ENTREVISTA A BOLA «O problema do Desporto em Portugal é de ordem cultural e não partidária»
José Manuel Constantino, presidente do COP, traça o retrato desportivo do nosso país
O Conselho de Estádio tem como convidado José Manuel Constantino, 73 anos, presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) desde 2013, estando agora no último mandato, e antigo líder do Instituto Nacional do Desporto e da Confederação do Desporto de Portugal.
Professor Catedrático, José Manuel Constantino é, seguramente, uma das pessoas com maior autoridade para fazer o retrato do Desporto no nosso País, tornando-se ainda mais pertinentes as suas opiniões não só porque estamos a escassos dias de um ato eleitoral importante, bem como pelo facto de este ser um ano de Jogos Olímpicos, a realizar em Paris. Seguem-se as opiniões de José Manuel Constantino, sempre lúcidas e fundamentadas, por vezes sem esconder um certo desencanto pela falta de cultura desportiva do nosso País, que tem reflexos na ação governativa, numa conversa em que nenhuma pergunta deixou de ser respondida com desassombro e toda a frontalidade. Afinal, é o próprio presidente do COP que assume que não tem a «palavra mole».
- Estamos já na reta final para as eleições legislativas, e sei que o COP teve a preocupação de enviar a todos os partidos com representação parlamentar um documento de reflexão sobre o Desporto nacional, que me pareceu importante. Queria saber se tem alguma expectativa que algum dos partidos pelo menos tenha lido e tomado em atenção aquilo que foi apresentado, lembrando que em todas estas dezenas e dezenas de debates e declarações públicas da campanha eleitoral ainda não se ouviu falar-se da questão do Desporto?
- Quero acreditar que alguns terão lido o nosso contributo, não sei com que grau de profundidade e com que nível de reflexão, mas quero acreditar que não foi um trabalho em vão do ponto de vista do reconhecimento do contributo que o COP entende dever prestar às entidades que têm responsabilidades, do ponto de vista da organização política do Estado português, que são os partidos políticos, e desde logo a sua representação parlamentar, e depois através do Governo e de outros órgãos da Administração. Entendemos que é a nossa obrigação prestar um contributo, acrescentando à reflexão que espero que os partidos façam, e outras organizações da sociedade civil, aquilo que é a experiência e que é a reflexão do COP, manifestando em simultâneo a nossa disponibilidade para esclarecer, aprofundar, e acomodar algumas das questões que sinalizamos, tendo naturalmente a perspetiva de que não estamos à espera que nenhum partido em particular adote como seu programa as sugestões na sua plenitude que o COP apresenta. Mas, enfim, queremos acreditar que há ali contributos positivos e que o País só teria a ganhar se refletisse sobre eles, se os aprofundasse e se verificasse da sua viabilidade.
- Uma das questões que me parece também quase prioritária no documento que é apresentado, levanta uma questão estruturante para o Desporto nacional, que é a do financiamento. O financiamento do Desporto continua muito ligado aos Jogos da Santa Casa, e tem aprovado, neste momento, segundo julgo saber, do ponto de vista do orçamento de Estado, qualquer coisa como 50 milhões de euros, um valor que representa menos de metade daquilo que gastam ou Benfica ou FC Porto no futebol. Trata-se de uma verba baixa, eu diria quase desprezível, qualquer coisa como 0,04 por cento. O que seria necessário fazer, de estruturante, para alterar este quadro minguado do financiamento do Desporto em Portugal?
- Numa linguagem simples, ter um responsável pela área do Desporto com suficiente músculo político para poder impor à área da economia e das finanças uma dotação mais substancial. A média de gastos europeia com o Desporto anda à volta de 150 euros per capita, e a nossa é de 50 euros. Há aqui um déficit de financiamento a partir do Estado central, que não é replicado pelas autarquias, porque aí o nível de financiamento de Portugal está em linha com aquilo que é a média europeia. O grande déficit é, efetivamente, ao nível do financiamento central. E porquê? Na nossa leitura, porque está muito dependente de um esquema de natureza aleatória ligado aos jogos sociais e à volatilidade desta receita, que, por outro lado, tem vários destinatários, para além do Desporto.
- Mas o problema não estará, sobretudo, ligado a uma falta de mentalidade desportiva? Ou, pelo menos, a uma falta de visão desportiva?
- Essa é a questão! E tem a ver com a importância transversal que o Desporto deve ter na sociedade. Porque é que o orçamento de Estado, no que concerne ao Desporto, vive, basicamente, da arrecadação da receita, que é feita através dos jogos sociais, e não da chamada receita fiscal? Porque se entende que o Desporto não tem suficiente dimensão política para poder ter outro nível de financiamento. Comparando com o que se passa com a Cultura, esta reivindica um determinado percentual, de modo a que possa responder àquilo que são as suas necessidades de desenvolvimento. Ora, o Desporto tem o mesmo problema, mas a uma escala completamente diferente, para menos. E, portanto, não é possível, dê-se a volta que se der, sustentar programas de desenvolvimento da atividade desportiva dos portugueses, com um rácio de financiamento público, a partir do Estado Central, tão escasso como aquele que referiu. Que é também menos que só a Federação Portuguesa de Futebol tem para a gestão de uma modalidade. Não é possível, nem é compreensível, que o governo de um país tenha menos dinheiro para gerir o Desporto na sua totalidade, que tem só uma federação. Uma federação tem mais dinheiro, em alguns casos o dobro daquilo que tem o IPDJ, que é quem faz a administração deste recurso financeiro, para distribuir pelas organizações desportivas. A atividade desportiva tem um custo, e esse custo tem que ter um suporte. E esse suporte, na linha daquilo que são as políticas europeias de apoio à atividade desportiva, tem como seu principal sustentáculo o Estado, o Estado Central. Nós até temos uma coisa que outros países não têm, que é a obrigação constitucional! E o que é facto é que, ao longo destes 50 anos, com intermitências mais para cá, mais para lá, o déficit de financiamento público decorre, na minha leitura, da perspetiva cultural que quem governa tem, quanto à importância que o Desporto deve ter do ponto de vista do desenvolvimento social.
- Nos últimos 50 anos nós já tivemos governos só do PSD, só do PS, já tivemos Bloco Central, já tivemos AD, já tivemos Geringonça, já tivemos PS com CDS, a verdade é que, de um espectro que vai da esquerda à direita, nunca houve ninguém com sensibilidade para esta matéria...
- Porque é uma questão cultural, e não uma questão partidária. Não foi pelo facto de mudarem os partidos, com vários titulares, até a nível ministerial, que as questões se alteraram do ponto de vista substantivo. Vivemos com um déficit de financiamento que dificulta o desenvolvimento do Desporto, porque não há nenhum setor de atividade social deste país que possa funcionar sem recursos financeiros.
- Isso não prejudica a ideia de que cabe também às organizações desportivas encontrar outras fontes de financiamento?
- Há modalidades que, pela própria natureza, têm dificuldades de encontrar um mercado suscetível de patrocínios, de comparticipações financeiras, ao mesmo tempo que não há política de incentivo ao patrocínio que seja aliciante para quem coloca dinheiro no desenvolvimento desportivo e possa ter, por exemplo, benefícios fiscais relativamente a esse financiamento que faz.
- O que inibe o mecenato…
- Também no mecenato que, no espírito da nossa administração fiscal, é qualquer coisa que tem que viver no anonimato. Porque senão é publicidade. E, sendo publicidade, tem que pagar taxas. Ora isso não se passa na Cultura. Por exemplo, quando se vai aos concertos em frente ao Teatro São Carlos, que se realizam a cada verão, vê-se lá uma faixa do patrocinador. Mas, em relação ao Desporto, tratam aquilo como publicidade…
- Mas nos museus, por todo o mundo, encontramos sempre em destaque quem apoiou, através do mecenato, por exemplo, novas alas, ou a aquisição de certas obras…
- Não há uma política de incentivo ao setor privado para a afetação de recursos à atividade desportiva!
- Uma das observações feitas também neste documento divulgado pelo COP, que me parece importante, é a constatação de que é necessário, para andar para a frente, primeiro andar para trás naquilo que foi a fusão do Desporto com a Juventude, através do Instituto do Desporto, que passou a ser depois Instituto do Desporto e da Juventude.
- Foi um erro cometido para agradar à Troika. Foi um erro que, de resto, foi apresentado como um bom exemplo, mas que se revelou trágico do ponto de vista da administração de duas áreas que, tendo alguns pontos em comum, têm características completamente diferentes, do ponto de vista daquilo que é a função essencial de cada uma das organizações. A dotação que vai para o IPDJ, com origem nos Jogos Sociais, não chega para pagar as remunerações durante os 14 meses. Chega apenas até ao mês de agosto. Portanto, foi um erro, que não sei se vai ser corrigido, porque agora haveria consequências complexas do ponto de vista da organização da máquina de Estado.