– Como se explica que a mudança de treinador no Sporting tenha sido tão fraturante?– Quando o que transmitimos é aceite do lado contrário, até pode ser a ideia mais estapafúrdia que ela funciona. Funciona porque as pessoas acreditam e, por isso, executam, operacionalizam, e as coisas têm sucesso. Agora, quando a mensagem não passa, quando ninguém acredita, está quebrado aquele elo que é importante para qualquer líder que pretende ter os seus seguidores, na ideia, nos comportamentos, naquilo que é a imagem que se quer ter. Quando isso não passa, é muito difícil depois haver sucesso. – Foi esse o problema no Sporting? A mensagem de João Pereira não passou?– A quebra também teve um pouco disto: há sempre uma comparação com aquilo que as pessoas acham que é o excelente, a excelência. Eu tenho aqui a excelência e agora o que vem a seguir já não presta. Já está pré-concebida essa ideia, por muito esforço que haja do outro lado, e dá muito trabalho até conseguir ganhar a confiança das pessoas que acreditavam noutra coisa qualquer. – Mas, no City, o problema não será esse e a equipa vive o pior momento da história recente, com uma série inesperada de derrotas…– Guardiola não deixou de ser um dos melhores treinadores. Mas há momentos em que corre menos bem e a equipa duvida daquilo que está a fazer. Quando o resultado é bom, as pessoas acreditam, isto funciona. Quando não há o resultado, nós todos temos essa tendência, o próprio treinador, de duvidar: mas o que é que eu estou a fazer menos bem, o que é que aconteceu agora, o que é que eu vou mudar? Já começa a criar a dúvida e na cabeça do jogador é igual. É com essas incertezas todas que vão para dentro de campo. Quando já não há aquela confiança no que estão a fazer, já é aquele 1% que vai estar ali, a ser um entrave naquilo que é a fogueira. E pode crescer, se corre alguma coisa mal ao segundo minuto, ao quinto minuto, ao décimo… E se passa para o jogo seguinte começa a acumular. Mas isto são ciclos normais. Até o Klopp teve uma ascensão meteórica do Mainz até ao Dortmund, e depois tem uma época no Dortmund em que quase desceu de divisão.– O que pode um treinador fazer para alterar a fase negativa?– Como costumo dizer, já não tem a ver com os pés, é só o caixote cá em cima [a cabeça] a levar-nos para o lado da dúvida, da incerteza. E acontece connosco na vida. Quando começamos a conduzir, temos medo de tudo, mas, após muitos anos de condução, já nem sabemos como é que chegámos a um sítio, é tudo natural, sem pensar. Agora, se temos um acidente pelo meio, vamos andar ali um período em que vamos outra vez olhar para o pisca, pelo espelho, estamos atentos a tudo e mais alguma coisa. E é muito o que acontece com as equipas. No Sporting, já ninguém olhava para o espelho, já todos passavam nos cruzamentos sem olhar, passavam por cima. Porque a confiança era tal. Neste momento, até as cedências de passagem passaram a ser stops. E os sinais amarelos, quando a gente os vê, já está a travar muito antes. É isto. – A ideia que João Pereira passou, ou por proteção inicial, ou por ter algum cuidado, ou por falta de hábito também, foi um desastre comunicacional…– Quando os resultados não aparecem, lá está... já passa para dentro, já toda a gente desconfia. E acho que o João chegou desconfiar das suas próprias capacidades, de tal modo que ia para as flashes, para as conferências, a pensar muito nas coisas, quando anteriormente se calhar até era algo que já era natural e que nem sequer pensava muito, era a pergunta-resposta, era natural a resposta, era muito claro, muito aberto, e às tantas... E chega-se a uma altura que se já vai a pensar, se me perguntarem isto, eu tenho que ter cuidado, não posso dizer aquilo. E isto cria sempre aquela imagem de que, olha, ele está aflito. Eu não estou a falar do João Pereira, estou a falar dos treinadores em geral. Já havia sinais com Ruben Amorim de que a equipa já não estava tão fluida, tão consistente – É algo que vai mudar agora com o regresso às vitórias?– Com resultados positivos, a comunicação de conferência para conferência vai melhorando, porque também passar de uma situação pouco mediática para esta, extremamente mediática com o peso que tem, nunca é fácil para ninguém. Ao ganhar, é muito mais fácil essa comunicação, mesmo que a comparação com Amorim esteja, ainda nesta fase, sempre em cima da mesa. A comparação dos resultados, a comparação da qualidade de jogo, a comparação dos remates, vem tudo à tona. Mas o Sporting é um clube grande e os próprios jogadores e o treinador vão fazer com que a equipa vá ganhar mais do que perder.– Há quem mencione que já na fase final de Amorim havia sinais de quebra…– Ruben Amorim tinha uma questão: quando acontecer a primeira derrota, como é que vai ser a reação? E já havia sinais de que poderia acontecer a qualquer momento, porque a equipa já não estava tão fluida, tão consistente. Também há algumas lesões recorrentes de alguns jogadores mais influentes, como Nuno Santos ou Pedro Gonçalves. E há, sempre, a questão da comparação com a excelência. E isso é sempre mais difícil. – E que dificuldades encontra no FC Porto do ponto de vista do treinador?– Há muita divisão ainda no FC Porto, ainda não é um Porto. Nota-se, porque o Porto sempre foi muito fechado, muito só a uma voz. 40 anos de presidência pesa muito, pesa muito. E neste momento é um bocadinho em roda livre. Quando às pessoas lhes apetece contestar, contestam. Pesa muito, porque havia lideranças muito fortes. O presidente, que era o presidente de todos os tempos, Pinto da Costa, e o Sérgio Conceição, com 7 anos de banco. A sua substituição também iria ser sempre muito complicada. Ainda para mais da forma como aconteceu. Nada tem a ver com as competências, eu digo sempre isto, dos treinadores, tem a ver com contexto, que pode se tornar mais facilitador ou menos facilitador para o trabalho dos jogadores e do treinador. – Mas, no Sporting e no FC Porto, o problema era só o treinador?– Não podemos esquecer que perderam grandes referências de liderança de balneário. No caso do FC Porto, o Pepe, o Taremi, jogadores com muito peso no balneário. Hoje, os capitães são mais novos, sem esse peso ainda, o que não ajuda nesta transição. O Sporting também está a pagar um pouco isso, essa ausência, neste momento, de jogadores como o Coates e o Neto, se calhar o próprio Paulinho, também mais velho e mais experiente. Quando as coisas estão a correr bem, é muito fácil. É quando as coisas estão a correr menos bem que estes elementos são fundamentais.