Espaço Universidade Ficar ou abandonar uma modalidade desportiva? (artigo de Vítor Rosa, 60)
São várias as interpretações sobre os processos de adesão e de abandono por parte dos agentes sociais relativamente a uma determinada modalidade desportiva. Recorremos aqui a dois conceitos sociológicos, por forma a clarificar esta ideia: “aculturação” e “socialização”. A aculturação define-se pela rutura das representações que os praticantes (“profanos”, por definição) fazem da modalidade antes da entrada num determinado clube, que lhe impõe as técnicas e as competências culturais específicas, legítimas, de longa data, pela instituição. O clube procura inculcar-lhe uma “cultura”, produzida pela sua história e apresentada como um “rito de passagem”. A socialização designa o processo pelo qual a longa frequência de um clube permite assimilar as maneiras de pensar, de sentir, de falar, de se comportar, dos “habitus” comuns ao conjunto dos seus membros e assegurar uma integração. É a aquisição, por impregnação, de uma subcultura.
Os praticantes aprendem assim a participar nesta subcultura específica, organizada em torno de uma atividade particular. Os praticantes tecnicamente experimentados e longamente “socializados” representam para os iniciados os modelos e as referências. Os prestígios sociais que eles adquiriram, no seio do clube, pelo seu nível técnico, e o capital de prestígio de que eles podem ter fora do clube (na sociedade) têm um papel capital nesta socialização. Ela opera uma interação permanente entre iniciados e não iniciados no seio do clube e se traduz, nomeadamente, pelo vocabulário utilizado (e adquirido) no decurso das interações com os outros praticantes.
Este vocabulário nota-se imediatamente quando se procede a entrevistas com os praticantes da mesma modalidade. A linguagem específica assegura a transmissão das “técnicas do corpo” (Mauss, 1950) e a “incorporação de um programa de aquisição de um saber tradicional e legítimo”. Os praticantes constroem uma identidade. Com base nestes dois conceitos, é importante saber quais são os “profanos” que suportam os constrangimentos da modalidade desportiva e os que conseguem ultrapassá-los e ficar. É na fase de permanência (estabilidade) na modalidade desportiva (dita de “socialização”) que é possível detetar as estratégias pessoais, as esperanças, as referências, os modelos e as técnicas dos agentes sociais. Nos adultos deve ser congruente a ideia de proveito social que eles esperam retirar da prática desportiva. Em caso contrário, espera-se uma certa “volatilidade” (os designados “zappeurs”).
Vítor Rosa
Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares de Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa