Maarten Stekelenburg foi treinador seis anos nos sub-19 dos Países Baixos e dirigiu Kokçu, médio do Benfica; Pede tempo para que se conheçam as qualidades de um jogador «completo»
Mudança de hábitos na transição para sénior foi decisiva para o médio do Benfica; Gosto pelo ‘fitness’ forjou estilo de jogo expansionista; Internacional turco de regresso às opções de Roger Schmidt
— Treinou o médio do Benfica Orkun Kokçu nas seleções jovens dos Países Baixos, antes de ele optar pela Turquia. Como foi a evolução dele?
— Quando ele estava nos sub-19 já mostrava grandes capacidades técnicas, era um jogador muito evoluído. Mas ele melhorou muito com Arne Slot, treinador dele no Feyenoord. Cresceu bastante do ponto de vista físico até se tornar num futebolista de topo.
— Ele entretanto tomou a decisão de passar a representar a Turquia. Surpreendeu-o?
— Nunca notei sinais dele nesse sentido nem nunca falei com ele sobre isso. Mas como não participei nesse processo, não comento. Falei muito com ele ao longo do tempo, mas nunca sobre essas questões.
— Como o define enquanto médio?
— Ele não é um número 10. Joga melhor como 6 ou 8. O ideal para ele é um sistema em que joguem três médios e ele seja um dos interiores para fazer o que ele faz melhor: grande capacidade para iniciar o processo ofensivo, principalmente frente a adversários que fazem pressão alta, por vezes recuando até à zona dos centrais e, depois, esticar o jogo com as suas corridas constantes em profundidade, estendendo a equipa. Ele faz isso como poucos.
— Utilizava-o na seleção como um 10?
— Na nossa seleção ele jogava a 10 devido às suas qualidades, mas foi no Feyenoord que evoluiu muito as suas capacidades físicas e de resistência. O ponto forte dele é a construção e a fase final de ataque, mas isto implica que a equipa funcione com uma grande rotação, ou seja, que os outros jogadores também possam sair das suas posições naturais e permitam uma grande circulação. Para este tipo de futebol, ele é o médio ideal.
— Isso que acaba de observar é muito do que é o ADN do futebol neerlandês, onde Kokçu nasceu.
— É verdade. Kokçu cresceu num futebol onde a flexibilidade era a palavra de ordem. No caso dele, surgia no início do processo ofensivo e posteriormente estava junto da área. É preciso que a rotação se faça: os médios rodarem, os centrais por vezes entrarem na zona dos médios, os avançados descerem, os laterais irem para dentro… e depois ter um jogador como Kokçu pode fazer a diferença porque ele é muito bom em dois momentos: na hora de construir atrás e no momento de definir à frente.
— Isso implica uma liberdade que ele não parece ter no Benfica.
— Não consigo ver jogos do Benfica para perceber isso, mas ele é um médio que gosta e precisa de ter essa flexibilidade para mostrar o melhor que tem. É importante que os outros médios também façam essa rotatividade para que ele possa surgir nas tais zonas diferentes do campo, quer no primeiro terço quer no último. Ele desloca-se muito rapidamente entre essas zonas e é muito ágil mentalmente, lê muito bem o jogo, é um jogador muito inteligente. De qualquer forma, e porque talvez ainda não esteja totalmente adaptado ao novo clube e ao futebol português, Kokçu ainda precisa de algum tempo até se exibir no plano máximo.
— Pelo que conhece dele, Kokçu pode acusar o facto de ter sido o jogador mais caro de sempre do Benfica e do futebol português?
— Não me parece, ele é mentalmente muito seguro. Mas é preciso lembrar que ele ainda é muito jovem, tem apenas 22 anos, ainda não tem o seu processo de maturação concluído. Às vezes ele dá a sensação de ser mais velho pela forma como joga, mas, repito, ele ainda é bastante jovem.
— Vê-o como um líder?
— Na nossa seleção ele era um líder no campo. Não por acaso foi o meu capitão. Não é aquilo que se chame de líder natural, mas é-o no campo. É um dos primeiros a entrar na luta quando necessário.
— Nos Países Baixos falou-se muito do facto de ele ter saído para o Benfica e não para outro clube europeu, com maior capacidade financeira e mediatismo, como se sair do Feyenoord para um grande de Portugal não fosse um passo acima. Qual é a sua opinião?
— Nestas idades, o mais importante é ir para um clube onde possa acima de tudo jogar. Mas o Benfica é um clube de topo e ir para o Benfica foi um grande passo para ele. Talvez tivesse sido bom para ele ter ficado mais um ano no Feyenoord, mas ele foi o melhor jogador do campeonato e depois deve questionar-se: qual é mesmo a melhor altura para sair?