«O golo está mais caro que o azeite», a crónica do Benfica-Farense
Ao quarto de hora, o Benfica poderia ter o jogo resolvido; Há toda uma ansiedade coletiva na equipa; Farense - organização exemplar!
Um único, solitário e insuficiente golo, em quase quarenta remates à baliza, é motivo de reflexão. Nenhuma equipa resiste a uma estatística destas. Tanto mais que um quarto desses remates aconteceram em ocosiões evidente de golo. Pode tentar culpar-se o treinador, e é legítimo que se culpe, por ter levado doze minutos para reagir ao golo do Farense. Pode culpar-se Rafa por ter falhado tanto, mesmo que tenha sido ele a exceção que conseguiu, enfim, meter a bola na baliza do super herói Ricardo Velho. Nada pode explicar a catadupa de golos falhados e de oportunidades perdidas que não seja o foro psicológico. Esta equipa do Benfica, ou está sob o terrível efeito da bruxa má da Branca de Neve, ou os seus jogadores não conseguem conciliar as suas competências com a pressão a que estão sujeitos.
Muito se tem falado sobre o défice de Roger Schmidt na capacidade de leitura do jogo. Pertenço ao grupo, eventualmente maioritário, dos que pensa que essa é uma realidade com que o Benfica se defronta. No entanto, a questão essencial, como ontem ficou evidenciada, é do foro de uma complexa psicologia coletiva. Não se trata da soma de um conjunto de depressões individuais, mas de uma ansiedade coletiva, que se traduz em passes errados, em marcações hesitantes, em pressão deficitária sobre o adversário e, acima de tudo, numa brutal ineficácia atacante. A verdade é que para esta equipa do Benfica, o golo está mais caro do que o azeite, o que atendendo ao atual valor do clássico complemento do bacalhau do Natal se torna proibitivo.
Princípio que injustifica o fim
Ainda não tinha decorrido o primeiro minuto de jogo, quando o Benfica poderia ter feito o primeiro golo, no remate de primeira de João Mário. Seguiram-se dez, vá lá, quinze minutos de oportunidades sucessivas, mas o golo não apareceu. E, a partir daí, a equipa do Benfica foi perdendo confiança na exata proporção em que o Farense a foi ganhando. Um jogo que poderia estar resolvido ao quarto de hora, tornou-se incerto. O público falsamente eufórico da Luz contagiou de nervoso os jogadores. A equipa passou a jogar sobre brasas e quando isso acontece o mais natural é que todos se queimem. Pior, ainda, quando o Farense ganhou vantagem com o golo de Cláudio Falcão.
Roger Schmidt ficou de raciocínio congelado e levou doze intermináveis minutos a reagir. Era importante mudar alguma coisa, até para renovar a esperança de uma equipa em estado crítico. Quando mudou, tirou João Neves, menino querido da Luz, e trocou ponta de lança por ponta de lança. Ou seja, mudou pouco e na opinião das bancadas, mudou mal. Na verdade, não foi assim tão mal. A entrada de Musa procurava mais presença na área e a passagem de João Mário para o meio e, acima de tudo, a entrada de Gonçalo Guedes para a esquerda procurava dar ao Benfica a dinâmica que esse lado nunca tinha tido, com um João Mário redundante e circular.
Saltava à vista a ideia de um pequeno risco de tentar dois pontas de lança. Schmidt descobriu essa possibilidade aos 89 minutos. Para ser simpático, talvez um pouco tarde.
E não esquecer o Farense...
Segundo empate consecutivo do Benfica no Campeonato coloca os benfiquistas à beira de um ataque de nervos. Começa a tomar forma a ideia de que não será possível renovar o título. No entanto, a doença não é difícil de dignosticar. Está na cabeça de cada um e não nos pés o problema principal. E, ainda, o que não é de desvalorizar, no caso do jogo de ontem, esteve também na qualidade de organização da equipa de José Mota. O treinador português tem esta vantagem indiscutível. Trabalha muito em casa para estudar o adversário e, depois, durante o jogo, consegue ser mais intuitivo e sensível na leitura do jogo. O Farense foi, nesse aspeto, uma equipa exemplar. Nunca se deixou dominar pelo receio de perder o jogo. Mesmo em vantagem, teve determinação e coragem. Teve mérito.