Salva pelo futebol: superou abuso sexual e pôs o padrasto na prisão
Debinha, de 22 anos, joga no Atlético Mineiro, mas a sua vida foi marcada por uma infância traumática, onde foi abusada sexualmente pela pessoa que a devia proteger...
Débora Souza Costa tem 22 anos. Nasceu e viveu até aos 17 anos em São Sebastião do Tocantins, uma pequena cidade com pouco mais de 4 mil habitantes, localizada no interior do estado do Tocantins, na região Norte do Brasil. Ainda no primeiro ano de vida, foi abandonada pelo pai biológico e acabou por ser adotada pela mesma família que já tinha acolhido a sua mãe biológica.
Debinha, como é mais conhecida, tem memórias de uma vida em que, para sobreviver, era necessário recorrer à caça e à pesca. No entanto, também guarda na memória pesadelos que a assombram desde os oito anos, quando foi violada pela primeira vez pelo pai adotivo.
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«Com a minha mãe, era muito bom. Mas depois entra a parte do homem que deveria ser o meu protetor. No caso, o marido dela... Foi uma época conturbada, eu sofri... Fui violada, para ser bem clara. Eu tinha oito anos e durou até os 12, foi bastante tempo», desabafou, em entrevista à ESPN. «Na época, não contei a ninguém, porque, quando és criança, não entendes aquilo, não entendia o ato. E também tinha medo de não ter para onde ir», continou.
Debinha relatou que a mãe adotiva nunca desconfiou dos crimes cometidos pelo marido, que ocorriam sob o mesmo teto onde todos viviam. Contou que o padrasto abusava dela quando a esposa saía com as filhas para ir às compras ou, por exemplo, para um baile de Carnaval. Foram nove anos de inferno, em silêncio. Ela sentia-se culpada, como acontece com a maioria das vítimas de abuso sexual.
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Salva pelo futebol
Debinha é apaixonada por futebol. Na infância e adolescência, costumava jogar descalça, entre rapazes, nos campos de terra. Sonhando em ser jogadora, encontrou no desporto o antídoto para aliviar a sua grande dor. Aos 14 anos, partiu em busca da realização do sonho.
«Saí de casa pela primeira vez para ir a um projeto em Goiânia, e conheci duas mulheres que ficaram muito comovidas com a minha história e ajudaram-me. proporcionaram morar com elas. Quando fui para a cidade, saindo do interior, comecei a repensar no que havia acontecido no passado e na minha infância e entendi que não era minha a culpa», contou.
Nas suas idas e vindas à terra natal, decidiu denunciar os abusos sofridos pelo pai de criação. A coragem surgiu quando suspeitou que o violador também poderia cometer os mesmos crimes com as netas. Debinha começou a conversar com as mulheres que rodeavam o padrasto. Falou com as suas duas outras filhas – a mais velha confirmou também ter sido abusada pelo próprio pai, enquanto a mais nova negou.
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«Um dia, voltei à minha cidade natal, para visitar a família que me criou, e a minha mãe de sangue também lá estava. Contei-lhe o que aconteceu comigo e ela relatou que tinha passado pelo mesmo, com o mesmo homem», recordou a jogadora.
Mesmo com essas confirmações, Debinha seguiu sozinha na busca por justiça, mas não desistiu de lutar. Decidiu gravar um vídeo e contar toda a história horrível que tanto a traumatizou. Publicou-o no Instagram, quando já caminhava para viver do futebol em Goiânia, longe da pequena cidade onde cresceu.
«Eu não sabia como pedir ajuda, não tinha orientação, nem nada. Postei o vídeo no Instagram porque já estava no meu limite, queria que aquilo acontecesse, e não sabia como fazer. Ninguém me deu apoio, foi do tipo: ‘Vamos lá, vamos denunciar isto’. Fiquei muito triste quando soube que ele não se contentou em estragar a vida da minha mãe, a minha...», lamentou.
Justiça por fim
O depoimento de Debinha nas redes sociais abalou São Sebastião do Tocantins. Trouxe à luz não apenas um escândalo sobre um criminoso que ainda trabalhava como zelador de uma escola, mas também gerou reações intensas. Debinha recebeu, claro, muito apoio, mas, inacreditavelmente, também críticas...
«Esse vídeo explodiu, tanto para coisas boas, quanto para más, porque recebi muitas mensagens horríveis, de pessoas dizendo que conheciam o homem da minha cidade, a dizerem que eu estava a estragar a família dele», disse.
O desfecho do caso, no entanto, foi eficiente e fundamental. Foi através do vídeo-denúncia que o pai biológico de Debinha, Edvaldo, inconformado com o abuso contra a filha, resolveu reaparecer para levar a denúncia até ao fim. Foi à Justiça e conseguiu a condenação a oito anos de prisão para o homem que abusou sexualmente da filha.
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«O meu pai biológico nunca fez nada por mim. Abandonou a minha mãe, a mim e ao meu irmão e nunca cuidou de nós. Mas ele foi corajoso em ter levado esta história para a frente. Eu não tinha com quem contar. Nessas horas, a vítima torna-se a culpada, não é? E ele foi fundamental para que a justiça fosse feita», declarou Debinha.
Com a sentença, Debinha pôde seguir, finalmente, em paz – apesar das marcas eternas – em busca do seu grande sonho. Saiu de Goiás para jogar por duas temporadas no São José, time do interior de São Paulo. Fez bons jogos e chamou a atenção do Atlético Mineiro.
Debinha está há pouco mais de um mês no galo e ainda terá de lutar pela titularidade, destacando-se como uma jovem revelação entre as várias opções para o meio-campo e o ataque.
Agora aliviada e com a cabeça totalmente focada na carreira, promete surpreender, consolidando um novo capítulo na sua história de vida: «Eu só consegui expor a minha história porque acredito que, daqui para a frente, terei uma missão. Uma missão de alertar os pais, as crianças e os jovens para que fiquem atentos a qualquer atitude suspeita. Para que não deixem tocar nas suas partes íntimas. Para que entendam que o abuso sexual é recorrente nas nossas casas, nas nossas próprias famílias.»
«Resolvi contar tudo, porque quero continuar a lutar para que violações, principalmente com pessoas vulneráveis, como crianças e adolescentes, nunca mais aconteçam neste nosso país, que é muito machista", finalizou a meia-atacante.
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Hoje, Debinha tem no Atlético o seu porto seguro. Conta com o apoio das outras jogadoras, da direção, da equipa médica e de uma psicóloga, um tipo de profissional com o qual nunca tinha lidado, mas que agora a ajuda a correr atrás do maior sonho: brilhar no futebol brasileiro e tornar-se uma porta-voz das mulheres contra qualquer tipo de violência sexual.