Rodrigo Mora festeja golo marcado no FC Porto-Boavista da jornada 16 da Liga 2024/2025 (GRAFISLAB)
Rodrigo Mora festeja golaço no Dragão (GRAFISLAV)

FC Porto-Boavista, 4-0 A noite em que o cérebro voltou a ganhar ao músculo (crónica)

NACIONAL28.12.202423:10

Abertura teleguiada de Nico González para Martim Fernandes assistir Samu; cruzamento brilhante de Rodrigo Mora para o golo de Nico; dança fenomenal no 3-0 de Mora; finalização perfeita de Samu após passe tenso de Neuhén Pérez

Se era apenas para dormir na liderança e esperar pelo resultado do dérbi de Alvalade, não era preciso o FC Porto abusar. Mas abusou: 4-0. Sobretudo no segundo tempo: 3-0. O primeiro foi cinzentinho, sim senhor, quase sem remates, mas indo para o intervalo em vantagem. Depois do descanso, os dragões de Vítor Bruno abriram a bocarra e soltaram algumas labaredas que queimaram o Boavista, através dos cérebros de Nico Gonzaléz e, sobretudo, de Rodrigo Mora. Num tempo em que o músculo ganha cada vez mais destaque no futebol mundial, eis que o espanhol e o português adoçaram a boca de milhões de pessoas que gostam de futebol.

E nem foi um dragão que começou a queima definitiva do xadrez de Cristiano Bacci. Foi um dragãozinho de 17 anos, mais uma pepita de ouro nascida e criada no Olival: Rodrigo Mora. Não teve primeiro tempo especialmente interessante, mas depois puxou brilho à lamparina e de dentro dela saíram duas jogadas só possíveis a quem tem muito talento: cruzando alto para Nico González fazer o segundo junto à pequena área (55); levando a bola desde o meio do meio-campo portista até à área do Boavista, dançando em frente a quatro ou cinco adversários e, zás, de pé esquerdo colocando a bola no fundo da baliza de César (59). Quatro minutos brilhantes de Mora. Quem viu em direto, viu; quem não viu, visse...

Se alguém não souber o que é intensidade num jogo de futebol, reveja os primeiros 45 minutos. O Boavista, então, fez de cada lance um motivo para lutar pela vida. Chegou a parecer, a espaços, o xadrez do início do Século XXI, que até foi campeão nacional, em que cada jogador não deixava um pingo de suor no corpo e em que cada bola era disputada como se dentro dela houvesse uma barrinha de ouro. Era músculo atrás de músculo em 2000/2001 temperado com bastante técnica, agora, 24 anos depois, pelo menos neste jogo do Dragão, foi apenas músculo.

O FC Porto, com mais bola e circulando-a muito mais e muito melhor, chegou a parecer um pouco assustado pela impetuosidade inicial do adversário, não criando qualquer oportunidade de golo até à meia hora. Até porque o Boavista, sempre que ganhava a bola, tentava encontrar alguém que pudesse atacar a profundidade e, com esse pensamento, criar perigo junto de Diogo Costa. Muitas vezes tentou, todas elas falhou.

Até que ao minuto 31, aproveitando o guloso adiantamento de médios e atacantes boavisteiros, Nico González desmarcou Martim Fernandes na direita, o cruzamento rasteiro deste saiu perfeitinho e do outro lado, como se fosse uma seta negra, apareceu Samu a marcar de pé esquerdo, pertinho do poste direito. Jogada linda e finalizada de forma prática pelo goleador do costume.

O FC Porto passava, de forma bem justa, para a frente do marcador, no primeiro remate enquadrado com a baliza de César. Mais de meia hora e um só remate para golo dava ideia do que fora o primeiro tempo: dragões a mandarem no jogo, axadrezados a tentar surpreender pela velocidade com que colocavam a bola perto da área adversária, mas sem perigo de parte a parte. Diogo Costa e César, bem mais o primeiro, claro, que o segundo, tiveram primeiro tempo com pouquíssimo trabalho.

O segundo tempo foi brilhante. Não apenas pelos três golos marcados, antes pela beleza dos três. A bola voadora de Rodrigo Mora para a finalização de Nico González; o raide dançarino de Rodrigo Mora frente à muralha defensiva axadrezada; o desvio de Samu junto à baliza na sequência de passe tenso de Nehuén Pérez. O FC Porto vai dormir na liderança à custa de músculo, sim senhor, mas sobretudo de cérebro. O cérebro de Nico, o cérebro de Rodrigo e o músculo de Samu. Mesmo sem o cérebro de Fábio Vieira em campo ou na bancada. Presume-se, pelas palavras de Vítor Bruno, por alguma falha de empenho nos treinos.