Félix: «Tive uma fase em que sentia ‘posso tudo’, mas não estou sempre a pensar nos 126 milhões»

Internacional português repassa carreira em podcast; do Porto a Lisboa por causa do irmão e depois Madrid

João Félix tem apenas 25 anos, mas em alguns assuntos já fala como um veterano. Talvez porque saiu de casa, em Viseu, com 11 anos, para seguir o sonho de ser jogador de futebol.

Não foi fácil. Saiu para concretizar o sonho, nas escolas do FC Porto. Na primeira noite em que ia dormir na Casa no Dragão ligou ao pai a pedir que o fosse buscar. «Ele deixou-me lá e passada uma hora liguei-lhe a chorar, pedi para me ir buscar, ‘tenho saudades’. Ele disse-me ‘ok, vou-te buscar, mas depois não te levo mais’. E eu percebi que se quisesse continuar tinha de ir para lá viver. Depois de falarmos cinco minutos decidi ficar. E pronto», recorda no podcast Geração 90.

O pai, professor, foi jogador a nível distrital, mas diz que não sentiu a pressão para se decidir. «Vejo muitos pais a pressionar os filhos para serem o próximo Ronaldo, os putos às vezes nem querem, os pais é que querem isso, mas deves fazer o que te faz feliz», recorda sobre a infância em Viseu.

Acabei por ir com o meu irmão para o Benfica em pack. Somos muito próximos, apesar de diferentes, temos uma relação especial

Aos 15 anos, por não ter jogado muito, saiu do FC Porto e pensou voltar para Viseu, mas foi para o Benfica - «aí, aos 16 anos, já começo a ver a equipa A mais perto» - com o irmão Hugo, que tinha 10: «Acabei por ir com ele em pack. Somos muito próximos, apesar de diferentes, temos uma relação especial.»

«Nunca senti muito isso da pressão. Se vais fazer uma coisa em que sabes que és bom, em que tens confiança, não tens necessidade de sentir pressão. Se te sentires pressionado, as coisas vão sair pior. Outra coisa é ansiedade. Já senti mais, hoje em dia lido bem e com o tempo vais percebendo», diz.

Para ser sincero, tive uma fase em que sentia ‘posso tudo’, ser intocável, e é normal dado tudo o que aconteceu, mas foi rápido, abriram-me os olhos. O meu pai diz o que tem a dizer. E costumo dizer que quero que os meus filhos tenham a educação que eu tenho. Do valor? Nunca me passa pela cabeça, só me lembro se me falarem. Não estou na cama, antes de adormecer, a pensar que custei 126 milhões. Não é coisa que me passe na cabeça

Aos 19 anos, já se sabe: depois de apenas seis meses na equipa principal dos encarnados, foi campeão e tornou-se a maior transferência de sempre de um jogador português, ao ser vendido por 126 milhões de euros ao Atlético Madrid. «As coisas aconteceram como tiveram de acontecer. Foi tudo muito depressa, porque tinha acabado de chegar à equipa A, jogo os jogos todos, sou vendido, mudo de país, de língua… Na altura pode ter havido quem tenha ficado chateado por ir embora, mas são oportunidades…E se depois me tivesse lesionado? Há muitos casos assim», diz, com mais uma achega:

«As pessoas já sabem o meu valor, se eu tiver agora lesão [bate na mesa, ‘Deus queira que não’] sabem que quando voltar serei igual. Mas quando se está a aparecer, por vezes não chegam a rebentar», sublinha sobre o «apanhar do comboio que por vezes só passa uma vez».

A carreira foi depois irregular, com vários empréstimos até ser esta época vendido definitivamente ao Chelsea, mas garante que o número não é coisa com que se preocupe passados tantos anos.

«Para ser sincero, tive uma fase em que sentia ‘posso tudo’, ser intocável, e é normal dado tudo o que aconteceu, mas foi rápido, abriram-me os olhos. O meu pai diz o que tem a dizer. E costumo dizer que quero que os meus filhos tenham a educação que eu tenho. Do valor? Nunca me passa pela cabeça, só me lembro se me falarem. Não estou na cama, antes de adormecer, a pensar que custei 126 milhões. Não é coisa que me passe na cabeça», afirma.

As críticas ficam agora bem compartimentadas: «Hoje em dia não me afetada nada. Muita gente não percebe que um jogador, ou pessoas muito expostas, têm família, amigos. Temos sentimentos, emoções. Por acharem que ganhamos muito dinheiro temos de lidar com isso, mas temos vida pessoal e se não estivermos a render pode estar a acontecer alguma coisa, algo não está bem. Mas temos de saber lidar, se não pode entrar a depressão, como alguns jogadores já vieram a público admitir que tiveram, outros se calhar nunca disseram… não gosto que me vejam em baixo, guardo para mim.»