«Dragões, caricatura e depois obra-prima», a crónica do Antuérpia-FC Porto
«Afinal havia outro», adaptando Mónica Sintra aos dois ‘Portos’ da noite de ontem; o da primeira parte, vulgar, o da segunda, ‘vintage’
Acara de poucos amigos de Sérgio Conceição no regresso para a segunda parte, deu bem a ideia do que terá sido o puxão de orelhas que os jogadores dos dragões levaram ao intervalo, em Antuérpia. E, diga-se de passagem, tudo o que Conceição lhes tenha dito, não só teve um efeito avassalador, como foi foi profundamente justificado, porque o FC Porto da primeira parte, macio, desconexo e descrente, não passou de uma caricatura da equipa que luta pelo acesso aos oitavos-de-final da Champions; e esta realidade ainda foi mais posta a nu pela brilhante segunda parte que os dragões arrancaram na capital mundial dos diamantes.
Provavelmente, a perder, Sérgio Conceição já teria preparadas mexidas na equipa para o segundo tempo, que acabaram por ser aceleradas pela lesão de Wendell: André Franco foi para a esquerda da defesa, Pepê abandonou o apoio direto a Taremi, que funciona assim-assim e foi pisar terrenos onde se sente mais confortável, na direita, e Evanilson foi servir de parceiro ao iraniano, mudando o rumo do jogo. De repente (sem esquecer que empatar logo no primeiro minuto da segunda parte foi um alento inestimável) o FC Porto passou a pressionar a sério, e não de faz de conta como na primeira metade, Eustáquio e Varela beneficiaram da equipa ter passado a estar mais junta para serem a cola que Conceição deles esperava, Galeno começou a recuperar bolas que não só valeram golos como desestabilizaram o adversário, e a vantagem azul-e-branca foi-se avolumando com a naturalidade das coisas que estão destinadas a ser...
As ilações de conceição
O treinador do FC Porto, que perante um 4x3x3 de base do Antuérpia, voluntarioso e com alguns elementos interessantes, mas claramente peixe fora de água no oceano da Champions, onde os dragões nadam em águas profundas há décadas, apresentou o 4x4x2 esperado, mas cedo viu que o problema não estava na tática - por isso nunca a alterou - mas na dinâmica (melhor dizendo, na falta dela ao longo da primeira parte). Por isso, quando lançou Evanilson, segundo portista a fazer um hat-trick na Champions, juntando-se a Brahimi, ganhou imediatamente, porque a química do brasileiro com Taremi é um caso de estudo; ganhou ainda pela agressividade que Pepê deu à direita; e ganhou uma vez mais, porque fez ver, muito cedo no segundo tempo, ao Antuérpia, quem era, à légua, melhor equipa. É verdade que os belgas, na sequência de um pontapé de canto que Alderweireld cabeceou à barra (63) podiam ter empatado. Mas teria sido contra a corrente do jogo e, embora no futebol não haja ses, o FC Porto teria tempo para materializar em golos a sua superioridade.
Falar de um jogo de futebol, além da panorâmica geral e das nuances táticas, nunca deve passar ao lado dos protagonistas, e aquilo que os dragões fizeram ao minuto 69, merece ficar registado em letra de imprensa: João Mário, então já na esquerda, após a entrada de Jorge Sanchez para a direita, trabalhou bem a bola e fez uma mudança de flanco exemplar para Pepê, que de primeira, num gesto técnico admirável, serviu Evanilson e este, sem cerimónia, assinou um golo de bandeira. Foi o momento do jogo, nota artística elevada e eficácia absoluta. Valeu o bilhete a quem o pagou (ou a assinatura da TV...). Pura arte.
Depois deste minuto sublime, e perante o conformismo de Van Bommel, que deu minutos a jovens jogadores, Conceição acelerou a direita com o filho Francisco, e renovou a casa das máquinas, trocando Eustáquio e Varela por Grujic e Nico González. E foi com tudo já resolvido, dois minutos volvidos, que Taremi fez uma assistência açucarada a Evanilson, que concluiu com um chapéu a Butez. Era o fim de festa perfeito para um FC Porto cada vez mais perto de chegar aos oitavos-de-final, e que continua na corrida pela vitória no grupo, o que lhe facilitaria a vida na próxima fase. Um FC Porto que foram dois, o da primeira parte para esquecer, o da segunda, cinco estrelas.