«Florentino devia escolher Angola, está a queimar o tempo à espera de Portugal...»
André Macanga, antigo capitão de Angola, em entrevista a A BOLA.

ENTREVISTA A BOLA «Florentino devia escolher Angola, está a queimar o tempo à espera de Portugal...»

INTERNACIONAL26.12.202411:31

André Macanga, um dos históricos capitães dos Palancas Negras, revela que conselhos dá a Florentino, médio do Benfica, sobre convite da federação angolana. Excerto de uma grande entrevista a A BOLA.

André Macanga construiu uma carreira sólida em Portugal, em clubes como Alverca, Académica, Salgueiros ou Boavista, tendo passado pelo FC Porto. É também uma das figuras em destaque na história da seleção de An gola, um capitão com história. Hoje é treinador e está a fazer formação em Portugal, uma espécie de segunda pátria do ex-jogador. De visita a A BOLA, falou muito dos Palancas.

- Quão orgulho sente por ter sido capitão da seleção de Angola?

- Quando chegamos a uma seleção é um orgulho. É preciso trabalhar bastante. É o ponto mais alto de uma carreira. Houve uma fase em que ainda duvidei se poderia representar a seleção angolana ou portuguesa. Chegaram a dar-me indicações de que após o processo de nacionalização poderia ter esperanças de representar a seleção de Portugal. Hoje, olhando para trás, começo a ver que fiz a escolha certa para representar o meu pais, Angola.

- Na mesma situação estará agora Florentino, jogador do Benfica. Tanto pode jogar por Portugal como por Angola. Que conselho lhe daria?

- Primeiro, digo-lhe que gostava de o ver a jogar por Angola. Seria um jogador que poderia acrescentar algo mais à nossa seleção. Hoje, sem margem de erro, eu posso dizer que temos uma seleção que está coesa, está compacta, tem os seus objetivos para alcançar. Jogo após jogo, a nossa seleção está muito forte. E isso deveria ser incentivo para Florentino. Se, eventualmente, quiser projetar ainda mais o futebol que está a apresentar no Benfica, acho que devia escolher os Palancas. A seleção portuguesa tem muitos jogadores para aquela posição. Eu, André Macanga, não estou a ver o Florentino, neste momento, a jogar de caras numa seleção portuguesa. E eu penso que ele está a queimar o seu tempo no sentido de ficar à espera da seleção portuguesa quando tem uma seleção, cada vez mais forte que lhe abriu as portas, o quer acolher de braços abertos e onde pode ter um papel fundamental.

- Como é que estás a ver este momento dos Palancas? O a no de 2024 foi um ano de recordes… Na CAN, mas não só…            

- Este momento resulta também do saber esperar. No início do selecionador Pedro Gonçalves as coisas não começaram logo a correr bem e ainda bem que Federação não se precipitou. Temos de dar tempo para que as coisas possam acontecer com naturalidade. Eu fui sempre conversando com o Pedro Gonçalves. Fui transmitindo algumas informações daquilo que é a seleção. Fui lhe dizendo que é preciso ter tempo. Conseguir agregar os mais antigos com os mais novos. Não ter pressa. Hoje, felizmente, as coisas têm acontecido com naturalidade.

- No CAN de Marrocos, é possível fazer história e ultrapassar a barreira dos quartos de final?                                                     

- E possível, desde que haja apoios. Desde que se planifique e se trabalhe antecipando as situações. Desde que todos falem a mesma língua, que é o futebol.

- O André é um dos 23 jogadores da história do futebol angolano que jogou um Mundial. Que memórias guarda dessa experiência única?

- Nós tínhamos um excelente grupo. Tínhamos um líder, que era o selecionador Oliveira Gonçalves. Depois desse líder, nós tínhamos uma equipa. E depois, houve sempre muita conversa entre nós. Começámos a sonhar que íamos conseguir a qualificação quando fomos empatar à Nigéria. No jogo decisivo, em Kigali, com o Ruanda, conseguimos manter a calma, sem ansiedade, e não nos sai da cabeça o lance do golo do apuramento… O Zé Kalanga a fazer aquelas diabruras que tão bem fazia, o cruzamento com selo de golo e o Akwá a faturar de cabeça… Foi a loucura.

- Chegou o Mundial da Alemanha e a estreia com Portugal…

- Portugal teve de suar muito para vencer 1-0. Uma seleção que tem alguns dos melhores jogadores do Mundo. E até chegou às meias finais nesse Mundial. Para Angola seguiram-se dois empates… Qualquer dos jogos poderia ter caído para o nosso lado… Caímos na fase de grupos, mas demos boa imagem de Angola.

- Os 20 anos desse grande feito cumprem-se em 2026. Que melhor cerimónia de evocação do que nova presença num Mundial? Está com fé?

- Os nossos bravos jogadores têm demonstrado que estão unidos. A equipa está toda compenetrada para conseguir resultados positivos. Tenho a certeza absoluta que, neste momento, os nossos jogadores estão confiantes. Muitos deles estão a jogar também em bons clubes europeus e não só. E isso está a fazer com que também traga mais competitividade. E temos um bom selecionador, o Pedro Gonçalves.

- O que aconteceu ao Pedro Mantorras, devido a grave lesão, é ou não um dos maiores crimes que aconteceu no futebol?   

- Eu acho que sim. Pedro Mantorras, se não tivesse o azar da lesão, seria um dos melhores jogadores a atuar num dos grandes clubes europeus. Isso, sem dúvida. Conheci o Mantorras no Alverca e o então presidente, Filipe Vieira, encarregou-me de cuidar dele. Dei-lhe muitos conselhos, estava destinado a ser dos melhores do mundo, mas depois aquela lesão… Uma pena…

Orgulho por ter sido contratado pelo FC Porto, pena não ter jogado

André Macanga num reencontro com Fernando Santos, treinador do FC Porto quando o angolano chegou Às Antas

André Macanga construiu uma carreira sólida. Em Portugal, fez a formação no Arrifanense, passou por Vilanovense, Salgueiros, Alverca, V, Guimarães, Académica e Boavista. «Joguei a titular em todos os clubes, à exceção de um», conta. Refer-se ao FC Porto, clube pelo qual assinoiu em 2000, acabando por ser emprestado. «O treinador era Fernando Santos. E O FC Porto não só tinha uma excelente equipa, como na altura havia a limitação de estrangeiros e eu contava como angolano. Mas foi um orgulho ter chegado lá, pena não ter jogado como queria», comentou. Macanga jogou ainda no Gaziantepspor da Turquia, mais sete anos no Kuwait e um no Catar. Deixou de jogar em 2013. A carreira de treinador de André Macanha começou em 2013, como adjunto da Seleção de Angola. Seguiu-se Libolo, de Angola, e Desportivo da Huíla. Agora treina escolinhas do Águias de Canarate, nos arredores de Lisboa, no âmbito do estágio do curso UEFA C que está a tirar em Portugal.

Mesmo lesionado, Manuel José convocou Macanga para CAN-2010

Macanga seria uma das figuras de Angola na Taça das Nações Africanas de 2010, que o pais organizou. Mas lesionou-se e foi baixa para a competição. Ainda assim, Manuel José, o então selecionador dos Palancas, decidiu convoca-lo. Não para a lista dos 23 inscritos, mas para integrar a comitiva. Esteve concentrado, enquanto os companheiros treinavam, Macanga fazia tratamento, mas tudo o mais era como se mais um jogador de tratasse. Razão? Ser a voz da experiência e de motivação para todos.

Impagável Cândido Costa

André Macanga e Cândido Costa cruzaram-se no Salgueiros e foram juntos para o FC Porto, embora o angolano para ser emprestado. Mas ficou uma amizade entre os dois. «O que hoje todos vêm em termos de comunicação e contar histórias, o Cândido já era assim quando era novo… Muito engraçado… Gosto muito dele», comenta André Macanga.

Foi poupado, investiu, agora é.. livre

André Macanga sempre foi muito ciente das responsabilidade e conseguiu amealhar bom dinheiro em Portugal e, essencialmente, médio oriente. «Investi muito, hoje tenho esses investimentos, em especial imobiliário, a dar um rendimento fixo. Tive juízo e agora não tenho de andar a pedir batatinhas a alguns dirigentes. Ser financeiramente independente torna-me livre em tudo o resto. Só obedeço à minhas consciência» disse.

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