18 dezembro 2024, 08:25
«Os clubes portugueses acordam rápido ou perdem Angola»
Pedro Gonçalves aproveitou presença recente de André Villas-Boas, presidente do FC Porto, em Luanda, para lançar o repto de aposta em Angola
O treinador português Pedro Gonçalves é o selecionador de Angola há cinco anos. O selecionador que está há mais tempo em funções em todo o continente africano. Que comandou os Palancas Negras ao segundo apuramento consecutivo ao Campeonato Africano das Nações. Um ano de 2024 em que foram batidos recordes e que abre o apetite para o futuro. Temas de uma grande entrevista a A BOLA
- O que representa mais este feito dos Palancas Negras?
- Representa o consolidar de um crescimento desportivo. Arrancámos a fase de qualificação com quatro vitórias, garantimos logo o apuramento e foi extremamente motivador. O que me orgulha mais neste apuramento é o nosso trajeto. A nossa capacidade de resiliência e foco.
- Falou em trajeto… Que trajeto é esse?
- Estamos em finais de 2019 e, após o mundial de sub-17, começo a ter tempo para idealizar um projeto que poderíamos concretizar: entre seis a oito anos tínhamos de estar no top 10 das seleções do futebol africano. Na altura, entre 54 seleções, Angola estava na posição 34., ultrapassada por todos os PALOP à exceção de S. Tomé e Príncipe. Mas acreditava. Pelo potencial de jovens jogadores que conhecia bem dos escalões de formação de Angola, como pelo acréscimo que jogadores na diáspora poderiam dar e a principal riqueza que o país tem, que são as pessoas.
- Estar num CAN é a validação deste percurso?
- Estar nas grandes competições é decisivo para alavancar o desenvolvimento e mobilização de todas as energias do país em prol da seleção. Fomos desenvolvendo um espírito de seleção, alargamos o leque de jogadores com potencial para seleção, enfrentamos alguma carência de recursos, até uma pandemia, os resultados não apareceram logo, mas as críticas deram estofo e sempre acreditámos no potencial…
18 dezembro 2024, 08:25
Pedro Gonçalves aproveitou presença recente de André Villas-Boas, presidente do FC Porto, em Luanda, para lançar o repto de aposta em Angola
- E passaram a bater recordes…
- Já tínhamos batido o recorde de vitórias dos Palancas em 2022, mas o ano de 2024 tem sido inesquecível…
- … que começa com o CAN, onde fazem história pelo recorde de pontos na fase de grupos e primeira vez que afastam uma seleção na fase a eliminar… E passa pela notícia no final do verão que Angola era a seleção mundial com mais vitórias em 2024…
- Esse dado apanhou-me de surpresa, confesso. Não estava à espera, mas é mais um dado que nos motiva a fazer mais e melhor.
- O CAN de 2025 é dentro de um ano, em Marrocos. Angola nunca passou dos quartos de final nesta competição. É pedir muito o apuramento para as meias finais e, aí chegados, dar asas ao sonho?
- Naturalmente, queremos sempre evoluir e melhorar… Temos um desafio pela frente. A Federação tem um novo presidente, o general Alves Simões. Estamos num período de transição, naturalmente agitado mas que entrará em velocidade de cruzeiro em breve. E temos de perceber se há um envolvimento global neste projeto e ambição.
- E isso passa pelo Governo angolano?
- Esse envolvimento tem mesmo de passar pelo Estado. Chamado a ajudar e ter uma voz naquilo a que nos queremos propor. Contribuir para definirmos o que podemos proporcionar a esta seleção que nos tem dado alegrias e apresentado resultados. Há um conjunto de países africanos que têm condições que não diferem do topo do futebol europeu. Temos vindo a fazer esse caminho, mas há ainda caminho a fazer. Só o enorme talento dos jogadores e a paixão dos angolanos é que não falta nunca. Continuo a acreditar que temos capacidade de entrar no lote das dez melhores seleções de áfrica. Temos de batalhar mais… Todos juntos.
- Em 2026 cumpre-se o vigésimo aniversário do momento mais alto dos Palancas: a presença inédita num Mundial, neste caso na Alemanha. Haverá melhor maneira de evocar esse feito do que regressar, em 2026, a um Mundial?
- O grande objetivo é mesmo o apuramento para o Mundial de 2026. E é um objetivo realista. O favorito no nosso grupo de qualificação é a seleção dos Camarões, a seleção africana com mais presenças num Mundial. Lidera o grupo, mas é um dos mais equilibrados grupos africanos de qualificação. Logo, está tudo em aberto. Acreditamos que temos potencial e a consistência para continuar a crescer. Faltam seis jogos muito exigentes… Fechamos nos Camarões, mas é um desafio para superar…
- Existe ainda a possibilidade de Florentino jogar nos Palancas Negras?
- Existe essa possibilidade. Desde 2019 que está identificado. Os contactos incentivaram-se nos últimos tempos, mas o Florentino ainda anão abriu essa porta. Respeito, até porque sempre houve frontalidade nesta abordagem. Mas a nossa comunicação mantém-se. Um jogador como Florentino tem condições para ser ponto nevrálgico na seleção. Depende da vontade dele, mas depende também, neste e em todos os casos, da avaliação que fizermos do grau de compromisso e espírito de missão que revelarem. Quem vai à seleção tem de ir com o espírito de pensar primeiro no que pode dar e só depois no que pode receber…
- Foi o que aconteceu com David Carmo, que aceitou representar Angola?
- O David Carmo tem sido um exemplo. Quando o abordámos para lhe dizer que gostaríamos que aceitasse jogar por Angola, ele pediu um tempo para maturar a decisão, o que é normal. O David Carmo é uma pessoa muito calma, muito madura. Quando me transmitiu a decisão de representar Angola, foi de tal modo enérgico e inequívoco que já não havia retorno… Estava mesmo comprometido com os Palancas. Angola precisa destes jogadores que sejam referências para os milhares de jogadores jovens angolanos.
- Chegou a Angola em 2015 para a formação do 1.º de Agosto, depois foi contratado pela federação angolana para as seleções de formação, subindo até à principal... Que relação tem com o país?
- Sinto-me angolano. Não sei quanto mais tempo serei selecionador de angola, mas é algo que me dá muita energia, ainda tempos muito para conquistar. É um pais encantador. Sempre me senti muito bem. Sempre andei na rua… Nas províncias o encantamento parece que redobra. O angolano é assim: todos somos família quando nos querem bem.
- Esteve nos cinco finalistas da CAF para melhor treinador de África. Não venceu, mas o que representa esta nomeação?
- É a validação de um percurso e o reconhecimento do esforço. Só facto de lá estar já foi positivo. Só acho que a seleção, pelos registos alcançados, também deveria estar nomeada como equipa do ano. Foi, de facto, um ano um ano extraordinário e que nos motiva imenso.