum descontentamento em relação às condições, houve reuniões, mas não estavam reunidas as condições, em particular porque muitas delegados tinham idade avançada e estavam poucos vocacionados para a vida associativa. Mas a situação manteve-se latente. No ano passado, fomos desafiados por Pedro Proença para avançar. Criámos uma comissão instaladora que desenvolveu e aprovou os estatutos. A associação tem a finalidade de contribuir para a integração e afirmação dos delegados nas competições profissionais e amadoras, masculinas e femininas, no futebol 11, futsal e futebol de praia, zelar pelo interesse dos associados.

— A ANDF completa um ano dia 25. O que já foi feito?

— Desenvolvemos o estatuto da carreira do delegado, fomos recebidos por diversas entidades oficiais a quem apresentámos os nossos objetivos e solicitámos apoio à nossa causa. Os objetivos principais pelo reconhecimento como associação de classe e por ter assento na Assembleia Geral (AG) da FPF como sócio ordinário, pela implementação do estatuto de carreira, que deve começar pela base, nas associações distritais, e passar pela progressão, por meritocracia, para a federação, futebol profissional (Liga) e UEFA. Os delegados mais bem classificados são os agentes mais bem preparados para ser convidados pela FPF como delegados da UEFA e atingir o topo da função. Esperamos num futuro próximo que seja uma realidade. A nossa missão, insisto, é valorizar a carreira, através da meritocracia e gestão de recursos humanos, zelar pelo interesse dos associados em estreita colaboração com a FPF, Liga, IPDJ, APCVD e as diversas associações distritais e regionais de Futebol e contribuirmos com a nossa experiência para o crescimento do espetáculo.

— Quantos sócios tem a associação?

—  Cerca de 60, num universo de 90 delegados oficiais, das associações regionais à Liga. Esperamos aumentar esse numero no decorrer desta época. A AF Algarve foi pioneira na introdução de delegados na sua principal competição, a AF Porto seguiu esse exemplo, tem um grupo de delegados ativos. Também nos reunimos com outras associações, como AF Lisboa, AF Braga e AF Viana do Castelo, que pretendiam arrancar esta época no mesmo sentido. Entregámos o projeto, mas, com certeza por decisões internas, ainda não avançou O projeto inclui todo o processo de formação a ser dado pela ANDF. Esperamos no decorrer do primeiro trimestre ter oportunidade de apresentar o projeto a todas as associações através da nossa presença no seu plenário mensal.

— Como está o processo para a integração da ANDF como sócio da AG da FPF?

— Estamos a fazer o nosso caminho, a cumprir todos os procedimentos e a reunir a documentação para apresentar o dossier na Mesa da AG, para discussão e aprovação. Pretendemos ter este processo concluído no final do primeiro trimestre de 2024. Precisamos da subscrição de sócios ordinários. A Liga, as associações e outras associações de classe, como a APAF ou  a ANEDAF (Associação Nacional dos Enfermeiros Desportivos), confirmaram que subscrevem a nossa candidatura.

O delegado garante a competente e eficaz articulação entre todas as equipas de acordo com o regulamento

— Quais são as funções de um delegado? 

— O delegado é o agente desportivo nomeado para cada jogo pelo organizador da competição. É o elemento que garante a competente e eficaz articulação entre todas as equipas de acordo com o regulamento de competições, apoia os promotores, reporta situações anómalas, dentro e fora do relvado, da assistência, assinala o que é reportado pelo comandante das forças de segurança ou outros agentes desportivos. Facilita as relações entre os diversos agentes: diretor de campo, diretor de segurança, comandante das forças de segurança, equipas, equipa de arbitragem, brigada antidopagem, comunicação social, entre outros. Garante as condições exigidas por regulamento para a realização do jogo. Dirige a reunião preparatória. Reporta à entidade organizadora a informação regularmente prevista, juntamente com a demais documentação do jogo.

Manuel Castelo, Paulo Renato e Ricardo Coelho, da Direção da ANDF. Foto: D.R.

— O que é preciso para alguém se tornar delegado? 

— Pode fazê-lo de várias formas. No futebol profissional, no final da época desportiva, a Liga promove cursos de formação para delegados. É um concurso nacional. O candidato passa por testes, entrevistas pessoais e os primeiros 10 entram para um grupo de estagiários, que cumprem um ano, sob acompanhamento da Liga, de estágio com diversas avaliações no terreno. No final da época, os primeiros quatro passam a integrar o grupo de delegados da Liga, em substituição dos últimos quatro classificados da bolsa de delegados, que deixam de exercer na época seguinte. Na FPF, houve situação de concurso, mas a prática é por convite. As associações têm métodos diferentes, convites e concursos. Uma das propostas do estatuto de carreira salvaguarda que exista o aproveitamento de todos os delegados, para rentabilizar o investimento na sua formação. Os últimos quatro classificados na Liga têm, hoje, de esperar um ou dois anos e passar novamente por todo o processo para ser reintegrados. No estatuto de carreira, considera-se que aqueles que são despromovidos possam continuar na FPF, no futebol amador, e tenham a possibilidade, mais tarde, de ascender novamente ao futebol profissional através de classificações de mérito. E aplicar, no fundo, esta prática, desde a base até ao topo da carreira . Isso permitiria que pudesse ser aproveitado todo o investimento, experiência e know how que adquiriram.

— Como é feita a avaliação dos delegados? 

— No caso do futebol profissional, há quatro avaliações no terreno, pela equipa de avaliadores da Liga, duas avaliações presenciais com testes escritos nas formações, e oito à distância, com testes e trabalhos. Cinco por cento da avaliação é feita pelos clubes.

— Quais são as situações mais complicas e mais satisfatórias?

— Um dos papéis do delegados é facilitar as relações entre os agentes desportivos da organização do jogo, de forma pró-ativa assegurar que são respeitadas as condições exigidas pelo regulamento, sermos o gelo emocional no jogo, estar atentos a tudo, apagar fogos de conflitos. Há outras situações, como pirotecnia, cânticos ou mau comportamento de adeptos, que não passam pela nossa intervenção. Mas, por exemplo, mantemos com a nossa ação as zonas técnicas tranquilas, sem problemas, sem contactos e com boa gestão de conflitos. Felizmente, salvo raras exceções conseguimos manter esse controlo emocional.

Paulo Renato no desempenho das funções em Alvalade. Foto: D.R.

As ofertas dos clubes são simbólicas e gestos de cortesia. Não podem ultrapassar o valor de 150 euros

— O Departamento Central de Investigação e Ação (DCIAP) arquivou o processo dos vouchers do Benfica. Quais as regras que os delegados têm de respeitar em relação à oferta dos clubes? 

— Assinámos o código de transparência e anticorrupção da Liga e temos de cumpri-lo. Analisamos sempre o que nos querem oferecer. Mas essa situação dos vouchers foi empolada. As ofertas dos clubes não passam de alguns produtos simbólicos, como uma camisola ou produtos regionais, e não podem ultrapassar o valor de 150 euros. São ofertas simbólicas, no final do jogo e meramente gestos de cortesia. São situações de saber receber, nada mais se passa que isso. Com os vouchers foi a mesma coisa. Posso dizer-lhe que cerca de 95 por cento dos delegados nem se apercebeu que com a caixa [kit Eusébio] estavam lá convites e ofertas de almoço. Eu recebi uma vez e nem me apercebi. Só depois de tomar conhecimento desse caso fui confirmar. E só dois ou três delegados da zona de Lisboa os usaram. A situação foi empolada. Devo dizer que o Sporting, que revelou a situação através do então presidente Bruno de Carvalho, também oferecia aos árbitros camisolas de jogo com o nome e a idade deles gravadas nas costas. As ofertas são um gesto cordial sempre feitas no final do jogo, independentemente do resultado e sempre na nossa presença e registado em sede de relatório do árbitro e do delegado.

Como está a ser a experiência de intercâmbio de delegados com a Liga espanhola?

— Na área de formação e experiências na Liga, temos essa parceria fantástica com La Liga, estivemos presentes em jogos em Espanha e eles em Portugal. Existe grande diferença de funções. Estamos mais ligados à organização e segurança do evento, enquanto os nossos colegas da La Liga estão mais vocacionados para a venda do produto, a comunicação, a imagem e a ligação aos patrocinadores e a tudo o que rodeia o evento e diz respeito a marketing e imagem. Deduzo que, com a centralização da venda dos direitos televisivos, o delegado, em Portugal, possa ter outras funções mais abrangentes nessa área. Agora, já damos uma contribuição nessa matéria sob a orientação do departamento de marketing da Liga. Mas com a centralização acredito que a realidade será diferente, mais próxima daquela que acontece na UEFA. A vocação deles é estar mais atentos à imagem e venda do produto televisivo.

Gostaria de acrescentar alguma coisa que considera importante?

— Neste primeiro ano, tivemos uma aceitação fantástica, fomos recebidos pelos secretário de Estado da Juventude e do Desporto [João Paulo Correia], Liga FPF, PNED (Plano Nacional de Ética no Desporto) e APCVD (Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto). De todos recebemos o reconhecimento da nossa função e o apoio para o percurso apresentado. Salientamos a recente recomendação da APCVD no desenvolvimento do estatuto e função do delegado com a introdução desse artigo no RPV (Regulamento de Prevenção de Violência). É um sinal importante e esperemos que essa recomendação seja implementada nas diferentes competições . Assinámos um protocolo com a Associação Portuguesa de Direito Desportivo, que proporcionará apoio aos delegados, um protocolo de entendimento e colaboração com a Liga, vamos assinar com a APAF e outras organizações de classe, para partilha de formação. Conseguimos e agradecemos  também protocolos importantes com a Galp e CP  no contributo dessas empresas nas deslocações dos delegados para os diversos estádios nacionais.