Entrevista A BOLA Rui Almeida: «Segunda liga francesa é como jogar todas as semanas contra Maregas na frente»
Técnico português treinou nos maiores escalões franceses e fala da «capacidade física» dos jogadores. Sobre a Arábia Saudita, diz, «já ninguém questiona» quando atletas para lá vão no pico de carreira
Rui Almeida rumou a França para treinar no segundo escalão, com uma experiência no Bastia, da Ligue 1. Diz o técnico que, nesse patamar, o futebol é muito físico, e conta o porquê de, na primeira Liga, ter de passar por um «ajuste e uma educação de culturas». O treinador português treinou figuras como Allan Saint-Maximin, ex-Newcastle, e agora treinado por José Mourinho no Fenerbahçe, que, no topo da carreira, foi para o Al Ahli, da Arábia Saudita, algo que, diz Rui Almeida, «já ninguém questiona».
- Depois de estar com Jesualdo Ferreira no Sporting, SC Braga, Panathinaikos e Zamalek, começou a carreira a solo e esteve no futebol francês. É muito diferente do português?
- Claro que há diferenças. Eu acho que um ponto principal é que, em França, na segunda liga, quase não há treinadores estrangeiros. Na primeira liga há alguns, na elite. Mas é uma liga tradicionalmente fechada a muita gente estrangeira. Depois, também tem características muito próprias. Aquela questão multicultural francesa traz ao campeonato essa especificidade. Portanto, é uma liga difícil. Na segunda, estive, felizmente, muitas vezes ligado a projetos de subida. Na primeira liga, estive no Bastia, que tinha uma questão engraçada: os adeptos exigiam, na cultura deles, a questão da pressão alta. Mas como é que se luta contra essa pressão dos adeptos quando uma equipa está a lutar claramente por sobreviver? Foi um ajuste e uma educação também de culturas. Foi progressivo até que conseguimos ir desfazendo um bocadinho a constante pressão. Com blocos altos, às vezes, mas não é o jogo naturalmente sempre nessa correria.
É um campeonato caracterizado muitas vezes pela velocidade desses avançados e pela qualidade que eles têm. A 2ª Liga é um bocadinho diferente. É uma liga com muitos clubes de baixas linhas e que fazem o jogo um bocadinho diferente. Mas tem muita qualidade. Às vezes as pessoas perguntam como é que é jogar a 2ª Liga. Lembro-me na altura que estava o Marega em grande momento no Porto e dizia: «É jogar todas as semanas contra Maregas na frente. Cada equipa tem dois, três Maregas sempre na frente. E essa é a dificuldade. É que jogamos com jogadores com qualidade e com uma capacidade física muito elevada também.
- Treinou, em França, jogadores como Saint-Maximin, que esteve no Newcastle, rumou à Arábia Saudita e, agora, joga no Fenerbahçe, de José Mourinho. Não estranha ver jogadores em pico de carreira a rumar ao campeonato saudita?
- Se fosse há 10 anos, acho que toda a gente questionava. Neste momento, ninguém se questiona, a partir do momento que há jogadores portugueses que estão lá no topo de carreira. Ainda há pouco tempo o Rúben Neves estava a falar disso em relação à dificuldade ou não de vir à seleção portuguesa. Acho que isso está ultrapassado desde que o jogador naturalmente jogue e consiga jogar com consistência. Portanto, eu acho que neste momento não, são decisões de treinadores e de jogadores. Estamos a dar um exemplo no português, mas há exemplos de vários treinadores mundiais. Ir à Arábia Saudita, neste momento, é como foi há uns anos à China.
- Mas vimos o que aconteceu na China, com clubes a irem à falência. Não pode acontecer o mesmo na Arábia Saudita?
- Não sei responder pela questão financeira, porque na China foi uma questão financeira, porque o governo cortou os apoios. Aquilo que eu posso dizer é que os clubes que estão agregados ao Reino não têm nada a ver. É um jogo à parte, os orçamentos são muito diferentes. O orçamento do Neom era, acho, 20 vezes superior ao do Al-Batin. Portanto, estamos a falar de uma coisa que é muito diferente. Não sei o que vai acontecer. Com a candidatura da Arábia Saudita ao Mundial, não poderá terminar, não é? Terá de subir, até. Mas parece-me a mim que eles também querem ter o investimento controlado, do ponto de vista dos clubes do governo.