CRÓNICAS DE UM MUNDO NOVO À boleia do Raio X feito por Poiares Maduro (artigo de José Manuel Delgado)
«Em Portugal, temos a Liga menos competitiva da Europa quando medida pela proporção de pontos com que o primeiro classificado ganha campeonatos, o que gera logo muito pouco interesse ao nível dos direitos de transmissão televisiva. Pode haver aqui uma oportunidade para a centralização dos direitos televisivos que, se for bem utilizado, pode promover a competitividade. Em Portugal, é preciso melhorar o espetáculo desportivo, a qualidade dos serviços oferecidos, do combate efetivo à violência nos campos de futebol.»
MIGUEL POIARES MADURO, professor universitário, ex-ministro e antigo presidente do Comité de Governação da FIFA, in Jornal Económico
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Com uma clareza cristalina, Poiares Maduros, uma das mentes mais lúcidas, entre nós, na análise macro ao futebol português, deu a receita para o desenvolvimento harmonioso de um negócio que tem sido tratado com parâmetros da revolução industrial.
Peguemos na aludida questão da centralização dos direitos televisivos, chave do sucesso dos principais campeonatos do futebol europeu e coloquemos uma pergunta: Quem está contra? Por maioria de razão, e em primeiro lugar, as operadoras, que convivem bem com o postulado «dividir para reinar.» É mais fácil discutir valores com cada um de ‘per si’, especialmente com os fracos e os desvalidos, do que com uma plataforma comum, mais forte por natureza. Depois, surgem os clubes que arrecadam as maiores fatias, que chegam a ser 15 vezes mais gordas do que as talhadas esqueléticas dos pequenos. Para esse, olhando apenas para o umbigo e para o dia de amanhã, sem cuidar de quem está à volta nem ter horizontes mais alargados, não vale a pena mexer (tanto mais quando é publico que há muitas antecipações de receitas já realizadas…). E finalmente, um ou outro dos clubes emergentes, que se sacia com mais algumas migalhas do que aquelas que estava habituado a receber.
Curiosamente, a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga de Clubes, através de posições públicas de Fernando Gomes e Pedro Proença, são grandes defensores da centralização, por razões que não andam distantes daquelas teorizadas por Miguel Poiares Maduro.
Será que a conjuntura de dificuldade que se aproxima poderá virar o jogo e abrir caminho para uma saída solidária da crise? É bom que haja consciência de que se esse não for o caminho, muitos clubes poderão não sobreviver e os que restarem ficarão mais fragilizados do que deveriam, caso optassem por uma estratégica comum. Como ninguém joga sozinho, o bem de uns será sempre o bem de todos.
E se precisarem de pistas que levem a uma boa solução, ponham os olhos em Espanha, onde os colossos Real Madrid e Barcelona acabaram por ser envolvidos num processo que durante muitos anos rejeitaram e de que agora todos beneficiam. E de onde pensam que vem o ressurgimento do futebol italiano? Da centralização. Que era importante então, como o é hoje, mais do que nunca.
Repito uma ideia que tenho deixado amiúde, no último mês, no jornal A Bola, n’A bola TV e na Bola.pt:
«É preciso ver esta crise mais do que como um problema, como uma oportunidade.»