Uma das coisas mais difíceis de dizer a quem está muito habituado a ganhar é que não vai poder continuar a fazê-lo por algum tempo. Um ano, dois anos, quem sabe? E é tão difícil dizê-lo como ouvir dizer. Simplesmente não se aceita e perder torna-se ainda mais doloroso. É por aí que se torna muito complicado gerir expetativas. Primeiro, as nossas, porque os planos dificilmente se concretizam tal e qual imaginamos, e, depois, as dos outros, que nunca gostamos de desiludir. Villas-Boas venceu as eleições de forma estrondosa. Não foram só os 80% dos votos, foram 80% que fecharam ciclo de 15 mandatos e 42 anos de Pinto da Costa, que tinha feito o clube embarcar numa era gloriosa, com uma vastidão de títulos, entre os quais cinco troféus da UEFA e duas Intercontinentais. O FC Porto acabara de legitimar o novo presidente de uma forma que muitos julgavam impensável. Nem era consensual, embora houvesse boas probabilidades de acontecer, a sua vitória no sufrágio. André Villas-Boas estava, repita-se, legitimado para tomar qualquer decisão para recuperar o clube. E assumiu-a em decisões importantes, como as saídas dos bem-amados Sérgio Conceição e Pepe. Ambos eram homens do presidente anterior e associada ao primeiro, apesar do sucesso em tempo de vacas magras, havia uma imagem bélica e até de excessos que Villas-Boas queria certamente erradicar. Todavia, ao mesmo tempo que recusava a continuidade de um dos melhores treinadores da sua história e de um dos capitães mais carismáticos, optava por ficar com o adjunto Vítor Bruno para assumir o leme. Alguém que tinha a vantagem de conhecer o plantel, porém estava ao mesmo tempo ligado às decisões do anterior responsável, e soava bem na relação preço-qualidade. Acusado de trair o seu chefe de equipa, Vítor Bruno contou, desde o início, com um elefante no meio do balneário: Francisco, o filho deste, embora escudado por alegados problemas físicos. Por ter sido, talvez, o melhor jogador da época anterior, a sua gestão teria sempre de ser sensível e o desfecho mais desejado, a saída, era uma inevitabilidade, o que deixava o FC Porto com pouco poder negocial. A Juventus levou-o por 7 milhões, por empréstimo, e negociará no verão o passe em definitivo. Para alguém com necessidades financeiras urgentes, percebeu-se que era o negócio possível, longe do ideal. Ou, pelo menos, o ideal tinha ficado adiado por um ano, desde que nada de mal o colocasse em causa. O mercado não foi fácil. Pepe e Francisco foram vítimas da mudança, e Taremi mais um caso de saída a custo zero. Já Evanilson saiu para financiar todas as operações. As chegadas de Samu, Fábio Vieira, Nehuén, Tiago Djaló e Francisco Moura pretendiam elevar um ainda mais fragilizado 3.º classificado da época anterior ao nível dos rivais, que prometiam ainda mais solidez. Não parecia suficiente, pelo menos para época tão longa. Se a permanência de Vítor Bruno salta hoje à vista de todos como um erro – tal como prometia ser em junho, para alguns, pelas razões enunciadas –, já que foi a única rotura que ficou a meio, não abrindo espaço a uma tábua rasa sobre a qual criar novos relacionamentos e, talvez até, outros níveis de confiança, o segundo engano do novo presidente surgiu aqui. Era momento de gerir expetativas. Não havia dinheiro para contratar jogadores de classe – mesmo que o mercado tenha saído melhor do que se anunciara – e, como tal, as palavras «títulos» e «troféus» não deveriam ter passado primeiro pela boca de Villas-Boas e, depois, de Vítor Bruno. Por muito que custasse ao adepto não ouvi-las. Promessas de luta, de entrega, de ‘vão ter de levar connosco’ até ao fim, todas. Mas títulos, num ano zero, não! A conquista da Supertaça terá inclusive dado confiança em excesso ao Dragão. Mesmo que todos nos lembremos ainda que o resultado ao intervalo até pecava por escasso. A pré-temporada também parece ter sido mal planeada, com adversários demasiado acessíveis, que mais pretendiam moralizar os futebolistas do que propriamente expor o processo. Ainda assim, apareceu um futebol ligado, pressionante e vertical, que dava a entender que a equipa conseguira encontrar um caminho. Havia uma ideia. Os proscritos também voltavam e acrescentavam uma ou outra solução mais. Em teoria. Nas primeiras jornadas, o FC Porto apresentou-se consistente, embora claramente à procura de um goleador. Quando Samu começou a entrar na equipa, logo após o fecho do mercado, o impacto foi imediato, diluindo-se à medida que o processo ofensivo se tornava monocromático, unidimensional, pouco mais do que envolver e cruzar – sem qualquer manobra de diversão – para o jovem ponta de lança, um 9 de uma dimensão física difícil de igualar no duelo individual. A obrigatoriedade de não perder os rivais de vista – por força da má gestão de expetativas – começou por fim a pesar. A ponto de se queimarem etapas. Samu não poderia resolver todos os problemas, tal como o cruzamento dificilmente seria solução para todas as partidas. O futebol da equipa tornou-se confuso e Vítor Bruno foi criando ainda mais ruído, com inúmeras alterações na defesa e no meio-campo. Apenas o jovem avançado espanhol e Diogo Costa permaneceram, todas as hipóteses de duplas, nos centrais e no duplo-pivot, foram testadas on going, o que ainda aumentou mais a imagem de um técnico perdido. Os adeptos não viam evolução, mas sim uma equipa cada vez pior. Com evidências públicas de um balneário destroçado e uma comunicação também confusa e pouco impactante, acabou mesmo por cair. O nome que surge agora é o de Martín Anselmi. O que acentua a ideia de um ano zero. Traz convicções fortes de como se deve jogar para um plantel que dificilmente estará preparado para corresponder de imediato. Apresenta um outro tipo de discurso e de relacionamento com os jogadores, além de outras questões para resolver e da necessidade de adaptação. É, à partida, mais aposta de futuro do que parecia Vítor Bruno no início, mas também ele precisará de tempo para descobrir todo um novo mundo. De terminar o ano zero.