ENTREVISTA Samuel Costa: «Tenho a ambição de estar no Euro»
Aos 23 anos, é um dos jogadores portugueses em maior destaque na liga espanhola. Depois de duas temporadas no Almeria tornou-se no grande reforço do Maiorca, onde, às ordens do mexicano Javier Aguirre, é titular indiscutível.
MADRID — O Samuel Costa tem crescido no futebol espanhol a olhos vistos, mas conte-nos primeiro como foram os primeiros passos como jogador?
— Foi pela mão do meu pai, que também foi futebolista. Fui com quatro anos para o Beira-Mar e apesar da minha curta idade consegui jogar pelos federados. Estive lá seis anos, depois fui para o Gafanha, que estava no campeonato nacional e eu achava que era o ideal para mim. Joguei lá duas temporadas, voltei para o Beira-Mar e com 15 anos dei o salto para o SC Braga e foi então que comecei a explodir, o primeiro ano foi normal, o segundo melhor e assinei contrato como profissional. Subi para os juniores e na primeira temporada só fiz dois ou três jogos, mas na segunda, com Artur Jorge, fui capitão de equipa.
— E nesse momento teve outra conquista importante...
— Sim, cheguei à Seleção sub-19 e fui vice-campeão da Europa. Depois, quando regressei, subi à equipa B, com o Rúben Amorim, também estive com o Custódio, mas foi com o Artur Jorge que me estreei na equipa A, contra o FC Porto. Ganhámos e nessa temporada ficámos em terceiro lugar no campeonato.
— Surgiu, então, o Almeria...
— Foi um tiro no escuro, um passo sem saber para onde ia, nem o que me esperava. Mas achei que era o melhor para mim, porque no SC Braga poucas oportunidades teria de jogar. Felizmente, tudo correu bem e agora aqui estou no Maiorca.
— Como foi a adaptação ao futebol espanhol?
— Sem problemas, foi até bastante fácil, o meu futebol é um pouco diferente do que se pratica na segunda divisão espanhola, onde a intensidade não era assim tão alta e isso permitiu adaptar-me rapidamente, jogar a bom nível e ajudar a equipa a subir à primeira divisão, onde também me adaptei bem.
— Ter um treinador português ajudou?
— Sim, foi uma sorte ter encontrado o José Gomes. Foi um treinador que me marcou, que me ajudou muito. Quando cheguei disse-me que ninguém me conhecia, que tinha de trabalhar duro, confiou e pôs-me a jogar logo no primeiro desafio. É uma pessoa fantástica, nunca esquecerei o que ele e os seus adjuntos fizeram por mim. Se estou como estou neste momento é em boa parte graças a eles.
— O diretor desportivo do Almeria, João Gonçalves, teve influência na sua contratação?
— Não sei ao certo o que sucedeu, foi o Carlos Carvalhal, que era o treinador do SC Braga, quem me aconselhou a sair e quando cheguei o João recebeu-me com muito carinho e também dele recebi uma grande ajuda. Foram dois anos muito bons, muito intensos, deixei lá bons amigos, mas no futebol é difícil fazer a carreira inteira no mesmo clube, achei que era o momento de mudar de ares e agora sinto-me muito feliz no Maiorca.
— Acompanhou a carreira do SC Braga na Liga dos Campeões?
— Vi alguns dos seus jogos, acho que fez um muito bom papel, mas confesso que eu não gosto muito de ver jogos na televisão, só vejo alguns da liga portuguesa com equipas onde tenho amigos, mas sobretudo os das equipas que vamos defrontar. Quando chego a casa prefiro desconetar, distrair-me e fazer outras coisas que não sejam só futebol.
— O que poderá fazer o SC Braga na Liga Europa?
— É uma equipa completa, muito competitiva, que trabalha. E isso, no futebol atual, é mais importante que qualquer tática. Tem um grande treinador, o Artur Jorge, e acho que tem todas as possibilidades de ganhar a competição, que assim seja.
— E no Maiorca, como se adaptou?
— Acho que a adaptação depende menos da cidade, da liga ou do clube para onde se vai do que do próprio jogador e da sua capacidade para adaptar-se com maior ou menor rapidez. Eu não tenho dificuldades para me integrar na equipa onde chego e no Maiorca, com os companheiros e o treinador que encontrei, tudo foi muito mais fácil.
— Todos em Maiorca reconhecem que o Samuel foi o melhor e mais rentável reforço...
— Não leio muito o que se escreve sobre mim. Claro que é sempre bom ser reconhecido, mas procuro manter-me humilde, fazer bem o meu trabalho e ajudar a equipa, é para isso que aqui estou.
— Como avalia os outros portugueses que estão na liga espanhola?
— Não somos muitos, mas todos fazemos o melhor para deixar em bom lugar o futebol do nosso país.
— E sobre João Félix, ilustre compatriota, que pensa do trajeto dele?
— Não posso dizer nada porque não conheço as circunstâncias que ele tem vivido. Já joguei aqui contra ele e o que posso dizer é que é um grande jogador, com uma enorme qualidade, muito difícil de marcar e que com um lance seu é capaz de mudar um desafio.
— Quais são as principais virtudes do Samuel como futebolista?
— Honestamente, acho que sou um jogador bastante completo, tanto defensiva como ofensivamente, muito intenso e forte no um contra um, gosto de jogar para a frente, de trabalhar para os companheiros, tenho coisas boas, mas acho que posso ainda melhorar muito mais.
— Jogou no Bernabéu o ano passado, pelo Almeria, e este pelo Maiorca. Gostaria que, um dia, esse fosse o seu estádio?
— Jogar, pelo menos uma vez na vida, nesse estádio é um sonho para qualquer futebolista, já o tinha cumprido e, nesta segunda vez, o meu objetivo era ganhar. Não consegui, quase marquei um golo numa bola que mandei à trave, mas saímos com a cabeça bem levantava. Vestir a camisola do Real ou a de qualquer outro clube com essa grandeza é uma aspiração que sempre está presente, mas agora sou do Maiorca e é nele que está o meu coração.
— Que diferença vê entre o nosso futebol e o espanhol?
— O futebol espanhol é muito rigoroso, intenso, é muito difícil ganhar fora porque as equipas se tornam muito mais fortes na sua própria casa. É uma liga muito disputada, cheia de grandes jogadores e na qual é preciso jogar sempre com uma enorme concentração e não dar facilidades ao adversário, qualquer erro pode custar bastante caro. Mas é no ambiente dos estádios onde acho que há maiores diferenças, mesmo na segunda divisão espanhola estão sempre cheios, com vinte mil ou mais pessoas. Em Portugal os adeptos concentram-se à volta dos três ou quatro grandes, em Espanha, acima de todos, está o clube da cidade e é esse que mais apoiam.
— Nos seus planos de futuro, entra a possibilidade de voltar a jogar em Portugal?
— Essa é uma porta que está aberta, se surgir uma oportunidade interessante não vejo por que razão não aceitá-la, se tiver que continuar em Espanha, continuo, se tiver que ir para outra liga, vou. Há muitos fatores em jogo e nem todos dependem de mim.
— Julga que passar do Almeria para o Maiorca foi, realmente, um salto na carreira?
— Fui um pouco mais para a frente, ir pouco a pouco é como quero levar a minha vida, nunca fui uma pessoa de dar grandes saltos, gosto de ir passo a passo, este é um deles, o Maiorca é um grande clube, o treinador e os meus companheiros ajudam-me em tudo, sabem dar-me valor e adoro estar aqui.
— Não sente que já merece ser chamado à Seleção?
— Procuro ser positivo e fazer com que o facto de não ser convocado seja uma motivação para que possa aproveitar o melhor possível a oportunidade que, mais tarde ou mais cedo, sei que acabará por chegar. Tenho o maior respeito pelos escolhidos pelo selecionador, são todos grandes jogadores, mas sou consciente do meu valor.
— Que possibilidades temos no Europeu?
— Portugal é sempre um candidato, temos potencial para discutir o título com as outras grandes seleções, o Europeu é sempre uma competição complicada, ter uma má tarde e perder um jogo pode deixar-nos fora, mas confio muito na nossa equipa e espero que isso não aconteça.
— Tem esperança de fazer parte do grupo que irá à Alemanha?
— Claro que tenho e é para isso que trabalho, vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance, trabalho com a maior ambição mas, claro, quem decide é o selecionador.
— Acha que teria mais possibilidades de ser escolhido se estivesse num clube com mais projeção que o Maiorca?
— É complicado responder a essa questão, é verdade que o Maiorca, sendo importante, não é um clube que tenha como objetivo estar entre os grandes ou ser campeão, os jogadores que andam a ser chamados à Seleção estão nos melhores clubes do mundo e é possível que isso tenha alguma influência.
— Agora a Arábia Saudita está na moda. Gostaria de ir?
— Tenho sonhos e objetivos para cumprir na Europa e, por agora, é a eles que dou prioridade.
— O Cristiano Ronaldo está lá.
— Nunca tive o prazer de jogar com ele ou contra ele, só falámos uma vez quando eu estava no estágio da Seleção sub-19, veio ter connosco para nos animar. É um dos melhores jogadores de sempre, goste-se mais ou menos dele temos que o respeitar pelo grande trabalho que fez ao longo da carreira. Continua a grande nível, não pára e vejo-o não como um ídolo mas como uma pessoa a admirar, a ambição dele é parecida com a minha.
— Dos jogadores portugueses da sua geração, os que cresceram consigo, quais são os que mais destaca?
— São vários mas destaco o Pedro Neto com quem joguei no SC_Braga, é um grande jogador, um craque com má sorte com as lesões, o Nuno Tavares é um muito bom lateral e o Afonso Sousa é meu amigo desde miúdo, joguei com ele no Beira-Mar, agora está na Polónia, é um fora de série.
— Já falou do José Gomes, que outros treinadores o marcaram?
— O Filipe Ramos foi o primeiro a levar-me a uma seleção, o Artur Jorge acreditou em mim quando, no SC Braga, eu estava quase morto e agora o Javier Aguirre, um grande técnico mas o que mais aprecio nele é a grande pessoa que é, a proximidade com que lida com os jogadores, a facilidade com que nos motiva e consegue transmitir-nos a sua energia, não podia pedir melhor.
— Que foi isso de estar morto?
— Foi uma situação que não foi nada fácil, era um miúdo de 16 anos e foi horrível o que tive de passar, não tinha vontade de treinar nem de ir ao campo porque sabia que não ia jogar, nessa altura a ajuda do meu pai foi fundamental, sempre me animava e dizia que não era nos juniores que iria fazer a minha carreira. O que fiz foi passar o verão seguinte a treinar, trabalhar ao máximo para poder chegar à nova temporada melhor fisicamente que os outros, foi isso que aconteceu, o Artur Jorge decidiu apostar em mim e nomeou-me capitão, isso mudou a minha vida e a minha carreira. Passei de ter estado um ano sem jogar a ir à Seleção sub-19 e ser vice-campeão europeu, a ele lhe devo tudo isso.
— E por que razão não jogava?
— Não sei, conhecia muito bem as minhas capacidades, mas o treinador não contava comigo e eu tinha que aceitar e respeitar a sua decisão e fui acumulando uma raiva que me serviu para dar o salto no ano seguinte.