EXCLUSIVO A BOLA «Quando saí da Real Sociedad para o Benfica senti-me uma estrela»
Entrevista a Edgaras Jankauskas, antigo avançado lituano que representou os dois clubes que se defrontam na quarta-feira, para a Champions
Viu mais de 100 jogos no último mês por obrigação inerente à função de selecionador da Lituânia que exerce atualmente, mas lembra-se perfeitamente do detalhe: «Foi ao minuto 63.» O lance a que se refere é um canto curto do Benfica no clássico frente ao FC Porto e uma superioridade 3 contra 2.
«Fizeram isso três vezes. Já roubei esse canto para mim. Digo-o sem vergonha», diz, em conversa com A BOLA, Edgaras Jankauskas, antigo avançado emprestado pela Real Sociedad ao Benfica em janeiro de 2002, uma transferência recordada nas vésperas do segundo jogo entre as duas equipas, para a Champions, agora em San Sebastián.
O lituano admite ter ficado «surpreendido» pelo crescimento da Real Sociedad, clube que representou durante dois anos. «Sempre foi uma equipa que lutou pela permanência e agora vai ganhar à Luz e bate-se de frente com Real Madrid e Barcelona», justifica, elegendo Kubo e Oyarzabal como elementos diferenciadores.
«Continua a ter jogadores e um treinador local que dão aquela garra basca de que sempre gostei, mesmo quando andavam em baixo. Faz lembrar um pouco o espírito do Norte de Portugal», refere.
Jankauskas jogou dois anos na Real Sociedad, clube pelo qual fez 57 jogos e 19 golos
Mas não se compara com a realidade benfiquista. «Eu só era conhecido em San Sebastián, podia ir a Valência e ninguém se dirigia a mim. Quando saí da Real Sociedad e fui para o Benfica senti-me uma estrela. Eram tantos jornalistas à minha espera no aeroporto! E depois senti isso um pouco por todo o lado, em Portugal e não só, durante o tempo em que joguei no clube. O Benfica tem uma dimensão incrível, incrível», descreve.
Foram apenas seis meses na Luz, mas com impacto: oito golos em 12 jogos, um deles no dérbi com o Sporting, um empate (1-1) que impediu a festa do título dos leões em casa. O FC Porto entretanto chegou-se à frente e conseguiu negociá-lo diretamente com os bascos, alinhando duas épocas nos dragões e conquistando uma Taça UEFA e uma Liga dos Campeões, além de Campeonato, Taça de Portugal e Supertaça.
«Mas o facto de ter jogado no FC nunca me deu para falar mal do Benfica. Nunca poderei falar mal de um clube que me tratou tão bem», continua Jankauskas. E revela um episódio recente: «Sempre adorei tascas. Há uns tempos fui a uma em Lisboa, o dono perguntou-me de onde eu era, disse-lhe que era da Lituânia e ele respondeu: ‘Olhe, já tivemos um lituano no Benfica. Jogou cá pouco tempo, mas fez vários golos, era assim alto e loiro, era bom’. Não me reconheceu. No final disse-lhe que era eu. Mas se ele tivesse falado mal de mim teria ficado calado [risos].»
Mourinho, Jesus e Amorim
«Nesta fase da vida damos mais valor às relações humanas e recordo-me dos bons amigos que fiz em Lisboa. Simão Sabrosa foi um eles», continua o agora treinador de 48 anos. O elogio ao antigo colega é de largas dimensões: «Um dos melhores jogadores que tive a meu lado, seguramente. Era top.»
Dos tempos no Benfica guarda também Jesualdo Ferreira, um dos treinadores com quem aprendeu. «Tive a sorte de ter trabalhado com técnicos muito bons. José Mourinho e até Jorge Jesus, no Belenenses», diz, assumindo ter bebido sabedoria de cada um.
«Quer as coisas boas quer as coisas más», realça. «As más experiências também servem de aprendizagem. Sei, por exemplo, que nunca fiz nem nunca farei palestras com os meus jogadores que demoram duas horas e meia», dispara, entre sorrisos.
Rúben Amorim é outro membro do atual quadro de técnicos da moda que merece deferência. «Joguei com ele no Belenenses [2008]. Não vou dizer que pensava que ele iria ser treinador, mas era muito inteligente. E ser inteligente é muito importante para as funções de treinador. Além disso era um gentleman. Fico muito feliz pelo sucesso dele», afirma.
Tendo jogado em dez países, da Rússia aos Estados Unidos, Edgaras Jankasukas teve uma vivência abrangente que o leva a ser muito «objetivo» nas análises. «Entre Real Sociedad e Benfica não torço por ninguém. Gosto dos dois», vinca as palavras, embora considerando que as águias têm «dimensão de Champions».
«Sempre fui neutral e agora ainda o sou mais. A minha função agora é roubar jogadas». Como diria Fabio Capello, um treinador é um ladrão de ideias. Jankauskas estará muito atento ao jogo entre bascos e águias. Com o bloco de notas aberto e o coração dividido.