Kokçu: a transformação de um médio
Orkun Kokçu, médio do Benfica (Imago/Gribaudi/ImagePhoto)
Foto: IMAGO

Kokçu: a transformação de um médio

NACIONAL25.11.202308:45

Mudança de hábitos na transição para sénior foi decisiva para o médio do Benfica; Gosto pelo ‘fitness’ forjou estilo de jogo expansionista; Internacional turco de regresso às opções de Roger Schmidt

Tem sido um início de temporada abaixo do seu valor. Quem o conhece sabe que Orkun Kokçu pode dar mais no Benfica e aproximar-se dos patamares elevados no Feyenoord, quer do ponto de vista técnico, mas também físico. Este aspeto, aliás, é algo que se tornou uma obsessão durante a transição para o futebol sénior, o que fez dele um superatleta no contexto da equipa de Roterdão.

«Isso aconteceu no período em que ele passou de júnior para sénior. Ele percebeu que ou evoluía e aumentava a intensidade ou ficava para trás. Concluiu isso muito cedo e então tomou a decisão de começar a fazer um trabalho específico e individual de treino», conta a A BOLA Maarten Stekelenburg, ex-selecionador dos sub-19 dos Países Baixos, país que o futebolista representou antes de optar, mais tarde, pela seleção da Turquia.

«Ele beneficiou do incentivo e da influência de Arne Slot [treinador do Feyenoord] e de haver um grupo de outros jovens do clube que também decidiram seguir o mesmo caminho», detalha o técnico neerlandês.

Maarten Stekelenburg, D.R.

Uma reportagem da ESPN publicada em maio confirma-o: o segredo da transformação de Kokçu esteve na mudança de hábitos, de mentalidade e num trabalho intensivo de fitness que ia muito para lá do que fazia no clube.

«Ele telefonou-nos depois do primeiro jogo europeu da época [2021/2022]. Isso foi sob o comando do novo treinador [do Feyenoord] Arne Slot. Ele também o tinha aconselhado a treinar-se de forma diferente, a ganhar mais força e a tornar-se mais explosivo», contaram Jordan e Hans Kroon, proprietários de um ginásio local e personal trainers de outros jogadores, casos de Ron Vlaar (AZAlkmaar) e Stefan de Vrij (Inter).

«Ele não tinha um plano e uma estrutura na sua dieta. Tentámos torná-lo mais consciente do que ele já era para saber fazer as melhores escolhas no futuro»

«Quando era mais novo, Kokçu estava habituado a relaxar no verão em vez de treinar. Os quilos a mais depois das férias de verão eram visíveis», recordou Jordan. Foi então traçado um plano de treino e nutrição para recuperar o atraso: «Ele começou a viver a vida de um futebolista profissional. Até que ponto queremos trabalhar para tirar o máximo partido de nós próprios? Isso passa pelos padrões de sono e pelos hábitos alimentares, por exemplo. Tudo isso junto faz o processo. Todos esses ingredientes fazem-no dar um passo em frente no seu desenvolvimento.»

«Ele não tinha um plano e uma estrutura na sua dieta. Tentámos torná-lo mais consciente do que ele já era para saber fazer as melhores escolhas no futuro», lembrou Jordan Kroon, revelando a influência positiva de outra joia da formação do Feyenoord, transferido em 2022 para o Manchester United, por €15 milhões: «Kokçu também tinha visto a evolução do seu colega de equipa Tyrell Malacia, que, tal como ele, veio da Academia do Feyenoord e ficou tão em forma que foi logo chamado à seleção nacional.»

As duras mas sábias conversas com Arne Slot fizeram o resto: «Arne Slot também lhe disse que algo tinha de acontecer se ele quisesse estar à altura da posição de número dez. E também se quisesse ser o homem que pretendia ser.» 

Arne Slot, treinador do Feyenoord (IMAGO/Box to Box Pictures)

Kokçu ficou convencido e viciado quando os resultados começaram a aparecer. Fazia três sessões de treino diárias: o treino de ginásio no clube, treino normal com a equipa e uma sessão privada ao final do dia com os personal trainers. Esta faceta surpreendeu os adeptos do Feyenoord, aplaudindo o turco com a cadência das suas corridas em profundidade.

De um ano para o outro, o médio tornou-se no jogador com os melhores índices físicos da equipa e criou uma imagem de marca: quando as partidas já caminhavam para o fim, Kokçu continuava a fazer sprints de 60 a 80 metros, fosse a perseguir um avançado ou a chegar à área contrária para finalizar uma jogada. «O facto de algo que parecia ser o seu ponto mais fraco ser agora um dos seus pontos fortes deixa-nos incrivelmente orgulhosos», observou Hans Kroon, na reportagem da ESPN.

Estas capacidades físicas acabaram por forjar um estilo: Orkun Kokçu tornou-se num médio expansionista, mas ainda não encontrou a melhor forma de se expressar no Benfica. Fonte muito conhecedora do seu jogo diz a A BOLA que o internacional turco ainda estará um pouco preso de movimentos no novo clube porque estava habituado a ter maior raio de ação e ainda mais protagonismo. Mas porque ele «lê muito bem o jogo» conseguirá em breve encontrar o caminho para a desejada liberdade.

Melhor está para vir

O número 10 das águias deverá regressar à competição esta noite (20.45 h), frente ao Famalicão, para a Taça de Portugal, após um mês de ausência (último jogo foi a 24 de outubro, na receção à Real Sociedad, para a Champions).

Teve de parar de vez para debelar uma fascite plantar no pé direito, um tipo de lesão que depende do grau de dor para deixar um desportista fora da competição. Não há sinais de quando surgiu o problema, mas foi garantidamente antes. Não por acaso, dos 11 jogos feitos pelo Benfica, Kokçu só fez os 90 minutos em três (E. Amadora, V. Guimarães e FC Porto).

A obsessão pelo fitness continua, mas no contexto Benfica não é uma característica que o faz realçar dos demais porque o ponto de chegada é alto. O trabalho de ginásio e pré-treino é de elite, a diferença é que para Kokçu, ao contrário de jovens jogadores provenientes de outras latitudes, este é mais um dia no escritório. 

Neste recomeço, as águias acreditam que a melhor versão do médio está para chegar. E justificar os €25 milhões que fizeram dele o futebolista mais caro do Benfica e da história do futebol português.