O presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista, concedeu uma entrevista a A BOLA, no Dia Europeu contra o Tráfico de Seres Humanos. O dirigente foi frontal como é seu hábito e não tem dúvidas da importância do tema. O sindicato dos Jogadores bate-se há vários anos contra o tráfico humano no futebol português. Como está a situação?— Tem valido a pena numa dupla perspetiva, institucional, na medida em que o Sindicato se associa à defesa dos Direitos Humanos, mas também pessoal, porque estou a exercer a minha cidadania, ao não ser indiferente, nem cúmplice pelo silêncio. Estes jovens podiam ser meus filhos, alimentam o sonho de serem futebolistas, e de repente estão perante um pesadelo que coloca em causa o seu futuro. Portanto, não só vale a pena, como naquilo que depender de mim e do Sindicato, iremos continuar a colocar o tema na agenda do desporto, doa a quem doer. — Numa matéria desta natureza, o SEF não devia intervir mais?— Sim, porque na verdade este tema não é apenas desportivo. Nem é um tema do Sindicato. Mas não podemos ficar indiferentes aos jogadores que nem sequer são nossos sócios, alguns deles nem federados estão, mas batem-nos à porta, sem terem de comer nem onde dormir. E nós fomos a única instituição que sempre que isso aconteceu, não só deu condições de estadia aos visados, como garantiu o regresso em segurança aos seus países. Já pagámos viagens a dezenas de jogadores! — E não havia outras entidades que pudessem arcar com a responsabilidade e desempenhar esse papel? — Pois, mas põem-se a discutir se é tráfico, se é auxílio à imigração ilegal, ou se é burla, vão, dessa forma excluindo, e não fica ninguém para dar resposta a este problema. E foi precisamente por isso que, a determinada altura, fui obrigado a enviar uma carta ao secretário de Estado e à FPF, onde dizia basicamente que não estávamos perante um problema do Sindicato, mas sim da comunidade desportiva e do País, que se arriscava a ser acusado de não prestar auxílio a quem mais precisava. — Porque é que Portugal se tornou na principal porta de entrada na Europa deste tipo de tráfico? — Portugal é uma plataforma giratória, por razões históricas e pela ligação a África e à América do Sul. Depois, no futebol, somos uma referência, não só na formação como no facto de nos termos transformado num trampolim para a Europa. Cristiano Ronaldo é o ídolo de infância da maioria destes jogadores… E o que é facto é que houve um conjunto de indivíduos que se aperceberam desta oportunidade e começaram a explorá-la sem escrúpulos. — Qual é o modus operandi dessas máfias?— Abordam os jogadores nos países de origem, prometem-lhes um clube, muitas vezes com cartas-convite, e é bom realçar que há clubes em Portugal que são cúmplices dessas organizações criminosas, tornam-se verdadeiras barrigas de aluguer, criando expetativas aos jogadores que vão dar primeiro o salto interno e depois internacional. — Estamos a falar de jogadores com que idades?— No caso da BSports eram muito jovens. Mas na maior parte das situações são maiores de 18 anos. Mas mesmo os futebolistas entre os 18 e os 23 anos não deixam de ser jovens, que ainda não estão formados integralmente, mais a mais se vêm de países onde as condições de vida são difíceis. Do ponto de vista do dano que é infligido, naquele período de abandono, ao ser humano, trata-se de algo irreparável. — Mas houve países europeus que antes de nós passaram pelo mesmo…— Em 2001, a luxemburguesa Viviane Reding, que foi comissária europeia de Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania, foi confrontada com um fenómeno de jogadores abandonados, sobretudo na Bélgica, e exigiu à FIFA uma mudança de paradigma, nascendo aí o regulamento internacional que proíbe transferências de menores de 18 anos no plano internacional e de menores de 16 no plano europeu. Seguiram-se as habilidades típicas dos clubes, que contratavam os pais e o filho só os acompanhava. Aliás, Real Madrid e Barcelona foram sancionados por essas práticas. De então para cá, a legislação foi apertando, mas só até aos 18 anos. E a verdade é que com 19 anos se continua a ser jovem adolescente! — Esses jogadores, referenciados nos países de origem, são contratados porque lhes é reconhecido potencial futebolístico?— Não. A única preocupação é ganhar dinheiro. Se por acaso algum deles tiver talento, é um bónus. Mas o esquema está organizado assim: há um clube em Portugal que aceita receber esse jogador, criando ilusão ao próprio e aos pais… — De que tipo de clube falamos?— A maior parte das vezes dos Distritais, muitas vezes financiados pelos agenciadores, que pagam um curto período de experiência, abandonando, de seguida, os jovens à sua sorte. A sangue frio. Muitos deles batem-nos à porta e só têm a mala. E este fenómeno está a expandir-se ao futebol feminino, há pouco fomos abordados por jogadoras colombianas a quem tinha sucedido o mesmo.