ENTREVISTA A BOLA «Fracasso de João Pereira? Quando ninguém acredita, quebra-se o elo»
João Henriques analisa os últimos tempos do Sporting, em particular a difícil transição de Ruben Amorim para o agora ex-treinador dos leões, substituído por Rui Borges. E também fala do novo FC Porto
– Como se explica que a mudança de treinador no Sporting tenha sido tão fraturante?
– Quando o que transmitimos é aceite do lado contrário, até pode ser a ideia mais estapafúrdia que ela funciona. Funciona porque as pessoas acreditam e, por isso, executam, operacionalizam, e as coisas têm sucesso. Agora, quando a mensagem não passa, quando ninguém acredita, está quebrado aquele elo que é importante para qualquer líder que pretende ter os seus seguidores, na ideia, nos comportamentos, naquilo que é a imagem que se quer ter. Quando isso não passa, é muito difícil depois haver sucesso.
– Foi esse o problema no Sporting? A mensagem de João Pereira não passou?
– A quebra também teve um pouco disto: há sempre uma comparação com aquilo que as pessoas acham que é o excelente, a excelência. Eu tenho aqui a excelência e agora o que vem a seguir já não presta. Já está pré-concebida essa ideia, por muito esforço que haja do outro lado, e dá muito trabalho até conseguir ganhar a confiança das pessoas que acreditavam noutra coisa qualquer.
– Mas, no City, o problema não será esse e a equipa vive o pior momento da história recente, com uma série inesperada de derrotas…
– Guardiola não deixou de ser um dos melhores treinadores. Mas há momentos em que corre menos bem e a equipa duvida daquilo que está a fazer. Quando o resultado é bom, as pessoas acreditam, isto funciona. Quando não há o resultado, nós todos temos essa tendência, o próprio treinador, de duvidar: mas o que é que eu estou a fazer menos bem, o que é que aconteceu agora, o que é que eu vou mudar? Já começa a criar a dúvida e na cabeça do jogador é igual. É com essas incertezas todas que vão para dentro de campo. Quando já não há aquela confiança no que estão a fazer, já é aquele 1% que vai estar ali, a ser um entrave naquilo que é a fogueira. E pode crescer, se corre alguma coisa mal ao segundo minuto, ao quinto minuto, ao décimo… E se passa para o jogo seguinte começa a acumular. Mas isto são ciclos normais. Até o Klopp teve uma ascensão meteórica do Mainz até ao Dortmund, e depois tem uma época no Dortmund em que quase desceu de divisão.
– O que pode um treinador fazer para alterar a fase negativa?
– Como costumo dizer, já não tem a ver com os pés, é só o caixote cá em cima [a cabeça] a levar-nos para o lado da dúvida, da incerteza. E acontece connosco na vida. Quando começamos a conduzir, temos medo de tudo, mas, após muitos anos de condução, já nem sabemos como é que chegámos a um sítio, é tudo natural, sem pensar. Agora, se temos um acidente pelo meio, vamos andar ali um período em que vamos outra vez olhar para o pisca, pelo espelho, estamos atentos a tudo e mais alguma coisa. E é muito o que acontece com as equipas. No Sporting, já ninguém olhava para o espelho, já todos passavam nos cruzamentos sem olhar, passavam por cima. Porque a confiança era tal. Neste momento, até as cedências de passagem passaram a ser stops. E os sinais amarelos, quando a gente os vê, já está a travar muito antes. É isto.
– A ideia que João Pereira passou, ou por proteção inicial, ou por ter algum cuidado, ou por falta de hábito também, foi um desastre comunicacional…
– Quando os resultados não aparecem, lá está... já passa para dentro, já toda a gente desconfia. E acho que o João chegou desconfiar das suas próprias capacidades, de tal modo que ia para as flashes, para as conferências, a pensar muito nas coisas, quando anteriormente se calhar até era algo que já era natural e que nem sequer pensava muito, era a pergunta-resposta, era natural a resposta, era muito claro, muito aberto, e às tantas... E chega-se a uma altura que se já vai a pensar, se me perguntarem isto, eu tenho que ter cuidado, não posso dizer aquilo. E isto cria sempre aquela imagem de que, olha, ele está aflito. Eu não estou a falar do João Pereira, estou a falar dos treinadores em geral.
Já havia sinais com Ruben Amorim de que a equipa já não estava tão fluida, tão consistente
– É algo que vai mudar agora com o regresso às vitórias?
– Com resultados positivos, a comunicação de conferência para conferência vai melhorando, porque também passar de uma situação pouco mediática para esta, extremamente mediática com o peso que tem, nunca é fácil para ninguém. Ao ganhar, é muito mais fácil essa comunicação, mesmo que a comparação com Amorim esteja, ainda nesta fase, sempre em cima da mesa. A comparação dos resultados, a comparação da qualidade de jogo, a comparação dos remates, vem tudo à tona. Mas o Sporting é um clube grande e os próprios jogadores e o treinador vão fazer com que a equipa vá ganhar mais do que perder.
– Há quem mencione que já na fase final de Amorim havia sinais de quebra…
– Ruben Amorim tinha uma questão: quando acontecer a primeira derrota, como é que vai ser a reação? E já havia sinais de que poderia acontecer a qualquer momento, porque a equipa já não estava tão fluida, tão consistente. Também há algumas lesões recorrentes de alguns jogadores mais influentes, como Nuno Santos ou Pedro Gonçalves. E há, sempre, a questão da comparação com a excelência. E isso é sempre mais difícil.
– E que dificuldades encontra no FC Porto do ponto de vista do treinador?
– Há muita divisão ainda no FC Porto, ainda não é um Porto. Nota-se, porque o Porto sempre foi muito fechado, muito só a uma voz. 40 anos de presidência pesa muito, pesa muito. E neste momento é um bocadinho em roda livre. Quando às pessoas lhes apetece contestar, contestam. Pesa muito, porque havia lideranças muito fortes. O presidente, que era o presidente de todos os tempos, Pinto da Costa, e o Sérgio Conceição, com 7 anos de banco. A sua substituição também iria ser sempre muito complicada. Ainda para mais da forma como aconteceu. Nada tem a ver com as competências, eu digo sempre isto, dos treinadores, tem a ver com contexto, que pode se tornar mais facilitador ou menos facilitador para o trabalho dos jogadores e do treinador.
– Mas, no Sporting e no FC Porto, o problema era só o treinador?
– Não podemos esquecer que perderam grandes referências de liderança de balneário. No caso do FC Porto, o Pepe, o Taremi, jogadores com muito peso no balneário. Hoje, os capitães são mais novos, sem esse peso ainda, o que não ajuda nesta transição. O Sporting também está a pagar um pouco isso, essa ausência, neste momento, de jogadores como o Coates e o Neto, se calhar o próprio Paulinho, também mais velho e mais experiente. Quando as coisas estão a correr bem, é muito fácil. É quando as coisas estão a correr menos bem que estes elementos são fundamentais.