CRÓNICAS DE UM MUNDO NOVO A teoria do quando (artigo de José Manuel Delgado)

Há uma palavra que mantém o Mundo em suspenso: ‘quando’.

Todos os cenários em cima das mesas dos decisores estão presos por este advérbio de tempo que, seguido de um ponto de interrogação, traduz fielmente as inquietações que nos vão na alma.

Os governos elaboram projeções económicas, mas o ‘quando’ obriga-os a demasiados ‘ses’, que não fazem luz sobre as dúvidas que nos assaltam; os especialistas em saúde pública tentam adivinhar o rumo da curva da pandemia, mas o ‘quando’ tem sido, para já, um desígnio insondável, que resiste a previsões e até parece fazer gala de escarnecê-las; e até os agentes desportivos ensaiam exercícios de adivinhar o ‘quando’, estabelecendo datas que ninguém sabe, em bom rigor, se são minimamente realistas.

Fará parte do novo normal projetar o futuro de quinze em quinze dias, ao ritmo da renovação do estado de emergência? E tentar estender uma esperança cada vez mais remota do regresso ao mundo como era, de duas em duas semanas, de maneira a criarmos, suave e paulatinamente, mecanismos de habituação à distopia em que vivemos?

Enquanto não temos resposta ao ‘quando’, vamos criando novas rotinas, numa dependência crescente da sociedade de informação: às dez da manhã a Direção Geral de Saúde de Espanha atualiza dados, antes da uma da tarde é o Ministério da Saúde de Portugal que faz o ponto de situação, por volta das cinco a Proteção Civil italiana acerta números, mais ou menos à mesma hora é a conferência de imprensa em Downing Street e mais tarde, depois de jantar, é a vez da Casa Branca nos contar como vai a evolução da crise.

Mas ninguém é capaz de revelar o Santo Graal das notícias, o ‘quando’ de que depende o fim do pesadelo universal que testemunhamos.

E ainda há outros ‘quandos’ de natureza diversa, capazes de nos devolver a vida quase como a conhecíamos, que carecem de resposta:

- ‘Quando’ haverá um medicamento que cure a Covid-19?

- ‘Quando’ haverá uma vacina que evite a Covid-19?      

Como se vê, a teoria do ‘quando’ comanda o mundo. Até quando?

PS – A questão do uso de máscaras, que ontem abordei neste espaço, continua na ordem do dia. O Governador da Califórnia, com o apoio das autoridades de saúde, exortou os habitantes do Estado a confecionarem máscaras artesanais para usarem cada vez que tiverem de ir trabalhar, ao supermercado ou à farmácia, ou, em alternativa, a usarem lenços ou cachecóis  que tapem o nariz e a boca, engrossando assim a coluna dos que contrariam as diretivas da Organização Mundial de Saúde. ‘Quando’ (e cá estamos nós de novo no ‘quando’) a situação permitir o regresso às ruas, este tema ganhará uma acuidade acrescida. Por isso vale a pena mantê-lo vivo, aguardando-se, por um lado, por explicações mais cabais sobre uma matéria pouco compreendida; por outro, por medidas do governo no sentido de garantir que ‘quando’ o ‘quando’ chegar não faltará material nas prateleiras das farmácias e supermercados, a preços que não sejam um assalto público e notório, como está a acontecer, por exemplo, com os desinfetantes para as mãos.